Vol. 40 (Nº 5) Ano 2019. Pág. 10
Sonimary Nunes ARRUDA 1; Marina Patrício de ARRUDA 2; Izabel Cristina Feijó de ANDRADE 3; Anne Carolina Rodrigues KLAAR 4
Recebido: 14/09/2018 • Aprovado: 20/12/2018 • Publicado 11/02/2019
RESUMO: Esse artigo tem por objetivo discutir as possibilidades de efetivação da Educação Permanente (EP) em hospitais. O estudo apoiou-se nas contribuições de autores sobre Educação Permanente, permitindo a problematização do entendimento dos gestores sobre o tema. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa realizada por meio de um estudo de caso em dois entre os três hospitais de um município de médio porte de Santa Catarina, sendo um público e um privado. Participaram da pesquisa três gestores e a interpretação dos resultados foi realizada por meio da análise de conteúdo. Concluímos provisoriamente que a compreensão conceitual e metodológica dos gestores ainda é frágil, o que pode adiar a implementação da EP. Nessa direção, observamos também que a ideia de interdisciplinaridade precisa ser mais discutida para que a articulação dos diferentes saberes possa ocorrer e produzir um novo conhecimento. Finalizamos o estudo acreditando que seja possível transformar as práticas de saúde nos hospitais que investigamos, mas a prática da educação permanente não pode ser vista apenas como ferramenta de organização do processo de trabalho em saúde, na medida em que a EP é por si só um dispositivo de mudança. |
ABSTRACT: This article aims to the possibilities of the implementation of Permanent Education (PE) in hospitals. The study was based on the contributions of authors on Permanent Education, which allowed the problematization of the managers' understanding of the theme. This was a qualitative study carried out by means of a case study in two of the three hospitals in a medium-sized municipality of Santa Catarina, being one public and one private. A total of three managers participated in the study, and the interpretation of the results was performed through content analysis. We tentatively conclude that conceptual and methodological understanding of managers is still fragile, which may delay the implementation of PE. In this direction, we also observe that the idea of interdisciplinarity needs to be more discussed so that articulation of different knowledge can occur and produce a new knowledge. We concluded the study believing that it is possible to transform health practices in the hospitals we investigate, but the practice of permanent education can not be seen only as a tool for organizing the health work process, the EP is in itself a device of change. |
A educação permanente em saúde pode ser compreendida como política e estratégia capaz de orientar e fortalecer as práticas nas organizações de saúde. Para isso, o envolvimento de gestores de saúde se torna fundamental (Nicolleto, Mendonça, Bueno, Brevilheri, Almeida, Rezende, et al., 2009). Entretanto, convém distinguir o que tem sido tratado como Educação Continuada (EC) e Educação Permanente (EP). A primeira é realizada em forma de cursos, capacitações e atualizações, de maneira verticalizada e a EP é vista como forma de aprendizagem no trabalho, ultrapassando barreiras hierárquicas, buscando a interdisciplinaridade, a constante troca de saberes e vivências entre os profissionais (Barth, Aires, Santos, Ramos, 2014).
Nesse sentido, preocupa-nos o entendimento dos gestores de saúde tendo em vista os encaminhamentos de práticas educativas capazes de expandir uma nova forma de pensar e fazer saúde da perspectiva da Educação Permanente em Saúde (EPS) cujo processo transformador possa ser construído com base na relação homem-mundo (Freire, 2012).
Foi em 2004 que o Ministério da Saúde instituiu por meio da Portaria nº 198/04 (Brasil, 2014) a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Brasil, 2007), propondo a constituição de espaços para o estabelecimento do diálogo permanente “na perspectiva de ampliação da qualidade da gestão, da qualidade e do aperfeiçoamento da atenção integral à saúde, do domínio popularizado do conceito ampliado de saúde e do fortalecimento do controle social no SUS (Sistema Único de Saúde)” (Brasil, 2014). Desse momento em diante, uma mudança começa a ser pensada dentro de um paradigma diferenciado para a área da saúde.
