Vol. 38 (Nº 34) Año 2017. Pág. 31
GOEDERT, Matheus L. 1; PAULA FILHO, Pedro L. 2; BLANCO, Daniel R. 3
Recibido: 20/02/2017 • Aprobado: 24/03/2017
RESUMO: A computação natural é o ramo da Ciência da Computação que se difundiu rapidamente, estando cada vez mais presente em nossas vidas. Está embasada na aplicação de conceitos e metodologias computacionais em questionamentos inerentes ao âmbito de Ciências Naturais. Sua característica transdisciplinar a confere infinitas possibilidades de aplicações, principalmente na resolução de problemas complexos. Neste contexto, se insere a computação bioinspirada, que busca inspiração na natureza para desenvolver sistemas computacionais que vêm quebrando paradigmas frente às soluções consideradas tradicionais. |
ABSTRACT: Natural computing is the branch of Computer Science that has spread rapidly and is increasingly present in our lives. It is based on the application of concepts and computational methodologies in questions inherent to the scope of Natural Sciences. Its transdisciplinary characteristic confers infinite possibilities of applications, mainly in the resolution of complex problems. In this context, bio-inspired computing is inserted, seeking inspiration in nature to develop computational systems that have been breaking paradigms from solutions considered traditional. |
A ciência da computação revolucionou as demais áreas do conhecimento, impactando positivamente em nossas vidas como um todo. A capacidade de processamento de informações de maneira rápida e automática proporcionou infinitas soluções e descobertas: desde o sequenciamento do genoma de diversas espécies até a previsão do tempo. Avanços desta natureza tornaram a computação onipresente e cada vez mais indispensável em nossas vidas (DE CASTRO et al., 2011).
É impossível não notar o grande aumento na quantidade e variedade de dispositivos computacionais presentes em nosso cotidiano: desktop, laptop, dispositivos móveis, entre outros. É difícil dizer se este aumento é diretamente proporcional às suas aplicações, ou vice-versa, pois vivemos um momento de aplicativos, redes sociais, check-ins, compartilhamento de dados, informação e controle em tempo real e tantas outras aplicações, presentes diretamente, e indiretamente, em nosso cotidiano.
Diante disso, aliado à transdisciplinaridade emergente, surge à necessidade de reorganizar a ciência da computação, uma ciência relativamente recente, em pleno e constante desenvolvimento. Neste contexto, surge o conceito de Computação Natural, como sendo uma ciência voltada para a investigação e síntese do processamento da informação em sistemas naturais e computacionais (DE CASTRO et al., 2011).
Partindo da premissa de que a computação pode ser definida como todo e qualquer tipo de processamento de informação, não somente por meio de cálculos realizados por dispositivos, pode-se dizer que a natureza também realiza computação. Pode-se citar como exemplo o processamento de informações pelo cérebro, no sistema imunológico e evolução por seleção natural. Sendo assim, analisar organismos biológicos e comportamentos naturais como sistemas de processamento de informação é uma parte da compreensão do universo como um todo (CRNKOVIC, 2010; MACLENNAN, 2004).
Atualmente o processamento de dados mostra-se fundamental nas diferentes áreas do conhecimento, principalmente para a Biologia e a Física. Isto ocorre não somente pelo uso das ferramentas computacionais em si, mas também pela utilização dos princípios e forma de pensar da Ciência da Computação (ROZENBERG et al., 2012).
A sociedade testemunha um momento memorável da ciência frente ao grande volume de interações entre a Ciência da Computação e as Ciências Naturais. A Computação Natural pode ser considerada a ponte para esta interação bidirecional: se por um lado as Ciências Naturais absorvem rapidamente noções técnicas e metodológicas inerentes à computação, de outro, a computação vêm expandido seus horizontes e técnicas tradicionais, baseando-se na natureza, seja para sintetizá-la ou ainda para desenvolver novas tecnologias e algoritmos (ROZENBERG et al., 2012).
Para MacLennan (2004), “a Computação Natural é a computação que ocorre na natureza ou inspirada na natureza” e segundo Crnkovic (2010), a própria vida em um nível fundamental pode ser vista como um processo de computação, onde o hardware é o software ao mesmo tempo.
