Vol. 38 (Nº 29) Año 2017. Pág. 9
Raquel BREITENBACH 1; Graziela CORAZZA 2
Recibido: 10/01/2017 • Aprobado: 02/02/2017
RESUMO: A continuidade dos estabelecimentos familiares no agronegócio brasileiro depende dos processos de sucessão familiar. A presente pesquisa objetivou analisar as perspectivas de permanência dos jovens no meio rural de Alto Alegre/RS. O público alvo foi jovens de 15 a 17 anos filhos de agricultores familiares. Os dados foram obtidos com aplicação de questionário, analisados pelo programa estatístico PSPP. Observou-se maior interesse masculino em permanecer no campo, enquanto as moças identificam dificuldades no trabalho. A análise multivariada apontou como condicionantes da saída do meio rural: penosidade e dificuldade do trabalho agrícola, ambiente incerto, não participação em atividades gerenciais e agrícolas. |
ABSTRACT: The continuity of family establishments in Brazilian agribusiness depends on family succession processes. The present research aimed to analyze the prospects of permanence of young people in rural Alto Alegre / RS. The target audience was 15 to 17 year-old children of family farmers. The data were obtained with questionnaire application, analyzed by the statistical program PSPP. There was a greater male interest in staying in the field, while girls identified difficulties at work. The multivariate analysis pointed out as determinants of the exit from the rural environment: hardship and difficulty of agricultural work, uncertain environment, non participation in managerial and agricultural activities. |
A representatividade e importância que a agricultura familiar exerce para o desenvolvimento rural brasileiro diz respeito não somente a responsabilidade de produzir parte dos alimentos de subsistência, mas também pela geração de empregos, preservação do meio ambiente e relações sociais (Abramovay, 2003). Este setor produtivo é reconhecido historicamente como sendo uma categoria social diferenciada no país, a qual possui diversidade econômica e heterogeneidade social (Schneider & Cassol, 2014).
Contudo, a agricultura familiar das distintas regiões tem em comum as dificuldades enfrentadas para estabelecer um sucessor nas propriedades rurais e os preocupantes índices de esvaziamento do meio rural, os quais se relacionam com a crescente masculinização do campo e com o envelhecimento da população rural. Como causas, preliminarmente apontam-se as maiores possibilidades de escolarização encontradas pelos jovens, a crescente integração campo-cidade, a insatisfação com o ganho obtido com a agricultura, e a imagem negativa e de penosidade do trabalho agrícola (Mendonça, Ribeiro, & Galizoni, 2008).
Porém, salienta-se que o futuro dos estabelecimentos rurais familiares depende do interesse dos jovens/sucessores em permanecer na unidade produtiva (Carneiro, 2001). Ao contrário dessa necessidade, o que vem chamando atenção no interior do Brasil é a dificuldade que os pequenos municípios, com população essencialmente agropecuária, têm para incentivar, manter e gerar oportunidades do jovem rural permanecer no campo (Borlan, 2016). Isso é evidenciado com números indicando o decréscimo da população rural (IBGE, 2010). No município de Alto Alegre – RS, especificamente, se registra uma população total de 1.848 habitantes, 59,8% residem no meio rural. Porém, no período de uma década (2000 – 2010), houve a redução de 282 habitantes no município sendo que, da zona rural, saíram 313 habitantes (IBGE, 2000; IBGE, 2010; FEE, 2010).
Com o passar dos anos, predomina a tendência de diminuir a idade com que ocorre o fluxo migratório de jovens do meio rural para o urbano (Camarano & Abramovay, 1998). Brumer (2007) afirma que, se intensificaram nos últimos 15 anos o número de estudos sobre a juventude, a qual, segundo a atual Política Nacional da Juventude (PNJ), considera-se aquele com idade entre 15 e 29 anos (Brasil, 2005).
