ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 29) Año 2017. Pág. 3

SER MULHER: uma análise da imagem corporal entre adolescentes

BEING A WOMAN: an analysis of body image among adolescents

Muranna Silva LOPES 1; Renata Caroline Pereira REIS Mendes 2; Sandra Maria Nascimento SOUSA 3

Recibido: 09/01/2017 • Aprobado: 28/01/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Entendendo o gênero

3. Estética: Uma padronização da imagem corporal?

4. Apresentação da análise

5. Análise e discussão dos resultados

6. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Este artigo propõe uma análise acerca dos aspectos socioculturais da aparência individual, no tocante à expressão das identidades presentes na concepção da imagem corporal de 12 adolescentes do gênero feminino de uma escola do Leste Maranhense. Assim, numa proposta de análise dos discursos expressos por meio da aparência e das representações, foi realizado um estudo de caso de natureza qualitativa, caracterizado como descritivo e exploratório. Buscando compreender a materialidade do gênero em suas várias posicionalidades, como espaço de marcador social das diferenças – gênero/sexualidade dentre outras categorias – com as quais estética, aparência e corporalidade se articulam nessas diversas caraterísticas, sobretudo, no espaço escolar.
Palavras-chave: Imagem corporal. Gênero. Identidade. Adolescência.

ABSTRACT:

This article proposes an analysis about the sociocultural aspects of the individual appearance, regarding the expression of the identities present in the body image conception of 12 adolescents of the feminine gender of a school in the East of Maranhão. Thus, in a proposal of analysis of speeches expressed through appearance and representations, a qualitative case study was carried out, characterized as descriptive and exploratory. Seeking to understand the materiality of the genre in its various positions, as a space of social marker of differences - gender / sexuality among other categories - with which aesthetics, appearance and corporality are articulated in these diverse characteristics, especially in the school space.
Keywords: Body image. Genre. Identity. Adolescence.

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1. Introdução

Atualmente, tem-se observado uma grande preocupação, por parte das mulheres e dos homens, a respeito da estética corporal. De modo que o presente estudo ocupou-se em conhecer e analisar as representações sociais do ponto de vista feminino, a partir da observação direta de 12 adolescentes das séries finais Ensino Fundamental, de uma escola pública municipal, localizada no município de São Bernardo, no estado do Maranhão.

Pretende-se perceber como é profunda a relação entre imagem corporal, corpo, identidade corporal, cultura, estímulos e a contextualização de tudo isso no tempo e no espaço, bem como evidenciar que a imagem corporal é vivência humana, individual e dinâmica. Afinal, numa sociedade onde a cultura influencia e muito no que titulam de corpo perfeito, homens e, principalmente, mulheres estão sujeitos à preocupação quanto às questões estéticas do corpo, no que diz respeito, por exemplo, à forma, tamanho, aparência da pele e do cabelo, tônus muscular.

Ora, as pessoas passam a ser guiadas por padrões já pré-estabelecidos e, por vezes, não resta espaço para aqueles que não se enquadram em tais exigências. Originando um conflito entre natureza e cultura, que não se dá apenas em termos individuais, como um trabalho psicológico solitário. Haja vista que a busca pela identidade pessoal é a encarnação de todo um complexo sistema de relações sociais presentes antes mesmo da existência do sujeito no mundo.

Nesse viés, o interesse pela pesquisa vem do propósito de estudar a estética, a imagem corporal e suas implicações e ainda a maneira com que as adolescentes do sexo feminino se posicionam em relação aos padrões de beleza atual, considerando a sua própria aparência em relação a determinados padrões seguidos ou exigidos, estabelecendo um nexo com as relações de gênero no espaço escolar.

Através da reflexão teórico-prática, acerca das relações entre estética e aparência, questiona-se de que maneira o pertencimento identitário, através das relações de gênero e sexualidade, são anunciados na aparência, se não seria esta mesma um elemento marcador social e se tais características podem ser dissociadas da aparência. Buscando assim compreender como a construção da aparência, elabora-se em intersecção com os marcadores sociais da diferença, interrogando como se estabelecem esses padrões de estética de aparência individual envolvendo gênero e sexualidade na escola e se seria este um fator de disparidade, discriminação ou até mesmo exclusão social.

Diante disso, torna-se possível interpretar as técnicas e discursos que compõem a elaboração da aparência, compreendendo a construção da exterioridade como processo criativo individual, análogo aos processos que relacionam gênero e sexualidade, como uma esfera sociocultural, pensamento político e aparência, desterritorializando e expandindo as fronteiras da existência e dos “Gêneros Inconformes”, termo este que marca “o caráter inferiorizado das inconformidades de gênero em relação à norma cisgênera, evidenciando os elos comuns de colonização que permeiam estas individualidades (VERGUEIRO, 2012, p. 07).

