Angela M. Alves*, Cássia Isabel Costa Mendes**, Ana Maria Alves Carneiro da Silva***, Cassio Garcia Ribeiro****, André Tosi Furtado***** y Carolina Vaghetti Mattos******
RESUMO: O artigo objetiva discutir a utilização do poder de compra governamental como instrumento de fomento para o desenvolvimento do setor brasileiro de software e serviços, que apresenta-se como um segmento prioritário da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). São discutidas as possíveis restrições de legislação, a capacitação do governo na aquisição de software e serviços e, por fim, a capacitação das empresas do setor, especialmente, micro e pequenas empresas, para fornecer para o governo. A metodologia abrange reflexão sobre a utilização do marco teórico desenvolvido no contexto dos estudos da indústria de software e serviços. Ao longo do texto procura-se apontar alguns temas problemáticos com a finalidade de apresentar outras políticas públicas e privadas que poderiam auxiliar o setor tanto, ou mais, que o próprio uso do poder de compra. As conclusões indicam que o poder de compra governamental não é exercido para fazer política industrial do setor de software e serviço em razão da falta de qualificação para aquisição de software, pela inadequação do marco regulatório licitatório e necessidade de revisão da lei de micros e pequenas empresas |
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RESUMEN: El artículo tiene como objetivo discutir la utilización del poder de compra gubernamental como instrumento de fomento para el desarrollo del sector brasileño de software y servicios, que se presenta como un segmento prioritario de la Política Industrial, Tecnológica y de Comercio Exterior (PITCE). Son discutidas las posibles restricciones de legislación, la capacitación del gobierno en la adquisición de software y servicios y, por fin, la capacitación de las empresas del sector, especialmente de pequeñas y medianas empresas (PYMEs), para proveer al gobierno. La metodología abarca una reflexión sobre la utilización del marco teórico desarrollado en el contexto de los estudios de la industria de software y servicios. A lo largo del texto, se busca señalar algunos temas problemáticos con la finalidad de presentar otras políticas públicas y privadas que podrían auxiliar al sector tanto o mas que el propio uso del poder de compra. Las conclusiones indican que el poder de compra gubernamental no es ejercido para hacer política industrial del sector de software y servicios en razón de: la falta de calificación para adquisición de software, la inadecuación del marco que regula las licitaciones y la necesidad de revisar la ley de pequeñas y medianas empresas (PYMEs). |
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No campo da política pública, o uso do poder de compra governamental esteve ausente da agenda dos governos brasileiros durante algum tempo. Agora que se pode falar neste tema, em alguns setores corre-se o risco de cair num discurso oposto, ao repetir constantemente que este é o instrumento privilegiado para fomentar o desenvolvimento econômico.
A importância da discussão do uso do poder de compra governamental no setor de software e serviços é evidenciada por Roselino (2006, p.168) que afirma que o setor público constitui em um potencial demandante, devido ao grande volume de informações que necessita processar, as aplicações nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social, bem como na própria gestão do aparato estatal. Além de ser um potencial demandante, “a experiência internacional reforça a percepção de que a demanda do setor público é freqüentemente empregada como instrumento indutor do desenvolvimento e fortalecimento da indústria nacional de software” (id. ibid).
Outro fator que torna o governo um importante comprador para este setor é o seu volume de compra tendo em conta seus diversos níveis. Ao todo, o país é composto por 5562 municípios, 27 unidades da federação, governo federal e autarquias.
Este artigo tem por objetivo discutir se o desenvolvimento do setor de software no Brasil passa pelo uso do poder de compra governamental. Para tanto, o artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução e da conclusão. Inicialmente é realizada uma revisão bibliográfica sobre a racionalidade e os mecanismos de intervenção da política de compras governamentais. A segunda seção apresenta o as possíveis restrições de legislação relativas a compras governamentais. A terceira seção trata da capacitação das empresas do setor, especialmente, micro e pequenas empresas (MPES), para fornecer para o governo. O tema da quarta seção é a capacitação do governo na aquisição de software e serviços. Por fim, algumas reflexões à guisa de uma conclusão.