A Computação Natural, como o próprio nome sugere, é elo entre as Ciências Naturais e a Ciência da Computação. Refere-se a todo e qualquer sistema computacional desenvolvido com inspiração ou utilização de algum mecanismo natural ou biológico no processamento de informação. Pode ser vista como uma versão computacional dos processos de análise e síntese da natureza para o desenvolvimento de sistemas “artificiais”, ou ainda como a utilização de meios e mecanismos naturais para realizar computação (DE CASTRO; VON ZUBEN, 2005; DE CASTRO et al., 2004; ROZENBERG et al.,2012).
As pesquisas em Computação Natural são genuinamente interdisciplinares, permeando as diferentes metodologias de pesquisa, desde as puramente teóricas, como o desenvolvimento de algoritmos e softwares, até às pesquisas experimentais, como as realizadas em laboratórios de Biologia, Química e Física (ROZENBERG et al.,2012).
A Computação Natural tem rendido bons resultados para a ciência, indústria e comércio, pois o desenvolvimento de novas tecnologias, inspiradas em fenômenos naturais e organismos biológicos complexos, permite explorar novos horizontes e criar produtos inovadores. Os métodos inspirados na natureza não são simples “abordagens alternativas”, romperam barreiras de realizações anteriores em diferentes esferas do conhecimento, bem como das capacidades da computação “clássica”. Em alguns casos, os sistemas inspirados na natureza vêm sendo utilizados como um indicador, ou critério de desempate, aliado a modelos matemáticos e estatísticos (CORNE, et al. 2010).
Vale salientar que a computação natural mostra-se mais relevante a medida que suas aplicações são mais semelhantes aos sistemas naturais, como por exemplo sistemas de controle em tempo real, robôs autônomos e sistemas inteligentes distribuídos em geral (CRNKOVIC, 2010; MACLENNAN, 2012).
Neste sentido, Corne et al. (2010) cita a cooperação entre organismos que sugeriu novas ideias para a engenharia de controle e automação, além das redes formadas por simples unidades de processamento biológico altamente conectadas, que apresentam capacidade de aprendizado e adaptação, inspirando o desenvolvimento de sistemas computacionais capazes de assimilar padrões complexos e melhorar suas habilidades ao longo do tempo.
Segundo de Castro (2006), a computação natural pode ser dividida em três subáreas: computação inspirada na natureza; estudos sobre a natureza através da computação; e computação com mecanismos naturais; sendo que a primeira será melhor explorada nas próximas seções do presente trabalho.
Apesar de terem um surgimento recente, estes campos de pesquisa já existiam de uma forma desconectada e dispersa. Contudo, em meados dos anos 2000 foi que a Computação Natural tornou-se mais consistente e ganhou o status de disciplina, principalmente com o lançamento do primeiro volume da revista Natural Computing (2002) e do livro didático Fundamentals of Natural Computing publicado por de Castro (2006) (DE CASTRO et al., 2011).
Esta nova disciplina, primariamente multidisciplinar, adotou conceitos das Ciências Maturais e da informática, incorporando várias propostas interdisciplinares disponíveis, tornando-se uma ciência interdisciplinar. A Ciência da Computação não explica diretamente os fenômenos naturais, mas fomenta a compreensão da computação na natureza. A Computação Natural é, em sua essência, uma ciência natural, e de um ponto de vista holístico pode ser considerada transdisciplinar. Esta abordagem preconiza a unidade das diferentes disciplinas, inserindo-as em um contexto que as transcende (DE CASTRO et al., 2011).
O esquema apresentado na Figura 1 facilita a compreensão desta evolução nas formas de abordagens e classificação da Computação Natural (círculo central), a partir do surgimento da disciplina, relacionando-a com as diversas áreas do conhecimento representadas pelos círculos vazios.
Figura 1 – Relação entre as várias áreas do conhecimento e a computação natural e sua
evolução nas distintas abordagens: (a) multidisciplinar; (b) interdisciplinar; (c) transdisciplinar
Fonte: Adaptado de De Castro et al. (2011).