2. Entendendo o gênero

Vive-se em um momento histórico em que muito se fala sobre educar para a diferença. É o que se vê, por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais–PCNS (1997), bem como, na Lei 11.645, referente à Inclusão da História da África e dos Povos Indígenas (2008) e também na Declaração Mundial de Princípios sobre a Tolerância (1995). Afinal, o cenário político mundial de intolerância tem se repetido também no espaço da vida privada, suscitando uma dificuldade generalizada que impede a libertação de formas padronizadas de concepção da relação com o outro.

Para além da corrente do debate sobre os chamados direitos das minorias, muitas vezes superficial e mais preocupado com aspectos simbólicos do que com seus efeitos práticos, a segmentação sociocultural, ao mascarar a multidão composta pela soma de tantos pequenos grupos, demonstra que o trato com as diferenças permanece como um dos maiores e mais emergentes desafios a ser enfrentado na contemporaneidade (BAUMAN, 1999; RAWLS, 2002).

Revela-se, assim, que a consideração da categoria gênero é um conceito das ciências sociais, produzido na década de 1970, que se refere à construção social do sexo. O conceito de gênero faz uma distinção entre o dimorfismo sexual da espécie humana e a caracterização de masculino e feminino que acompanham, nas culturas, a presença de dois sexos na natureza, ou seja, há machos e fêmeas na espécie humana. Mas a qualidade de ser homem e ser mulher é condição realizada pela cultura.

Salienta-se que o dimorfismo sexual pode ser visto do ponto de vista das diferenças marcantes que existem entre os machos e fêmeas de uma determinada espécie. Não se limitando aos órgãos sexuais, relacionando-se apenas com outras características comportamentais e físicas capazes de diferenciar um sexo do outro.

Nesse contexto, a palavra sexo passa a designar especificamente a caracterização anátomo-fisiológica dos seres humanos, uma vez que o sexo é dado pelas características biológicas: nasce-se macho ou fêmea da espécie humana. Enquanto que o gênero é o modo como as sociedades olham e pensam as pessoas do sexo masculino e as pessoas do sexo feminino, ou seja, é a consequência do sexo numa organização social.

De modo que não se nasce mulher ou homem: torna-se mulher ou homem, tese defendida no livro “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir (1967), que separa o biológico e o natural nos estudos sobre as mulheres, posteriormente, denominado estudos de gênero, estendendo-se tal afirmativa, neste trabalho, em relação aos homens. Isto, portanto, tal representa um trabalho de elaboração simbólica que a cultura realiza sobre a diferença anátomo-fisiológica.

Enquanto seres sexuados, percebemo-nos e situamo-nos no mundo como mulheres ou como homens. Tal percepção, embora tome como base a anatomia corporal visível, é mais prescritiva do que descritiva, pois o que é captado da corporeidade não é apenas “tenho uma vagina” ou “tenho um pênis”, e sim, “devo ser, sentir e me comportar deste ou daquele modo”. O gênero constitui o modo como nos relacionamos com nós próprios e com o outro. Assim, incide no processo de produção simbólica, definindo a maneira como cada um percebe o mundo, apreende os códigos de interpretação da cultura e estabelece pautas de interação com o outro, marcando a atuação social de cada indivíduo (VILELLA & ARILHA, 2003, p.115).

Logo, as características biológicas entre homens e mulheres são valorizadas e interpretadas segundo as construções de gênero de cada sociedade. Delphy afirma ser o gênero um produto social que constrói o sexo. Trata-se de uma abordagem em que se considera que se as relações de gênero não existissem, o que conhecemos como sexo seria destituído de significado e não seria percebido como importante. Poderia ser apenas uma diferença física entre outras (DELPHY, 1991).

Assim, a expressão relações de gênero, tal como vem sendo utilizada no campo das ciências sociais, designa, primordialmente, a perspectiva culturalista em que as categorias diferenciais de sexo não implicam no reconhecimento de uma essência masculina ou feminina, de caráter abstrato e universal, mas, diferentemente, apontam para a ordem cultural como modeladora de mulheres e homens. Em outras palavras, o que chamamos de homem e mulher não é o produto da sexualidade biológica, mas sim de relações sociais baseadas em distintas estruturas de poder.

3. Estética: Uma padronização da imagem corporal?

Vive-se em um contexto global em que a cultura influencia diretamente na visão e no comportamento individual. Cultua-se a ideia do corpo perfeito, onde todos, independentemente do sexo, ocupam-se, por vezes exacerbadamente, com a estética corporal. As pessoas passaram a se preocupar demasiadamente com a aparência e, por vezes, não existe mais espaço para aqueles que não se enquadram em tais exigências.

Essa situação tem originado um conflito entre natureza e cultura, que não se dá apenas em termos individuais, como um trabalho psicológico solitário, já que a busca pela identidade pessoal é a encarnação de todo um complexo sistema de relações sociais presentes, antes mesmo da existência do sujeito no mundo.