Por estimular o desenvolvimento de determinados segmentos industriais, a utilização do poder de compra do Estado deve ser entendida como uma política de corte seletivo - também conhecida como política vertical. As políticas industriais e tecnológicas seletivas privilegiam deliberadamente indústrias específicas, normalmente aquelas com vantagens competitivas dinâmicas e com potencial para crescer e ganhar mercados.
É importante ressaltar que, quando se decide utilizar o poder de compras do Estado como um mecanismo indutor do desenvolvimento da produção doméstica de determinados bens e serviços, aceita-se que, eventualmente, irá se pagar um sobrepreço temporário em favor do desenvolvimento da produção nacional (MOREIRA e MORAES, 2002). Frente à exacerbação da competitividade inter-firmas e entre os países, à elevação dos custos de P&D, ao recrudescimento dos riscos inerentes ao investimento inovativo, tendo em vista o encurtamento do ciclo de vida dos produtos (e dos processos), entre outros, a utilização do poder de compra do Estado para estimular determinadas indústrias locais e, concomitantemente, fomentar a capacitação tecnológica e a geração de empregos nessas indústrias, torna-se cada vez mais relevante (FERRAZ e COUTINHO, 1995).
Um exame da literatura que trata da política de compras governamentais revela que este é um instrumento de política pública que pode ser utilizado para alcançar múltiplos objetivos, tais como: a) Aumentar a demanda agregada; b) Estimular a atividade econômica e a geração de empregos; c) Aumentar a competição entre empresas domésticas incitando-as a se engajarem em atividades de P&D; d) Remediar disparidades regionais; e) Promover a criação de empregos em segmentos marginais da força de trabalho de um país, entre outros (ROLFSTAM, 2005).
Edquist e Hommem (1998) trabalham com a idéia de que a política de compras governamentais pode ser não apenas uma modalidade de política industrial, como também um instrumento de estímulo à inovação. Estes autores dão ênfase aos nexos entre a política de compras governamentais e as várias teorias da inovação, destacando as aquisições do setor público que contribuem para o desenvolvimento da interação usuário-fornecedor.
De acordo com Edquist e Hommem (1998), há duas modalidades de política de compras governamentais: a política de compras governamentais simples e a política de compras governamentais de cunho inovativo. A política de compras governamentais simples ocorre quando as autoridades públicas compram produtos simples e prontos (ready made products) como canetas ou papéis, ou seja, quando não ocorre atividade de P&D para o atendimento da demanda pública. Por outro lado, a política de compras governamentais de cunho inovativo (government technology procurement) é aquela na qual uma agência do governo encomenda um produto ou sistema que não existem no mercado. Um trabalho adicional ou o desenvolvimento de uma nova tecnologia é requerido para satisfazer a demanda do comprador. Segundo Edquist e Hommem, “Este é o tipo ideal de compras governamentais” (1998, p. 4).
Diferentemente do que é apregoado pela corrente econômica hegemônica, segundo a qual os mercados são considerados mecanismos efetivos para a articulação e a satisfação da maioria das necessidades econômicas ou demandas da sociedade, o ponto de partida para a aplicação de uma política de compras governamentais de cunho inovativo deve ser a satisfação de necessidades sócio-econômicas genuínas, as quais dificilmente poderiam ser garantidas pelo mercado. Logo, destaca-se a ineficiência de uma agenda de política de compras governamentais que coloca o mercado como principal ator para a promoção do desenvolvimento econômico, social e tecnológico de um país.
Assim, os produtos e sistemas que são desenvolvidos - e a mudança técnica que permite sua provisão - como resultado da política de compras governamentais de cunho inovativo, devem ser criados com o objetivo de solucionar problemas específicos, que o mercado, por si só, não daria conta (EDQUIST e HOMMEM, 1998).