A Computação Inspirada na natureza, também denominada de bio-inspirada, é considerada a mais antiga das subáreas da computação natural e talvez a mais popular. Inclui todas as estratégias inspiradas ou desenvolvidas a partir de algum mecanismo biológico ou natural (DE CASTRO; VON ZUBEN, 2005; DE CASTRO et al., 2004).
Surgiu com a ideia inicial de modelar sistemas e processos naturais para reproduzir quantitativamente e/ou qualitativamente alguns de seus funcionamentos. Adicionalmente envolve o estudo de fenômenos e processos biológicos, além de modelos teóricos, para o desenvolvimento de sistemas computacionais e algoritmos capazes de resolver problemas complexos, até então não solucionados (DE CASTRO; VON ZUBEN, 2005).
Considerando este contexto, diversas ferramentas vêm sendo desenvolvidas, tais como: Redes Neurais Artificiais (RNA), Algoritmos Evolutivos e Autômatos Celulares, consideradas “clássicas” segundo Kari e Rozenberg (2008); e mais recentemente a Inteligência Coletiva, Sistemas Imunológicos Artificiais, dentre outros.
O cérebro é considerado um computador altamente complexo, que tem a capacidade de arranjar seus componentes estruturais, denominados neurônios, para realizar o processamento de informações de forma extremamente rápida, através de ligações sinápticas. A exemplo disso pode-se citar o sistema de visão humana, capaz de reconhecer padrões (como um rosto familiar em uma cena desconhecida) em aproximadamente 100-200 ms, enquanto que um computador convencional pode levar dias para realizar tarefas bem menos complexas (HAYKIN, 2009).
Frente ao exposto, cientistas e pesquisadores passaram a buscar uma forma de replicar a maneira de processar informações do cérebro humano, sendo que o primeiro modelo de neurônio artificial foi proposto por McCulloch e Pitts em 1943. Ocasionalmente esta pesquisa deu origem ao campo da computação neural.
Tal fato culminou no que chamamos de computação neural que, por sua vez, originou duas vertentes: primeiramente, a realização de pesquisas com o intuito de compreender o funcionamento do cérebro humano, inseridas atualmente nas neurociências; e após isso, a utilização dessas teorias a fim de promover avanços computacionais, resultando na disciplina de informática conhecida como Redes Neurais Artificiais (RNA’s) (KARI; ROZENBERG, 2008).
As RNA’s consistem na interligação maciça de células computacionais simples, denominadas unidades de processamento (Figura 2), análogas aos neurônios, podendo esta mesma denominação. Podem ser vistas como máquinas adaptativas que, assim como no cérebro, apresentam capacidade de adquirir conhecimento com base em experiências e utilizá-lo. O conhecimento é armazenado graças às forças de conexão entre os neurônios, conhecidas como forças sinápticas, que traçam o caminho da informação dentro da rede. O processo de aprendizagem ocorre por meio da mudança ordenada dos pesos sinápticos da rede até que se atinja o objetivo desejado (HAYKIN, 2009).
Figura 2 - Representação de um neurônio artificial baseado no modelo de McCulloch e Pitts
Fonte: Adaptado de Haykin (2009).
De acordo com a Figura 2, o neurônio artificial, similarmente ao natural, recebe os sinais de entrada (inputs) gerando um sinal de saída (output), que por sua vez pode ser utilizado como sinal de saída da rede ou ainda como sinal de entrada para outros neurônios. Quando as entradas “x” são apresentadas ao neurônio são multiplicadas pelos pesos sinápticos “w”, gerando entradas ponderadas que representam a intensidade de cada sinal. O somatório destes produtos é representado por “v”, sendo este valor normalizado pela função de ativação, com a finalidade de restringir a amplitude de saída aos valores limites da rede, geralmente [0; 1] ou [-1; 1]. Pode ser utilizado ainda um valor fixo em uma das entradas, denominado bias, com o intuito de garantir valores diferentes de 0 na saída e consequentemente a não anulação do neurônio na rede (LUDWING JUNIOR; COSTA, 2007).