A sociedade modela o corpo através das relações sociais e culturais, controlando seus usos e comportamentos. Assim, a imagem corporal é um conceito multidimensional, que revela a percepção do sujeito relativa a seu corpo influenciada por constructos sociais como as representações comportamentais da personalidade e os estados emocionais. 

De acordo com Amaral et al. (2007, 43), a imagem do corpo apresenta definição semelhante ao autoconceito, que representa a percepção que o indivíduo tem de si próprio e, em termos especiais, as atitudes, os sentimentos e o autoconhecimento acerca das suas capacidades, competências, aparência física e aceitabilidade social.

Pode-se considerar que a imagem corporal é uma dimensão do autoconceito, podendo ser influenciada por fatores fisiológicos, sociológicos, emocionais e libidinais, como coloca Schilder (1999, p. 20).

Conforme Tavares (2003, p. 45) a insatisfação com a imagem corporal tem relação com aspectos da atratividade física e os ideais culturais do corpo. De modo que os comportamentos relacionados a essa insatisfação podem ter efeitos devastadores na saúde física e psicológica da pessoa.

A imagem corporal possui um eixo pulsional que sustenta a individualidade e é o ponto de partida para o desenvolvimento da identidade da pessoa (TAVARES, 2003, p. 48). Tavares (2003, p. 52) acrescenta que a imagem corporal reflete a história de uma vida, o percurso de um corpo, cujas percepções integram sua unidade e marcam sua existência no mundo a cada instante. Por sua vez, Mendonça e Meireles (2010, p. 22) realçam ser esta a “era da visibilidade”, na qual a forma e a imagem são os valores sociais mais importantes.

Considerando-se que a população adolescente está mais vulnerável a adotar comportamentos extremos que a população adulta, uma vez que o processo de adolescência visa prioritariamente à conquista de si mesmo e de sua identidade, torna-se necessária a integração entre experiências passadas e presentes, em especial aquelas de grande impacto emocional e/ou social, para que estes possam definir-se como uma presença no mundo, sendo desafiados a alcançar autonomia e o sentimento de ser e pertencer socialmente (TELES, 2001, p. 83).

De acordo com Adams (apud Daniel 2007, p.41), percebe-se que o mundo social claramente discrimina os indivíduos não atraentes, numa série de situações cotidianas importantes. Já que as pessoas julgadas pelos padrões vigentes como atraentes parecem receber mais suporte e encorajamento no desenvolvimento de repertórios cognitivos socialmente seguros e competentes e, ao contrário, os indivíduos tidos como não atraentes estão mais sujeitos a encontrar ambientes sociais que variam do não responsivo ao rejeitador e que desencorajam o desenvolvimento de habilidades sociais e de um autoconceito favorável.

É a identidade pessoal que dá ao indivíduo o sentido de pertencer a si próprio, ter um domínio sobre suas escolhas, uma ideia do caminho que deve seguir diante de suas decisões, como acrescenta Strapasson (2009, p. 64). No entanto, essa mesma identidade exige uma identificação psicológica do próprio sexo biológico, homem/mulher.

A imagem corporal vai se desenvolvendo como um produto da relação do indivíduo consigo mesmo e com os outros. Como acrescenta Van Kolck (1984, p. 46) a imagem corporal é uma unidade adquirida, é dinâmica, portanto alterações corporais provocam mudanças na imagem corporal e esse fenômeno é particularmente intenso na adolescência.

Frente a todas essas mudanças, a imagem corporal também precisa ser reformulada. A imagem corporal ou esquema corporal é a representação mental do próprio corpo e/ou o modo como ele é percebido pelo indivíduo. Compreende, segundo acrescenta Schilder (1999, p. 31) não só o que é percebido pelos sentidos, mas também as ideias e os sentimentos referentes ao próprio corpo, em grande parte inconscientes.

4. Apresentação da análise

Para a presente pesquisa foi realizado um estudo de campo de natureza qualitativa. O estudo de campo se caracteriza por utilizar muito mais técnicas de observação do que de interrogação, procurando assim, alcançar maior profundidade nas questões propostas (GIL, 2002), além de conversas informais com as participantes.

Com base nos objetivos é caracterizada como pesquisa descritiva e exploratória, pois conforme destaca Gil (2002, p. 54), as pesquisas descritivas tem como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno, identificando relações entre variáveis e determinando a natureza desta relação. Logo a pesquisa exploratória proporciona maior familiaridade com o problema, aprimorando ideias ou descobrindo intuições (GIL, 2002, p. 62).

Neste estudo contemplam-se 12 adolescentes do gênero feminino de 12 a 14 anos de idade, estudantes das séries finais do Ensino Fundamental, de 4 turmas respectivas do 5º, 6º, 7º e 8º anos de uma escola de São Bernardo, no Leste Maranhense, distribuindo-se da maneira discriminada na tabela a seguir. 