Há numerosos exemplos históricos que corroboram a eficiência e a importância da política de compras governamentais, sobretudo no que diz respeito às compras governamentais de cunho inovativo. A Suécia, em particular, é um país que oferece muitos exemplos de colaborações entre o setor público e o setor privado, nas quais as encomendas governamentais demandaram esforço inovativo por parte do setor privado (EDQUIST e HOMMEM, 1998; FRINDLUND, 1997).
A respeito da política de compras governamentais de cunho inovativo, pode-se subdividi-la em três variantes, de acordo com o usuário final do produto ou sistema encomendado e com o papel desempenhado pelo setor público nessas aquisições, a saber: 1ª) Entidade governamental é o usuário final do produto ou sistema demandado; 2ª) Usuário final do bem ou serviço encomendado é a população, num contexto em que a entidade governamental atua de modo a maximizar os benefícios da população; 3ª) Produto ou sistema é destinado inicialmente ao setor público e, posteriormente, à população.
Na primeira modalidade o setor público - representado por uma empresa estatal, sociedade de economia mista, instituto público de pesquisa, autarquia, fundação etc. - encomenda um produto ou sistema para uso próprio. Aqui, a política de compras governamentais é um caso sui generis de relação usuário-fornecedor, na medida em que o usuário final é o próprio setor público, o qual apresenta um poder de compra de grande envergadura e, em alguns casos, competência tecnológica de fronteira.
Na segunda variante da política de compras governamentais de cunho inovativo, o setor público atua como catalisador, coordenador e fonte técnica para beneficiar os usuários finais, que nesse caso é a população de um país. Aqui, apesar de não ser o usuário final do produto ou sistema encomendado, o setor público define aos fornecedores um padrão tecnológico. As demandas dos consumidores são expostas ao setor público, que por sua vez as repassa às empresas fornecedoras. Logo, nessa variante, o Estado utiliza seu poder de regulamentação tomando como ponto de partida demandas e problemas da sociedade.
A terceira e última variante é caracterizada pelo uso dual de um produto, artefato ou equipamento, ou seja, algo que inicialmente fora desenvolvido em função de uma demanda do setor público, mas que com o tempo acaba tendo uma destinação comercial. Aqui, cabe destacar o caso da política de compras do Departamento de Defesa do Estados Unidos para os setores aeronáutico, de computadores, de software entre outros, da qual se extrai inúmeros exemplos de spin-offs, ou seja, de transferência ao mercado civil de tecnologias que originalmente foram concebidas para atender a uma demanda do setor militar[1].
Em resumo, a partir da análise da política de compras governamentais, depreende-se que a demanda do setor público de um país, dominado por objetivos sociais, econômicos, políticos, militares, entre outros, pode estimular ou retrair a inovação no seio do tecido produtivo local.
É importante frisar que o poder de compra do setor público pode ser benéfico à inovatividade das indústrias locais, na medida em que dissipa muita das incertezas e riscos concernentes à concepção de uma nova tecnologia ou sistema (GREGERSEN, 1992), assim como, pode criar oportunidades de desenvolvimento partilhado (EDQUIST e HOMMEM, 1998) e de aprendizagem interativa.
Antes de analisar se o poder de compra governamental está sendo utilizado como política para estimular a inovação no setor de software, que pode ser irradiada daí para outros setores dado seu caráter transversal na economia, a próxima seção examina a legislação brasileira para analisar se ela é permite e/ou estimula este papel.[1] De acordo com Furtado (2005, p. 2) “Essas transferências ocorrem tanto intra-setorialmente (nuclear militar para o civil, aviação militar para a civil, espacial militar para a civil) como intersetorialmente (espacial para telecomunicações, nuclear para medicina, militar para eletrônica)”.
* Centro de pesquisas Renato Archer, Campinas, Brasil. Email: alvesam@gmail.com
** Email: cassia@cnptia.embrapa.br
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***** Email: furtado@ige.unicamp.br
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