No entendimento de que a transição paradigmática se estabelece quando nos dispomos a pensar e refletir sobre o que está posto, deu-se início a um processo de desvendamento e construção de novas possibilidades. A EPS visa transformar o modelo de atenção e, por meio da promoção e da prevenção em saúde, favorecer uma atenção integral à saúde. Dessa forma, torna-se necessária a formação de um profissional crítico, criativo, com capacidade para “aprender a aprender”, e oferecer atendimento ético, humanizado contribuindo para a qualidade do atendimento (Sarreta, 2012). Ao considerarmos que nossa cultura privilegiou um paradigma fundado na lógica determinista e dual, podemos compreender o quanto esta simplificação limitou as soluções possíveis, resistindo por um longo tempo a adotar uma metodologia integradora capaz de permitir a construção de habilidades que facilitassem a coparticipação responsável no encaminhamento das orientações sobre atenção integral à saúde num movimento permanente e sistêmico (Arruda, 2012).
O trabalho em saúde nos faz refletir sobre ações repetitivas e mecânicas. Assim, investimos numa discussão que considera o ambiente hospitalar também como espaço para ensinar e aprender em face da necessidade de renovar as ações dos sujeitos que ali atuam, e que repercutem diretamente na prática diária dos modos de fazer saúde e nas relações que se estabelecem entre usuário e profissional e entre estes e os serviços (Pinheiro, Silva, Lopes, Silva. 2014). Direcionando o olhar para o contexto dos hospitais, identificamos que, no município de Lages, SC, a Educação Permanente (EP) já vinha ocorrendo nos serviços de saúde da atenção básica e se configurando como uma política em desenvolvimento tendo em vista os resultados da pesquisa realizada em 2012 que considerou o processo de Educação Permanente em curso em 26 Unidades Básicas de Saúde (Arruda, Kuhnen, 2015).
Nesse sentido, considerando o que já vem sendo construído no município, a presente pesquisa avança ao investigar o contexto de dois dos três hospitais na consolidação desta política.
A percepção dos gestores de saúde sobre a prática da EP pode favorecer a efetivação desta política no ambiente hospitalar na medida em que identifiquem a necessidade de novos modelos de gestão em saúde e de uma gestão integrada capaz de oferecer respostas condizentes e imediatas às demandas atuais (Brito, Melo, Monteiro, Costa, 2004). A EPS foi um dos eixos teóricos para problematizar o que ocorre em dois dos três hospitais do município acima citado, de modo a contribuir na discussão sobre as possibilidades de efetivação dessa estratégia para o ambiente hospitalar. Conhecer as possibilidades de implementação da educação permanente em hospitais se justifica por permitir um diagnóstico sobre a situação da educação no cotidiano de trabalho dos profissionais da saúde que ali se inserem.
Esse artigo tem como propósito discutir o entendimento dos gestores de saúde e as possibilidades de efetivação da Educação Permanente (EP) em hospitais públicos.
A metodologia utilizada para execução desta pesquisa se assenta nos pressupostos da pesquisa qualitativa. Tratou-se de um estudo de caso (Yin, 2015), método utilizado na compreensão dos motivos que levam à determinada situação. Os dados para o estudo de caso foram coletados junto a gestores de dois entre os três hospitais de um município de médio porte de Santa Catarina, sendo um público e um privado, considerando a importância e o alcance do atendimento destes à comunidade e região. A coleta de dados foi realizada ao longo do mês de janeiro de 2015, e para o alcance dos objetivos da pesquisa utilizou-se de entrevista semiestruturada registrada em áudio mediante autorização prévia dos sujeitos depois do preenchimento do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Participaram da pesquisa três gestores, os quais, para garantir a confidencialidade dos dados fornecidos, foram nomeados por letras aleatórias.