Os principais motivos para a emigração rural são atrativos da vida urbana, principalmente as opções de profissionalização e trabalho remunerado; bem como os fatores de expulsão, como as dificuldades da vida no meio rural e da atividade agrícola como um todo (Brumer, 2007). Por outro lado, as perspectivas são positivas quanto à continuidade dos jovens nas propriedades rurais quando os mesmos encontram propriedades bem capitalizadas, com renda satisfatória e boas condições de trabalho e gestão. Além disto, o acesso a terra, educação e lazer, a autonomia que o jovem pode encontrar dentro da propriedade, o crédito e as políticas públicas de incentivo, juntamente com o estímulo recebido de instituições de fomento técnico e extensão rural para a formação e instalação como agricultor, são aspectos que tendem a ser favoráveis ao sucesso perante o processo de sucessão na agricultura familiar (Spanevello & Lago, 2007).
Diante disto, o objetivo deste trabalho foi analisar a perspectiva que os jovens filhos de agricultores familiares do município de Alto Alegre – RS têm em permanecer no meio rural. Especificamente, objetivou-se identificar os fatores que motivam ou desestimulam sua permanência no campo; identificar a diferença existente nas perspectivas de permanência no campo e motivações entre as jovens moças e os jovens rapazes rurais; e identificar se existe incentivo dos pais para permanência dos filhos na agricultura.
A presente pesquisa caracteriza-se como qualitativa e quantitativa, por realizar o levantamento quantitativo, bem como buscou elementos qualitativos para discutir e explicar resultados encontrados. Além disso, teve como metodologia o Estudo de Caso, uma vez que se objetivou examinar especificamente a perspectiva que os jovens rurais de Alto Alegre/RS têm perante a sucessão rural e permanência no campo.
Para a pesquisa quantitativa obteve-se dados quantificados, que foram analisados através de técnicas estatísticas (Ramos, Ramos, & Busnello, 2003). A pesquisa qualitativa, por sua vez, não se traduz em números, mas sim, obtém interpretações de uma análise indutiva (Ramos e outros, 2003), como se buscou contemplar na presente pesquisa. Portanto, pesquisas quantitativas e qualitativas têm como base de seu delineamento questões ou problemas específicos, ambas utilizando-se de questionários e entrevistas (Boente & Braga, 2004).
Como destacado, o caso estudado nesse trabalho foi os jovens rurais do município de Alto Alegre, localizado no noroeste do Rio Grande do Sul. A base da economia municipal provém da agricultura, realizada majoritariamente em propriedades familiares que, além de atividades de subsistência, comercializam um volume expressivo de soja e trigo. Em atividades de base animal, muitas das propriedades trabalham com a atividade leiteira, além da suinocultura que, em alguns casos, se volta para a comercialização (IBGE, 2010).
Conforme dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010, o município vem passando pela problemática de evasão do campo, situação que impulsionou a presente pesquisa a investigar os interesses sobre os jovens que ainda residem e estudam no município em permanecer no meio rural.
Desde 1940, há uma tendência de o jovem rural deixar o campo, saindo, na maioria das vezes, para uma cidade próxima (Castro, Lima, Sarmento, & Vieira, 2013). Além disso, no passar dos anos ocorreu uma modificação no perfil do fluxo migratório rural: nos anos de 1950 o grupo etário responsável pela maior taxa de migração era de 30 a 39 anos, em 1990 predominava a saída de jovens rapazes de 20 a 24 anos e moças de 15 a 19 anos, com a tendência de, cada vez mais, jovens com idade inferior a 20 anos saírem do meio rural (Camarano & Abramovay, 1998).
Considerando isso, a base de dados para a pesquisa foi adquirida através de um questionário com perguntas abertas e fechadas aplicadas para a população jovem com idades entre 15 e 17 anos, filhos de agricultores familiares que residem e estudam no município de Alto Alegre – RS.
Para a realização da amostra obteve-se as listas de matriculados no ensino médio em 2015 da Escola Estadual de Educação Básica Barão Homem de Melo, única escola do munícipio que recebe jovens do meio rural com essa idade. A partir daí, observou-se o cadastro das famílias de agricultores familiares através do Sistema de Registro de Planejamento da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater (2016) do município, possibilitando cruzar os dados e encontrar um total de 30 jovens que se enquadravam nos quesitos desejados para a pesquisa: jovens filhos de agricultores familiares em idade de 15 a 17 anos.