Percebe-se que nos últimos anos houve um grande aumento nas publicações e pesquisas utilizando RNA’s, nas mais diversas áreas do conhecimento, sobretudo nas ciências ambientais/florestais e hidrologia, com estudos envolvendo a medição de níveis de ozônio na atmosfera (BIANCOFIORE et al., 2015), modelos de escoamento de água da chuva (SHOAIB et al. 2014; WU; CHAU, 2011), previsão de condições climáticas (YACEF, 2012), radares de chuvas e catástrofes como tufões (CHEN et al., 2011) e inundações (ARAGHINEJAD et al., 2011), predição da temperatura (DEWEBBER; WAGNER, 2014) e níveis de nitrogênio (HE et al., 2011) em rios e córregos, além da contaminação de águas subterrâneas (CHO et al. 2011), identificação de tipologias florestais (GONÇALVES et al., 2016) e madeiras (OLIVEIRA et al, 2015; PAULA FILHO et al., 2011) e predição da altura de árvores (ÖZÇELIK et al, 2013).
As RNA’s são aplicadas ainda na medicina, predizendo o comportamento de partes do corpo humano em diferentes situações (AL-JUMAILY; CHEN, 2012; FAVRE et al., 2012), a evolução de epidemias (GHOSH; GUHA, 2011) e riscos à saúde causados pela qualidade da água (JIANG et al., 2013). Na Biologia, em mapeamento de habitats ideais (LEE et al., 2013), análise da estrutura de comunidades microbianas (SANTOS et al., 2014), análise de valores genéticos em animais (VENTURA et al, 2012), identificação de cromossomos humanos (GAGULA-PALALIC; CAN, 2014), dentre outros.
Além das aplicações supracitadas, pode-se destacar ainda a otimização de processos (VADOOD et al, 2010; MARQUES et al, 2014), a predição da produtividade de culturas (PAPPU et al., 2013) e sua identificação por imagens de satélite (SAMMOUDA et al., 2014), avaliação da extração de compostos fármacos em plantas (XI et al., 2013) e óleo em vegetais (SILVA et al., 2014). E por fim a utilização nas engenharias, como na previsão da demanda de energia elétrica (GEEM, 2011), dentre várias outras aplicações.
Os sistemas evolutivos artificiais baseiam-se na teoria da evolução biológica para desenvolver sistemas computacionais que são empregados em tarefas de busca e otimização. Algoritmos desta natureza operam em uma população de indivíduos distribuídos no espaço de busca, que são avaliados a cada passo evolutivo em que são originadas novas gerações de indivíduos a partir de uma mutação parental (reprodução assexual) ou da recombinação gênica de pares ou subconjunto parentais (reprodução sexual) (DE CASTRO et al, 2004; KARI; ROZENBERG, 2008).
Os progenitores são selecionados por meio de operadores de inspiração genética que consideram algum critério de aptidão, reproduzindo o princípio biológico da seleção de parceiros. Em um segundo momento, os indivíduos da geração F2 (netos) são gerados a partir do conjunto de filhos recém-criados (geração F1), podendo incluir parentes de gerações anteriores, analogamente ao processo de seleção natural (KARI; ROZENBERG, 2008).
Dentro deste modelo, destacam-se os Algoritmos Genéticos (AG) que tomam por base a mutação nos cromossomos, cujas unidades funcionais são os genes. A computação natural toma emprestado este conceito e considera os indivíduos analisados como sendo genes de um cromossomo, ou seja, vários indivíduos constituem um cromossomo, que por sua vez representa uma solução para o problema analisado. Dois exemplos de AG são apresentados na Figura 3, em que cada indivíduo (gene) é representado no formato de bitstrings (DE CASTRO, 2007).
Figura 3 – (a) Crossover de ponto único para um par de cromossomos
de 8 bits; (b) Mutações pontuais para um cromossomo de 8 bits
Fonte: Adaptado de De Castro (2007).