As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. O roteiro de entrevista foi constituído pelas seguintes perguntas: 1. Há alguma atividade relacionada à Educação Permanente sendo desenvolvida neste hospital? Qual?; 2. Você já vivenciou alguma experiência de EP? Qual? Onde?; 3. Como e com quem deveriam ser realizadas as reuniões de EP no ambiente hospitalar?; e 4. Qual a maior dificuldade para realização da EP na prática? A interpretação dos resultados foi realizada por meio da análise de conteúdo, que se desenvolveu nas fases de pré-análise (organização), exploração (classificação) e tratamento dos dados (interpretação)(12). Ao final dessa análise realizamos a inferência e a interpretação das entrevistas. Os pontos que se destacaram foram apresentados e discutidos na sequência.
Esse artigo integra uma dissertação de mestrado intitulada “A prática da educação permanente e a possibilidade de inserção no ambiente hospitalar a partir do olhar dos gestores da saúde”. Esse estudo seguiu os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Planalto Catarinense sob o parecer no 921.149 15/12/2014.
O hospital é um espaço de centralização hegemônica das ações onde os profissionais envolvidos, seja na gestão seja na assistência direta aos usuários dos serviços, nem sempre estabelecem uma interlocução efetiva entre suas ações. Destacamos que uma das grandes sobrecargas – talvez a maior – do processo gerencial do hospital contemporâneo é conseguir coordenar adequadamente este conjunto diversificado, especializado, fragmentado de atos cuidadores individuais que resulte em uma dada coordenação do cuidado (Bonfada, Cavalcante, Araújo, Guimarães, 2012).
No sentido de captar a implicação dos gestores com as práticas de atenção, gestão e educação em saúde, quatro perguntas foram formuladas para identificar estes aspectos. Na primeira procuramos nos informar sobre a existência de alguma atividade relacionada à EP, à qual os gestores responderam:
“O básico [...] estamos com uma proposta de resíduos da parte de lixo, que nós estamos tentando lembrar aos colegas, não digo ensinar, porque sai de formação, mas cabe a cada profissional”. (Gestor F).
“[...] a demanda solicitada para educação permanente vem da equipe. Anualmente a gente faz um cronograma, aberto também, que se precisar alterar a gente altera, [...]. E como acontece? Uma vez ao mês, nós damos preferência sempre no horário de serviço, até para ter maior participação, porque quando é fora de horário é muito difícil de participarem[...]”.(Gestor O).
Diante desses relatos, identificamos com maior clareza o fato de que os gestores hospitalares compreendem a educação permanente como capacitação formal de determinada temática, aproximando-se muito mais da prática de educação continuada. Como estratégia de capacitação ela atualiza conhecimentos que nem sempre são pertinentes aos problemas cotidianos dos serviços de saúde. Isso nos leva a pensar na necessidade de esse processo incluir ações e eventos que assegurem ao trabalhador o crescimento profissional e laboral que, articulados, possibilitem que o “desenvolvimento do trabalhador terá repercussão direta no seu engajamento institucional e na sua consciência de cidadania” (Brasil, 2005).
Por outro lado, reconhecemos que as práticas de educação continuada também são necessárias, uma vez que as tecnologias para o trabalho em saúde passam por um avanço acentuado, mas, desde que esses momentos de capacitação/cursos e ou aperfeiçoamentos oferecidos pelas instituições se pautem nas demandas sinalizadas pelos profissionais que atuam nestes serviços. Isso é previsto na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o SUS (NOB/RH/SUS), que definiu que a educação permanente na área da saúde deve levar em consideração: “[...] os conhecimentos técnicos e científicos por meio da educação profissional de nível básico, técnico e superior, com o objetivo de propiciar ao indivíduo o permanente desenvolvimento de aptidões, habilidades, competências específicas e posturas solidárias[...]” (Brasil,2004), tendo em vista a necessidade de se atenderem com qualidade os usuários.