Para obtenção dos dados empíricos, foi aplicado um questionário para a totalidade dos jovens mapeados (30 jovens). O questionário foi dividido em sete blocos de perguntas: quanto ao perfil do jovem; características da propriedade onde está inserido; estudo e sucessão rural; interesse em permanecer no meio rural; gestão, trabalho e sucessão rural; incentivo para os jovens e sucessão rural; e motivos para a permanência ou não no meio rural.
O método de pesquisa a partir de questionário pode ser resumido em três passos: (1) coleta e quantificação de dados; (2) dados coletados postos em um banco de dados; (3) análise após a coleta para confirmar uma teoria de comportamento social (Babbie, 1999), procedimentos estes que foram seguidos na presente pesquisa. Para construção do banco de dados com as informações obtidas a partir do questionário e posterior análises estatísticas (passos 2 e 3) utilizou-se o programa estatístico PSPP. O Software PSPP analisa estatisticamente dados coletados sobre as pessoas em forma de questionário, permitindo gerar análises univariadas e multivariadas, relatórios tabulados e gráficos, sendo muito aplicado nas Ciências Sociais (Fonseca & Farias, 2011).
A presente seção apresenta os resultados da pesquisa empírica realizada com jovens rurais do município de Alto Alegre. Destaca-se que foram realizadas análises univariadas e multivariadas. No segundo caso, o foco principal foi diferenciar os aspectos relacionados ao gênero e estabelecer os condicionantes com maior interferência nas decisões dos jovens entre ficar e sair do campo, sendo estes objetivos específicos da pesquisa.
Como resultados, obteve-se um panorama das perspectivas migratórias do rural para o urbano dos jovens de 15 a 17 anos de Alto Alegre/RS. Participaram da pesquisa 30 jovens, sendo 17 moças e 13 rapazes.
Constatou-se que 17 (56,67%) estão inseridos em propriedades com tamanho de até 20 hectares (ha), o que representa pouco mais de um módulo fiscal municipal, que corresponde a 18 ha (INCRA, 2013); 6 (20%) jovens pertencem a propriedades de 21 a 40 ha; 2 (6,67%) de 41 a 60 ha e 5 (16,67%) de 61 a 80 ha. No que se refere as atividades agrícolas comerciais desenvolvidas nas propriedades em que os jovens estão inseridos, percebe-se uma diversidade, embora a soja apresenta-se como a principal, seguida pelo trigo, bovinocultura leiteira e milho.
Acerca do núcleo familiar, destaca-se que 25 jovens (83,33%) pertencem à famílias compostas de 2 ou 3 filhos, 4 (13,33%) à famílias com apenas um filho, e 1 (3,33%) jovem à família com 4 filhos. Além disso, dos 26 jovens que têm irmãos, 12 (46,15%) não possuem irmãos residindo no estabelecimento dos pais, pois estão estudando ou já constituíram outra família. Se observado o número de filhos nas famílias dos jovens estudados, em contraste com a geração dos pais, constata-se que predominavam famílias numerosas, enquanto os jovens de hoje pertencem a famílias cada vez menores e com maiores oportunidades de estudo. Os filhos que migram para estudar raramente voltam para a propriedade e acabam representando uma desvantagem econômica para a família (Prediger, 2009; Carneiro, 1998; Gomes, 2004).
Levando em consideração que o envolvimento dos jovens em questões importantes na propriedade, como na gestão e nas atividades operacionais agropecuárias, pode ser um condicionante para a permanência dos mesmos no campo, os jovens em estudo foram questionados sobre sua participação no gerenciamento da propriedade dos pais. Os resultados apontaram que 66,7% participam desses aspectos e 33,3% afirmaram não fazer parte deste processo.
Na especificidade gênero, constatou-se diferença entre meninos e meninas, já que 92,3% dos meninos e 47,1% das meninas participam do gerenciamento. Confrontando com a teoria, é possível destacar que estudos anteriores constataram que mais da metade dos rapazes e pouco menos da metade das moças afirmam estar ligados ao gerenciamento da propriedade e processos de decisões (Ferrari, Abramovay, Silvestro, Mello, & Testa, 2004).