A utilização de algoritmos evolutivos, especialmente os AG, tem rendido bons resultados em problemas de difícil resolução. Mesmo em situações em que as técnicas convencionais funcionam bem, esta metodologia tem promovido melhorias (BEASLEY et al., 1993). Por isso vêm sendo cada vez mais utilizados, assim como as demais áreas da computação natural, nas mais diversificadas áreas do conhecimento.
Os algoritmos evolutivos são muito utilizados nas engenharias, determinando modelos ótimos de consumo de energia (VIJAYARAGHAVAN et al., 2015), análise de falhas em linhas de transmissão (USIDA et al., 2006), otimização de campos eletromagnéticos (DI BARBA et al., 2016), estimativa da velocidade do vento em usinas eólicas (CARRO-CALVO et al., 2011), projeto de estruturas metálicas (KARABELIOV et al., 2015; KOCIECKI; ADELI, 2015) e análise do comportamento de materiais (SHAHIN; ELCHALAKANI, 2014).
São utilizados ainda para determinar trajetórias ótimas de navios (SZLAPCZYNSKI; SZLAPCZYNSKA, 2012), análise de movimento de alvos subaquáticos (INCE et al., 2009), localização de robôs móveis (KWOK et al., 2006), reconhecimento de pessoas pelo andar (SHARMA et al., 2016), otimização de estruturas químicas (SARKAR; BHATTACHARYYA, 2015), descoberta de anti-inflamatórios (SMALL et al., 2011), diagnósticos médicos (TAN et al., 2003), determinação de estratégias de relacionamento com clientes (KRISHNA; RAVI, 2016), dentre outras aplicações.
A inteligência coletiva possui duas linhas de pesquisa: algoritmos baseados em comportamentos sócio-cognitivos humanos, eficazes na realização de buscas em espaços contínuos; e estudos inspirados no comportamento social de animais como em cardumes de peixes e bando de pássaros, mas sobretudo em colônias de insetos como formigas, abelhas, cupins e vespas. Esta pesquisa abordará apenas a segunda linha de pesquisa, frente a sua larga utilização na resolução de problemas como os de otimização combinatória, agrupamento de dados (clustering), robótica coletiva, dentre outros (SERAPIÃO, 2009; DE CASTRO et al., 2004).
De acordo com Serapião (2009), a inteligência coletiva ou ainda inteligência de enxames, refere-se a “um conjunto de técnicas baseadas no comportamento coletivo de sistemas auto-organizados, distribuídos, autônomos, flexíveis e dinâmicos”. Estes sistemas são compostos por agentes de capacidades individuais limitadas, que percebem e realizam mudanças em seu ambiente de maneira local. Contudo, a capacidade de comunicação entre seus congêneres confere ao sistema um comportamento coletivo inteligente, mesmo que não exista uma função centralizada regendo o comportamento dos agentes. Esse processo conduz a população (partículas) em direção à obtenção de uma solução ótima.
Para facilitar a compreensão, vale citar o exemplo das formigas, que deixam trilhas de uma substância denominada feromônio para que as próximas possam encontrar o alimento mais rapidamente, cada formiga percorre e reforça a trilha liberando mais feromônio. No cenário computacional, os agentes são posicionados em um grafo (Figura 4), movimentando-se pelos seus nós até que a condição de parada seja satisfeita, análoga à descoberta do alimento. O caminho percorrido é analisado pelo sistema e de acordo com sua qualidade feromônio artificial é depositado como reforço positivo, privilegiando o melhor caminho. Com o intuito de evitar a saturação de feromônio na trilha, o algoritmo conta com um reforço negativo, equivalente à evaporação da substância, atenuando trilhas menos interessantes (COLORNI et al., 1991; DORIGO et al., 1991).
Figura 4 – Representação da capacidade das formigas em encontrar o menor caminho:
(a) ponte inicialmente fechada; (b) distribuição inicial das formigas; (c) distribuição ao logo do tempo.
Fonte: Adaptado de De Castro (2007).