Assim, a educação permanente como um processo contínuo de construção de conhecimento inclui processos de escolarização formal ou não formal, vivências, experiências laborais e emocionais desenvolvidas dentro ou fora das instituições de saúde. Compreende um processo de formação profissional articulado tendo “como objetivo melhorar e ampliar a capacidade laboral do trabalhador, em função de suas necessidades individuais, da equipe de trabalho e da instituição em que trabalha” (Brasil, 2004).
Morin (2013), ao destacar os sete saberes necessários à educação do futuro, dá destaque aos “princípios do conhecimento pertinente” que não são “[...] o conhecimento das informações ou dos dados isolados [...]” (Morin, 2013). Para que um processo educativo seja pertinente a determinado público é preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que estes façam sentido. “Para ter sentido, a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do contexto no qual se anuncia” (Morin, 2015). Mas para contextualizar e globalizar saberes é preciso levar em conta princípios que religam esses saberes e lhes dão sentido.
Buscando compreender a pertinência dos processos de EP, questionamos a experiência e vivências desses gestores, os quais relataram:
“Já vivenciei, dentro da secretaria de saúde [...] na qual eu entrei como fisioterapeuta e assumi como secretária por 8 anos e aí como coordenadora do colegiado que nós fizemos, é que nós tínhamos recursos através do CIES”. (Gestor F)
Para esse gestor a experiência foi exitosa, pois, segundo seu relato, na Gerência Regional de Saúde os encontros eram sistemáticos porque tinham “recursos carimbados da vigilância sanitária, vigilância epidemiológica da atenção básica”. E complementa: “porém eu vejo tudo isso como um pacote só [...]” (Gestor F).
Esse depoimento mostra a EP atrelada a recurso e metas institucionais, distante ainda da compreensão e reconheconhecimento dessa estratégia como significativa para a consolidação do SUS.
Outro gestor referiu-se à autorização da secretaria de saúde do município para fechar o atendimento ao público para a realização da EP como possibilidade de implementação do processo:
“[...]vivenciei na UBS, mas ainda muito pequena assim. Na época a gente não tinha essa liberdade de estar fechando, era feito assim em reuniões de equipe, não tinha muita demanda ainda da equipe, porque eles não sabiam muito bem o que era, era mais discussão de casos do que focado na educação. [...] de 2006 a 2009 a gente não tinha espaço e a unidade não era fechada, era quase impossível a gente estar fazendo, conseguir tirar a equipe pra se dedicar pra isso, e aqui no hospital a gente consegue um pouco mais, mas também a gente tem bastante fragilidade. “ (Gestor O).
Esse entrevistado destacou que a EP era um espaço ainda voltado ao atendimento de demandas da comunidade e que a discussão sobre os problemas cotidianos e trocas de experiência não se evidenciava. De certa forma, estes depoimentos também anunciam possibilidades para a EP, seja na articulação e atuação direta do gestor em um encontro efetivo de EP, seja na sinalização das dificuldades para a operacionalização do processo no hospital. De qualquer forma, vale refletir sobre as dificuldades iniciais “de enfrentamento criativo das situações de saúde; o trabalho em equipes matriciais; a melhoria permanente da qualidade do cuidado à saúde e a constituição de práticas tecnológicas, éticas e humanísticas” (Brasil, 2004).
Nesta perspectiva, destacamos que, diferentemente da noção programática de implementação de práticas previamente selecionadas e com um currículo dirigido ao treinamento de habilidades, a política de Educação Permanente em Saúde se abre à conversação entre diferentes atores. Entretanto, existem dificuldades de compreensão do conceito da educação permanente, o que acaba por repercutir nos serviços de saúde como um todo. E, nesse sentido, destacamos a importância de ações interdisciplinares, pois a educação permanente é uma ação que acontece em equipe (Brasil, 2004).