Acerca da participação nas atividades agrícolas da propriedade, 26,7% dos jovens (41,2% das meninas e 7,7% dos meninos) alegaram nunca participar. Percebe-se que as meninas, além de menor inserção no gerenciamento da propriedade, também participam menos das atividades operacionais agrícolas. A participação e socialização sobre o processo de sucessão gerencial da propriedade, iniciada na infância, são consideradas importantes ao passo que o sucesso na transferência de patrimônio e sucessão depende dos arranjos construídos ao longo da vida dos agricultores, se caracterizando por um aprendizado essencialmente prático (Spanevello, 2008; Brumer & Anjos, 2008).
O jovem rural tem sido visto como uma categoria responsável pela reprodução social na agricultura familiar (Silva, 2012), porém a presente pesquisa constatou que 30% dos jovens pretendem permanecer na propriedade após o Ensino Médio e 90% objetiva ingressar na faculdade. Além disto, as meninas possuem menos interesse em permanecer no meio rural, tanto após o Ensino Médio, quanto após a faculdade, sendo que apenas duas (11,72%) das 17 manifestaram interesse em voltar ao meio rural.
Carneiro (2001), em pesquisa com filhos de agricultores, revela esta baixa perspectiva de permanência no campo por parte das filhas e a alta perspectiva destas, e também dos filhos, em seguir carreira universitária, revelando uma crise sucessória por parte dos filhos e em maior grau das filhas. Referente a isso, na Tabela 1 observam-se aspectos relativos ao interesse dos jovens em seguir como gestores ou sucessores na propriedade rural familiar e, a partir da análise multivariada, identificaram-se tais aspectos perante a diferença de gênero.
Tabela 1. Interesse dos jovens de 15 a 17 anos acerca de aspectos relacionados a
permanecer nas unidades de produção familiares no município de Alto Alegre/RS.
Variáveis |
Ser gestor (%) |
Ser sucessor (%) |
Migrar para urbano¹ (%) |
||||||
Total |
Fem. |
Mas. |
Total |
Fem. |
Mas. |
Total |
Fem. |
Mas. |
|
Sim |
43,3 |
23,6 |
69,2 |
50 |
35,4 |
69,2 |
36,6 |
47,1 |
23,1 |
Não sabe/ Não definiu |
23,3 |
23,5 |
23,1 |
6,7 |
0,0 |
15,4 |
20 |
17,7 |
23,1 |
Não |
33,3 |
53 |
7,7 |
43,4 |
64,7 |
15,4 |
43,4 |
35,4 |
53,9 |
Total |
100 |
100 |
100 |
100 |
100 |
100 |
100 |
100 |
100 |
¹Interesse em ir morar ou trabalhar no meio urbano após o ensino médio.
É possível observar maior interesse dos jovens rapazes tanto em ser gestor quanto sucessor da unidade produtiva que estão inseridos. Este fato pode estar associado a um reflexo da educação e do saber-fazer que são transmitidos principalmente ao filho homem, com intuito deste assumir, no futuro, a responsabilidade sobre a produção (Brumer & Anjos, 2008; Brumer, 2007; Gazolla & Schneider, 2007). Além disso, o fato de permanecer ou voltar para o meio rural não significa para o jovem derrota ou fracasso, podendo ser o resultado de escolhas motivadas pelo desejo de morar com a família, perto de amigos e parentes, compartilhando os mesmos códigos e valores, ter acesso a bens materiais e simbólicos que, no passado, eram disponíveis somente nas cidades (DIEESE, 2014).
Quando se trata do interesse dos jovens como um todo em buscar emprego e morar na cidade, as respostas ficaram divididas. Porém, a análise multivariada demonstrou que 47,1% das mulheres e 23,1% dos rapazes querem migrar para o meio urbano. De um modo geral, as jovens meninas investem em estudos e buscam maior inserção social e profissional urbana, especialmente a partir do aumento da oferta de empregos na cidade e da valorização do estudo (Brumer & Anjos, 2008; Carneiro, 2001; Carneiro, 2007). Além disso, o interesse das moças pela agricultura é geralmente aquém do interesse dos rapazes (Ferrari e outros, 2004).