Este modelo de algoritmos pode ser aplicado em sistemas de inteligência artificial em jogos de vídeo game (RECIO et al., 2012), trajetórias para robôs (IOANNIDIS et al., 2011), programação de operação (TAVARES NETO; GODINHO FILHO, 2013) e redução de custos em termoelétricas (SILVA JUNIOR et al., 2012), otimização no roteamento (YANG et al., 2014) e identificação de infecções de vírus (HILKER, SCHOMMER, 2008) em redes de computadores, reconhecimento de padrões (RAMOS; ALMEIDA, 2006), segmentação de imagens de tomografia (HUANG et al., 2008), estimativas filogenéticas (CATANZARO et al., 2007), dentre outras.
Outro método muito popular inserido nesta classificação é a otimização por enxame de partículas, comumente chamado de PSO, do inglês particle swarm optimization. Criado em 1995 por Kennedy e Eberhart, este modelo baseia-se na movimentação coletiva de indivíduos (partículas) em uma determinada população (nuvem), análogo ao que ocorre em bandos de pássaros e cardumes de peixes.
Segundo Serapião (2009), aves e peixes ajustam sua trajetória a fim de evitar predadores, procurar alimentos e parceiros e otimizar fatores ambientais como temperatura. Neste sentido, Bell e Oommen (2015) comentam que, para isso ocorra, os indivíduos utilizam seu próprio conhecimento (cognitivo) adquirido em experiências passadas, e ainda influenciam uns aos outros (social) por meio da comunicação. Este comportamento sociocognitivo confere inteligência coletiva ao grupo, sendo este o fundamento do modelo computacional. Kennedy et al. (2001) explicam este processo utilizando três princípios:
1. Avaliar, que refere-se à capacidade dos indivíduos assimilarem e avaliarem o meio ambiente, distinguindo o que é bom do que é ruim, para tomarem a ação que julgarem correta e com base no resultado promover seu aprendizado e evolução ao longo do tempo;
2. Comparar, baseado na teoria da comparação social de Festinger (1954), que descreve o processo de autoavaliação dos indivíduos que utilizam o desempenho superior de outros como parâmetro de comparação para seu aprimoramento;
3. Imitar, relacionado com o comportamento de copiar ações de seus vizinhos, sendo uma maneira eficaz no desenvolvimento de novas habilidades.
A PSO vem sendo utilizada em problemas de otimização de diversas áreas do conhecimento, podendo ser combinada a outros modelos computacionais. Como exemplo de sua aplicação pode-se citar seu uso na medicina, auxiliando na realização de cirurgias oftalmológicas (SOUZA et al., 2013) e exames de pele (RAMIREZ et al., 2015). Nas engenharias, otimizando sistemas elétricos (LOPEZ et al., 2016), dissipadores de calor (CRUZ-DUARTE et al., 2015; HINOJOSA et al., 2012), processos de corte (KUO; CHENG, 2014), detecção de falhas em estruturas (TEBALDI et al., 2006) e distribuição de turbinas em parques eólicos (RAMIREZ et al. 2016). É muito utilizada na otimização de sistemas produtivos como linhas de montagens (NEARCHOU, 2011), células de produção (LEÓN et al., 2013), análises financeiras (ILHA; CAMPOS, 2014), roteirização de veículos (GALVÁN et al., 2013) e da colheita mecanizada (SETHANAN; NEUNGMATCHA, 2016). Além de várias outras aplicações como a otimização da largura de banda em antenas (WAKRIM et al., 2016), estimativa da qualidade da água em rios (KNAPIC et al., 2016), alocação do uso da terra (LIU et al., 2013), processamento digital de imagens (MOALLEM; RAZMJOOY, 2012), dentre outras.
Outro sistema biológico que inspirou o desenvolvimento de ferramentas computacionais é o sistema imunológico dos vertebrados, responsável por proteger o organismo contra doenças. O sistema imunológico pode ser dividido em dois: o sistema imune inato, que nasce com o ser vivo e atua como uma primeira linha de defesa, identificando patógenos e acionando outros mecanismos de defesa, além de sinalizar a eliminação do agente invasor; e o sistema imunológico adaptativo, que está relacionado a imunidade adquirida após o contato com o agente patógeno, e que apresenta a capacidade de adaptação, criando e evoluindo padrões moleculares de defesa contra a atual infecção ou outras futuras de mesma natureza (DASGUPTA, 1998; DE CASTRO; VON ZUBEN, 1999).