Procuramos ainda saber dos gestores quem deveria integrar o processo de EP no ambiente hospitalar, ao que eles responderam:
“[...]São vários profissionais pra esse envolvimento. Acho que a gente tem que ouvir todas as partes, desde a zeladoria da recepção até o médico [...]a gente tem que ouvir a todos e buscar um denominador comum que contemple. “(Gestor F)
“[...] dentro do hospital eu elencaria por serviço, por exemplo, serviço de enfermagem, quem são as pessoas? São as enfermeiras, gerente de enfermagem, técnicos de enfermagem, serviço de limpeza e lavanderia, copeiros, e atendimento ao paciente como equipe de recepção, as lideranças específicas dessas áreas. “(Gestor C)
Identificamos nestas falas posturas antagônicas destacadas pelos gestores para a realização da EP; de um lado, a ideia de interdisciplinaridade e, de outro, a de segmentação por serviço. A interação entre todos os participantes, a escuta das partes, a busca de resolução de problemas comuns identificados por um dos sujeitos são importantes pontos de discussão. Se a Educação Permanente em Saúde “[...] tem como noção estratégica a formação e desenvolvimento para o SUS que parte do pressuposto da aprendizagem significativa”(15), é necessário que ela faça sentido para os profissionais para que eles possam refletir e transformar suas práticas na rede de serviços, pois a “educação permanente é a realização do encontro entre o mundo de formação e o mundo de trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho” (Brasil, 2004).
Eis o desafio, encontrar um ponto de encontro entre o mundo de formação e o mundo de trabalho. A formação permite ações reflexivas entre os participantes da roda de EP, e dali outras tantas soluções poderão surgir. Pensando nos pressupostos da EP, aprofundamos o diálogo teórico acerca do que propõe a interdisciplinaridade para um encontro de EP.
A reforma do pensamento nos coloca em face da necessidade de superar o paradigma da fragmentação e de propor a valoração do todo e das partes. É preciso substituir o pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une (Morin, 2015). Os pressupostos da EP transitam a favor dessa relação na medida em que focalizam as características locais. Faz-se importante “[...] valorizar as capacidades instaladas, desenvolver as potencialidades existentes em cada realidade, estabelecer a aprendizagem significativa e a efetiva e criativa capacidade de crítica, bem como produzir sentidos de auto-análise e autogestão” (Ceccim, 2012).
Um aspecto relevante tem a ver com a compreensão pedagógica dos gestores em relação ao processo de EPS tendo em vista a abertura de espaço para EP no ambiente hospitalar para que esse processo aconteça. Talvez o que falte ainda a estas instituições seja o reconhecimento aprofundado dos fundamentos em que a EP se assenta. As reuniões de EP podem potencializar a troca de experiências, integrar ações, para que o coletivo possa se organizar e atender suas demandas de trabalho. Dessa forma, é preciso pensar na organização de um momento anterior à EP que seria o entendimento sobre o conceito de interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade, por incluir a integração disciplinas e profissionais, fortalece o caráter interativo e de impacto social e educacional pertinente (Fazenda, 2012).
Contrapondo esta dimensão interdisciplinar, encontramos na fala do entrevistado C aspectos importantes no sentido da operacionalização fragmentada dos momentos de construção de conhecimento, onde os sujeitos envolvidos para os momentos de EP se caracterizariam como indivíduos que constituem o mesmo grupo profissional dentro da instituição que comporta e necessita aprender a trabalhar com a diversidade. A lógica da divisão por profissão é contrária à proposta da Educação Permanente. Entretanto, salientamos que não cabe a esta produção científica estipular méritos ou deméritos aos posicionamentos e concepções dos gestores, mas sim fazer análise de suas falas à luz de um aporte teórico-científico que nos permita refletir sobre os pressupostos da EP. E nesse sentido, percebemos que a área da saúde se caracteriza por uma tendenciosa pretensa hegemonia por parte dos grupos que a constituem no que diz respeito aos modos de fazer saúde criando resistências à mudança.