De acordo com Gazolla & Schneider (2007), influenciados pela educação transmitida de pai para filho, os jovens que estão em contato direto com os pais, são também mais influenciados por estes em suas decisões. Portanto, a Figura 1 apresenta os resultados da pesquisa referente ao incentivo dos pais para cursar faculdade e permanecer no meio rural. Percebe-se que o incentivo dos pais para a profissionalização em nível superior é dado para a maioria dos jovens (90%).
Alguns fatores atuam como exigências para a escolarização e profissionalização na agricultura, dentre eles destaca-se a introdução de tecnologias nas etapas de produção, as transformações dos processos produtivos, mecanização, novas necessidades da sociedade/consumidores, a globalização e a industrialização. A existência de tais fatores acaba fazendo com que o passado dos pais seja inadequado para orientar o futuro dos filhos e a busca de conhecimento enquanto formação acadêmica passa a ser fundamental (Ferrari e outros, 2004; Alves, 2013; DIEESE, 2014).
Figura 1. Incentivo dos pais aos jovens de 15 a 17 anos de Ato
Alegre/RS em cursar faculdade e em permanecer no meio rural.
Em contra partida, o que se pôde perceber é a baixa influência dos pais para os filhos permanecerem na propriedade, já que 70% afirmaram não incentivar os filhos a permanecer no campo. Neste sentido, Abramovay, Silvestro, Mello, Dorigon, & Baldissera (2001) constataram, em pesquisa no Oeste Catarinense, que apenas 48% dos agricultores estimulam seus filhos para a continuidade das atividades agrícolas, ou seja, no presente estudo o incentivo foi ainda inferior. Portanto, o agricultor, em geral, não está conseguindo influenciar seus filhos na continuidade da atividade rural dentro da propriedade, contribuindo para o êxodo rural (Faccin & Schimidt, 2013).
Tendo como base os fatores previamente apontados pela literatura como possíveis de contribuir para a migração do jovem rural para o meio urbano ou para sua permanência no campo, os jovens de Alto Alegre foram interrogados acerca de suas perspectivas e opiniões, como pode ser visualizado na Tabela 2.
Tabela 2. Aspectos que interferem na opção do jovem estudado em permanecer ou não no campo.
Variáveis |
Interfere (%) |
Interfere medianamente (%) |
Não interfere (%) |
|
Motivos para sair do campo |
Trabalho penoso e difícil |
63,3 |
23,3 |
13,3 |
Incertezas e as dificuldades |
60 |
30 |
10 |
|
Algumas gerações da família na mesma terra |
46,7 |
23,3 |
30 |
|
Falta de momentos de lazer |
20 |
36,7 |
43,4 |
|
Demora no processo de sucessão |
16,7 |
53,3 |
30 |
|
Motivos para ficar no campo |
Alimentação e moradia barata |
53,4 |
33,3 |
13,3 |
Incentivo financeiro |
36,7 |
36,7 |
26,7 |
|
Programas políticos, cooperativas e órgãos privados |
36,7 |
20 |
43,3 |
|
Trabalho bem valorizado |
26,7 |
43,3 |
30 |
Dentre os aspectos analisados que motivam os jovens desta pesquisa a sair da propriedade familiar, dificultando o processo de reprodução social da agricultura familiar de Alto Alegre, se destacam: a) trabalho na agricultura ser penoso e difícil, apontado por 63,3% dos jovens. Sendo que a análise multivariada aponta que esse fator é motivo significativo mais para as moças, sendo para 70,6% delas, do que para os rapazes, sendo para 53,8% destes; b) as incertezas e dificuldades enfrentadas de maneira geral pelos agricultores, apontado por 60% dos jovens, sendo esse fator mais significativo para os homens (61,5%) do que para as moças (58,8%).