O sistema imunológico adaptativo é capaz de identificar patógenos inéditos ao sistema inato, além de aprimorar e memorizar padrões de defesa para quando for necessário novamente, sendo estas as principais capacidades exploradas em sistemas imunológicos artificiais (SIA). Dentre as várias teorias que explicam os processos que ocorrem no sistema, De Castro (2007), destaca três como sendo as mais importantes do ponto de vista dos SIA’s, sendo elas:
1. Princípio da distinção entre próprio e não próprio, ou seleção negativa, relacionado à capacidade de discernir o que faz parte do sistema daquilo que não faz;
2. Teoria da seleção clonal, que explica o processo de multiplicação e aprimoramento das células imunitárias produtoras de anticorpos, que são submetidas a constantes mutações ao longo do período de infecção, melhorando cada vez mais a resposta do sistema aos patógenos;
3. Teoria da rede imunológica, que sugere que o sistema imunológico pode ser considerado uma rede de células e moléculas que interagem entre si e com o meio ambiente, mesmo na ausência de agentes patógenos. Este comportamento dinâmico é o que confere memória ao sistema, haja vista que, a memória não se encontra na célula, mas sim no padrão de interação entre os elementos da rede. Além disso, favorece o aperfeiçoamento do reconhecimento do que é próprio (Teoria 1).
Assim como os demais algoritmos bioinspirados os SIA's também são utilizados em diferentes aplicações, tais como: na otimização de circuitos de transmissão de energia elétrica (LIMA et al., 2014; ALONSO et al., 2015); no diagnóstico de doenças do coração (LATIFOGLU et al., 2007) e reumatológicas (NEWBALL, 2007); na detecção de fraudes em cartões de crédito (HALVAIEE; AKBARI, 2014; WONG et al., 2012); na programação de processos produtivos (job shop) (WECKMAN et al., 2012); no processamento digital de imagens, através da detecção de círculos (CUEVAS et al., 2012); e na computação forense (YANG et al., 2007).
Embasando-se nas informações supracitadas, percebe-se que a Computação Natural apesar de ser considerada uma disciplina jovem do ponto de vista científico, está cada vez mais presente em nosso cotidiano, seja em eletroeletrônicos inteligentes e interativos, aplicativos, jogos virtuais, cinema e televisão, ou ainda na Medicina, Biologia, Engenharia e Computação de maneira geral. A Computação Natural não é apenas uma área promissora, mas sim uma ciência que tem rendido produtos e aplicações que impactam diretamente em nossas vidas.
Esta crescente utilização dos conceitos da computação natural pode ser atribuída primordialmente ao avanço da tecnologia e consequente aumento da capacidade de processamento e armazenagem de dados, bem como à inviabilidade no uso de técnicas tradicionais, mas principalmente, à sua característica transdisciplinar, que permite sua aplicação nas mais diversas áreas do conhecimento. Entretanto, apesar de estar em plena expansão, vários autores destacam que esta área da ciência ainda está longe de atingir seu potencial máximo.
Neste contexto, estão inseridos os sistemas inspirados na natureza que quebraram paradigmas frente às soluções tecnológicas consideradas convencionais, as quais seguem um conjunto estrito de regras, e por isso, muitas vezes não apresentam resultados satisfatórios na resolução de problemas complexos. Tal fato, aliado às infinitas possibilidades de aplicações dos sistemas bioinspirados, faz com que estes sistemas venham ganhando cada vez mais espaço, seja na solução de problemas inéditos, ou ainda, no aprimoramento ou substituição de modelos tradicionais.
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1. Engenheiro de Produção, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Computacionais para o Agronegócio da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). matgoedert@gmail.com
2. Bacharel e Doutor em Informática, Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Computacionais para o Agronegócio da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). plpf2004@gmail.com
3. Biólogo, Doutor em Genética Evolutiva e Biologia Molecular, Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Computacionais para o Agronegócio da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). danielrblanco@utfpr.edu.br