No intuito de fazer com que esse estudo possa proporcionar aos gestores reflexões sobre concepções muito importantes para a gestão do SUS, questionamos sobre a maior dificuldade para realização da EP no cotidiano profissional. O Gestor F deu destaque à “[...] resistência dos profissionais aos horários [...] existe uma resistência à mudança que nós estamos trabalhando para isso, existe um certo desânimo, sabe, e eu tenho trabalhado em todas as reuniões mensais do colegiado [...].”
Esse entrevistado destacou a importância das reuniões sistemáticas e do trabalho em equipe, ressaltando o valor desta última como um grupo de pessoas com habilidades complementares envolvidadas num objetivo comum, quando afirma que “a gente não sabe o dia de amanhã, e você passa mais tempo aqui do que em casa, né, então vamos buscar isso, me mostrem os caminhos, eu não sei fazer sozinha, ‘uma andorinha não faz verão’.”(Gestor F).
Esse fragmento de depoimento mostra o esforço e a reflexão desse gestor na construção de caminhos para a EP. Sem nos esquecermos de que, em tal proposta, o espaço hospitalar compreende o atendimento de média e alta complexidade que visam à necessidade de reabilitação do usuário. Entretanto, essa lógica que destaca o papel básico do hospital ignora os desafios que aqui estão sendo levantados. Na perspectiva do SUS, cabe também ao hospital inaugurar espaços para a discussão de práticas que reorientam o pensar/fazer saúde, de modo especial a dicotomia cura/prevenção. Esse desafio tem estreita relação com a operacionalização da integralidade nessa instituição de saúde (Bonfada, Cavalcante, Araújo, Guimarães, 2012), onde os caminhos ainda devem ser construídos.
Por sua vez, o “Gestor O” deu destaque à importância de se motivar a equipe para as reuniões de EP e considerou o seguinte:
“Aí a gente tem bastante dificuldade e aí trazer pessoas de fora eventualmente a gente faz, mas é muito mais difícil, então acho que realmente é disponibilização de horário pro funcionário preparar e estudar [...]. “ (Gestor O)
O gestor C cita a dificuldade orçamentária, ao dizer que, “[...] na prática, a maior dificuldade que nós temos é capacitação dos ministrantes, então como nós somos um hospital que atendemos quase que 85 % SUS nosso fôlego orçamentário é pequeno[...]”. Esse Gestor parece entender EP como um processo de educação continuada no qual as palestras e cursos de capacitação são impostos aos profissionais de saúde, pois afirma que “[...]então não são todos os momentos que a gente tem condições de trazer para dentro da instituição uma consultoria, um palestrante um ministrante pra discutir os assuntos que são necessários [...]. “ (Gestor C)
Observamos nos relatos acima alguns empecilhos à realização da EP como a falta de horário para a EP, a falta de disposição, de qualificação e a falta de verba para trazer palestrantes para o momento. Esse último depoimento mostra confusão entre educação permanente e educação continuada (EC), cujos momentos são antagônicos e complementares. A educação permanente pode ser considerada como estratégia de renovação da prática por meio da reflexão e da relação de troca. Já a EC pode ser vista como espaço para a retomada de conteúdos, conceitos importantes para a retroalimentação da prática profissiona (Bonfada, Cavalcante, Araújo, Guimarães, 2012). Para tanto, essa proposta precisa ser tomada como recurso estratégico para a gestão do trabalho em saúde. E quando assumida como estratégia de aprendizagem coletiva por meio de trocas e reflexões críticas sobre a prática, pode produzir mudanças no pensar e no agir das equipes de saúde (Garanhani, MitieKikuchi, Garcia, Ribeiro, 2014).
Enfim, promover mudanças nas práticas de saúde é sem dúvida um desafio para gestores que em um exercício constante de ação-reflexão-ação possam oportunizar aos profissionais da saúde momentos de construção coletiva para melhoria de suas práticas. Transformar o modelo de atenção em saúde tendo como norte a integralidade inclui considerar o sujeito em sua totalidade, compreendê-lo em seus contextos social, político, histórico e cultural (Neves, Pereira, Alves, Gomes, Bachion, Souza, 2014).