Relacionam-se a esses condicionantes de saída dos jovens do campo, o fato do trabalho no meio rural, de modo geral, ser rigoroso em termos de mão de obra, dependência do clima, algumas vezes prejudicial à saúde; bem como são notórias as oscilações de preço e possibilidades de baixa renda, muitas vezes encontradas na agricultura familiar (Ferrari e outros, 2004; Brumer & Anjos, 2008; Castro e outros, 2013). Além disso, destaca-se a falta de momentos de lazer e a dificuldade para ter acesso a terra através da demora no processo de sucessão (Castro e outros, 2013; Carvalho, Santos, Júnior, & Ferrer. 2009; Prediger, 2009).
Por outro lado, os motivos que influenciam o jovem a ficar no meio rural são: a) a possibilidade de alimentação e moradias com custo mais acessível no campo, apontada por 53,4% dos jovens analisados, 70,6% das moças e 30,8% dos rapazes. Esse fator é considerado uma das razões mais importantes para permanecer no campo (Castro & otros, 2013); b) incentivo financeiro, bem como o incentivo de órgãos cooperativos, órgãos privados ou públicos possui interferência positiva para 36,7% dos jovens; c) quando questionados sobre a valorização do trabalho agrícola pela sociedade, apenas 26,7% dos jovens, 17,6% das moças e 38,5% dos rapazes, apontam este fator como condicionante para ficar no meio rural.
Nesse sentido, os meios de comunicação podem ser uma ferramenta no processo de reconhecimento e valorização da realidade do trabalho e dos produtores agrícolas pela a sociedade (Lopes, 2011). O trabalho do campo nem sempre é valorizado, muitas vezes visto como sinônimo de atraso. Porém, como também apontam os dados desse trabalho, existe a necessidade latente da sociedade brasileira reconhecer a importância do homem rural e de seu trabalho em desenvolver atividades produtivas no campo (Menezes, 2008).
Objetivando identificar quantitativamente os condicionantes que influenciam diretamente na permanência ou não dos jovens no meio rural, realizou-se análise multivariada que cruzou a variável “permanecerá na propriedade após o EM” com as variáveis/condicionantes: “ser o sucessor”; “trabalho penoso e difícil”; “incertezas e dificuldades do meio rural”; “gerações na mesma terra”; “incentivo financeiro”; “incentivo de programas políticos”; “falta de momentos de lazer”; “demora no processo de sucessão”; “alimentação e moradia baratas”; “trabalho bem valorizado”; “participação na tomada de decisão”; “participação no gerenciamento”; “participação nas atividades agrícolas e/ou operacionais da atividade”.
Como resultados destaca-se que os condicionantes que influenciam significativamente na saída dos referidos jovens do meio rural são: 1- trabalho rural e atividades agropecuárias consideradas penosas e difíceis; 2- incertezas e dificuldades do trabalho e das atividades agrícolas que dificultam o planejamento e facilitam oscilação de rendimentos; 3- não participar, enquanto membros da família e integrantes da empresa rural, da gestão na propriedade rural; 4- e não participar, enquanto membros da família e integrantes da empresa rural, das atividades agrícolas/operacionais da propriedade. Além disto, os jovens que optaram por sair do campo não são sensíveis às políticas públicas nem ao fato da alimentação e moradia serem baratas no campo.
Destacando os principais aspectos que distinguem o posicionamento dos jovens meninos comparativamente às jovens meninas rurais do município de Alto Alegre, no que se refere a opção de ficar ou sair do meio rural, apresenta-se a Tabela 3.
Tabela 3. Aspectos que interferem na opção do jovem e da jovem de
15 a 17 anos de Alto Alegre/RS em permanecer ou não na propriedade.