Acreditamos que a Educação Permanente seja uma ferramenta possível, factível e capaz de mudar e renovar as práticas e os serviços de saúde. Destarte esta possibilidade de efetivação está centrada nos processos de gestão em saúde, entretanto a gestão de saúde é realizada pelos gestores fundamentando-se no entendimento que têm sobre educação permanente. Com base na análise e discussão dos depoimentos dos gestores identificamos desafios e dilemas a serem resolvidos dentro dos hospitais para que as práticas de assistências oferecidas aos usuários possam seguir no caminho da transformação.
Percebemos que a trajetória construída e sustentada pelas percepções dos gestores mostra que a EP já se insinua como prática transformadora para a saúde, mas só um trabalho sistemático e contínuo consolidará o desenvolvimento do trabalho em equipe, produzindo e transformando saberes e práticas. Por outro lado, a compreensão conceitual e metodológica sobre Educação Permanente ainda é incipiente nas esferas de gestão, o que adia ainda mais essa realização. Nessa direção, observamos também que a ideia de interdisciplinaridade precisa ser mais discutida para que a articulação dos diferentes saberes possa ocorrer e produzir um novo conhecimento. E esse movimento pode ser observado na troca de experiência, na interação entre os profissionais, na escuta das partes, na busca de resolução de problemas comuns já identificados nos depoimentos que colhemos para esse estudo. Assim, finalizamos acreditando que seja possível transformar as práticas de saúde por meio da Educação Permanente nos hospitais que investigamos. Isso também é evidenciado em estudos que apontam a gestão como espaço para organização dessa proposta que exige a desconstrução da prática educacional sem sentido e descontextualizada. A proposta de educação permanente indica a necessidade de implementação de diretrizes que, para se efetivarem na prática, dependem dos atores e gestores envolvidos na organização e na dinâmica do trabalho em saúde tendo em vista a importância de reuniões sistemáticas, do trabalho em equipe rumo a um objetivo comum e do respeito pelos saberes disciplinares que tecem o campo da interdisciplinaridade onde brotam ideias inovadoras. Por fim, a prática da educação permanente não pode ser vista apenas como ferramenta de organização do processo de trabalho em saúde, com a realização de capacitações ou ações educacionais pontuais. Entretanto, cabe também aos hospitais a inauguração de espaços para a discussão de práticas que discutam a dicotomia cura/prevenção para então operacionalizarem a integralidade como princípio do SUS nessa instituição de saúde onde os caminhos ainda estão sendo construídos. A EP é por si só um dispositivo para mediar mudanças que, ao permitir um processo reflexivo sobre e pelo trabalho, abre possibilidade de educação para a vida profissional.
O estudo aqui apresentado também tem suas limitações na medida em que discute os relatos de apenas três gestores, porque considerou apenas dois hospitais desse município, deixando de fora outras organizações de saúde. No entanto, em face das reflexões apresentadas esperamos contribuir com o debate sobre a importância da Educação Permanente para os ambientes hospitalares implicando a formação de uma nova cultura de desenvolvimento profissional e de gestão.
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1. Mestre em Educação (UNIPLAC). Especialista em Saúde da Família, Especialista em Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva. Enfermeira. Coordenadora do Curso de Enfermagem UNIPLAC. E-mail: sonimary.n.a@gmail.com
2. Doutora em Serviço Social (PUCRS/2003), pós-doutorado em Educação (PUCRS/2012). Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Saúde e Qualidade de Vida GEPESVIDA (UNIPLAC), integra o Grupo de Pesquisa em Ambiente e Saúde (UNIPLAC). Coordenadora do PPGE/UNIPLAC. E-mail: E-mail: profmarininh@gmail.com
3. Doutora em Educação (PUCRS), Bolsista pós-doutorado Capes e Professora Colaboradora da UNIPLAC. E-mail: andrade@technologist.com
4. Mestre em Educação (UNIPLAC). Professora SENAI. E-mail: carolklaar@gmail.com