Variáveis |
Sim (%) |
Não decidiu/ Medianamente (%) |
Não (%) |
|||
Fem. |
Mas. |
Fem. |
Mas. |
Fem. |
Mas. |
|
Participa no gerenciamento da propriedade |
47,1 |
92,3 |
0,0 |
0,0 |
52,9 |
7,7 |
Permanecerá na propriedade após EM |
11,8 |
53,9 |
11,8 |
15,4 |
76,5 |
30,8 |
Fazer faculdade e voltar ao meio rural |
11,8 |
46,2 |
23,5 |
7,7 |
64,7 |
23,1 |
Participação nas tomadas de decisões |
5,9 |
46,2 |
52,9 |
30,8 |
41,2 |
23,1 |
Ajuda os pais nas atividades agrícolas |
29,4 |
69,2 |
29,4 |
23,1 |
41,2 |
7,7 |
Trabalho penoso e difícil |
70,6 |
53,8 |
23,5 |
23,1 |
5,9 |
23,1 |
Alimentação e moradia baratas |
70,6 |
30,8 |
17,7 |
53,9 |
11,8 |
15,4 |
Trabalho agrícola bem valorizado |
17,6 |
38,5 |
58,8 |
23,1 |
23,5 |
38,5 |
Observa-se a reduzida participação das meninas nas questões relacionadas à propriedade, dentre elas: a tomada de decisões; as atividades agrícolas e o gerenciamento. Estes aspectos se relacionam ao menor entusiasmo e perspectiva destas em continuar como gestoras ou sucessoras na unidade de produção, optando pelo estudo, emprego e moradia no meio urbano. Muitas vezes as mulheres não são reconhecidas pelo trabalho que realizam no meio rural, nestes casos essa atividade acaba não lhes trazendo realização pessoal (Carneiro, 2007). Por consequência, as atividades que os rapazes exercem, bem como sua participação no processo gerencial, são decisivas e os motiva a permanecer na agricultura e exercer a atividade.
Pode-se perceber ainda, que na opinião dos rapazes o trabalho agrícola é mais valorizado, bem como o interesse destes em permanecer no campo é maior. Considerando esses aspectos, apresentam-se menções feitas pelos próprios jovens quanto aos temas de valorização do trabalho no campo e aspectos condicionantes para permanência ou não no meio rural.
Observa-se que os jovens elencaram mais fatores como dificultando a valorização do trabalho agrícola, do que facilitando. A maior parte dos jovens acredita que o trabalho no campo é valorizado através do reconhecimento da importância dos alimentos, porém consideram a falta de conhecimento sobre a realidade rural como um fator que dificulta esse reconhecimento.
Os jovens reconhecem ainda aspectos positivos relacionados ao campo, dentre os quais se destacam: a qualidade de vida e a possibilidade de menores gastos, que influenciam para a possibilidade de permanência. Por outro lado, dentre os fatores citados como motivadores para sair do campo, se sobressai: a diversidade de oportunidades encontradas na cidade, tornando-se um atrativo para os jovens e uma expectativa de vida no meio urbano que muitas vezes é utópica.
Conclui-se que a construção gradual do processo de sucessão, em suma, se deve pela participação e influência dos pais, bem como pelo interesse e afinidade dos filhos para com o negócio, o trabalho e a propriedade como um todo. Além disso, a presente pesquisa concluiu que:
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1. Possui Bacharelado em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (2005), Licenciatura em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial pela Universidade Federal de Santa Maria (2011), Mestrado (2008) e Doutorado (2012) na linha de pesquisa em Dinâmicas Econômicas e Organizacionais na Agricultura pelo Programa de Pós Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria. É integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Economia Agroindustrial (NEPEA) e do Grupo de Estudos Referentes ao Agronegócio (GERAR). Atualmente é professora do Instituto Federal do Rio Grande do Sul na área de Gestão Rural, Agronegócio, Políticas Agrícolas, Gestão do Agronegócio. Email: raquel.breitenbach@sertao.ifrs.edu.br
2. Agrônoma pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) - Campus Sertão, e Auxiliar de Laboratório no Centro de Biotecnologia na Agricultura (CebtecAGRO). Durante a graduação atuou como estagiária no Laboratório de Ciências Biológicas e Ambientais do IFRS – Campus Sertão. Foi bolsista (Fapergs) de iniciação científica em projeto de pesquisa e membro do Grupo de Estudos Relacionados ao Agronegócio (GERAR).