Tabela I: Idade das participantes

Idade

Participantes

12 anos

2

13 anos

5

14 anos

5

Total

12

Considerou-se estas faixas etárias da idade da adolescência feminina, tendo-se como referência a idade média da menarca, que trata de um prolongado conjunto de mudanças biológicas e hormonais (LUSTIG DE FERRER, 1991, p. 61), por ser um período de mudanças. Pode-se dizer que, nesta fase, a percepção do próprio corpo fica naturalmente distorcida, o que passa a ser preocupante quando começa a influenciar nos comportamentos.

Foram realizadas observações diretas no espaço escolar, com vistas a analisar o modo como se estabeleciam as relações de estética e imagem corporal entre as adolescentes e, sobretudo, como evidenciam a preocupação com a estética, considerando se esta advém de padrões normativos ou se é algo socialmente construído. Além de conversas informais com as participantes. Ressalta-se que a participação das mesmas neste trabalho se deu de forma clara e consciente por sua parte, por seus responsáveis e pelos gestores da escola.

5. Análise e discussão dos resultados

Uma vez que houve o aceite das participantes, pode-se então adentrar ao universo tanto escolar como individual de cada uma das adolescentes.

Assim, entre as adolescentes de faixa etária de 12 anos conseguiu-se perceber que, há uma inquietação que não chega a ser tão complexa, uma vez que as estudantes já manifestam seus gostos e suas vontades, quer seja nas vestimentas, no modo de amarrar os cabelos, e ate mesmo nos diálogos. Portanto, quando questionadas sobre o modo como se portam esteticamente, as duas adolescentes afirmavam que suas mães eram quem às vestiam, mas elas opinavam em alguns elementos, mas que, se vestiam daquela forma porque “toda mulher se veste daquela forma”.

Observa-se entres as participantes de 12 anos que o universo da moda é comumente reconhecido pela sua expressão material mais mutante: o vestuário. Seus aspectos intangíveis, como produção de sentido e significado na materialização das posicionalidades de raça/etnia, gênero e sexualidades. E nesse campo ainda produzem conhecimentos pautados em discursos de heteronormatividade (BUTLER, 2003, p. 180), considerando-o enquanto a suposição do enquadramento de todas as relações em um binarismo de gênero que organiza suas práticas, atos e desejos a partir do casal heterossexual reprodutivo.

De outro lado, o campo interdisciplinar dos Estudos Feministas e de Gênero trata na maioria das vezes de corpos não trajados, sendo que sua aparência e a potência dessa linguagem é pouquíssimo citada, compondo a contradição desejada pelos grupos hegemônicos que desenham a moda como um campo de exercício de seus padrões, sitiado pelas elites. No histórico da construção do campo dos estudos feministas e de gênero, quando a visualidade dos corpos foi analisada, o termo gênero aparece como sinônimo de mulher.

Entres as adolescentes de 13 anos, ficou ainda mais perceptível essas características de disparidades, visto que, induziam outras colegas a usarem os mesmos acessórios, mesmos calçados (da moda), e etc., utilizando sempre o discurso de que: “mulher é assim”.

Percebe-se a imposição de um ser mulher que precisa manter-se rotineiramente com elementos que lhe tragam feminilidade para então fortalecer-se de que é uma mulher, pois “mulher é assim”.

Partindo dessa argumentação sobre as relações entre moda, subjetividade e estilo, compreendem-se os marcadores sociais das diferenças como discursos, estes considerados aqui enquanto um conjunto de regras anônimas, sempre determinadas no tempo e espaço, constituído por meio de signos, demarcando os âmbitos ideológicos, teóricos e epistemológicos, do ponto de vista da materialidade defendida por Michel Foucault (2005) que compreende o discurso como instrumento de controle social e consolidação de poder, como apresenta em “As Palavras e as Coisas”, que também são materializados na linguagem da aparência e na corporalidade das pessoas e assim aspectos como gênero, sexualidade, raça/etnia, classe social, acessibilidade e geração.

Assim, como pontua Guacira Louro (1997, p. 68), não somente operam como elementos de identificação, mas articulam-se às matrizes produtoras das desigualdades. Numa proposta de análise desses discursos, considerando a moda como um suplemento ao corpo (DERRIDA, 2000, p. 177) e à materialidade do gênero em suas várias posicionalidades, buscou-se compreendê-la como espaço de concretização dos marcadores sociais das diferenças.

Destarte, compreendendo a importância da reflexão sobre a linguagem da moda e da aparência na materialização das relações de poder, rompendo com a perspectiva feminista hegemônica, que, por sua vez, persiste na valorização da temática puramente política e geralmente distanciada da verve cultural e artística, assumimos a perspectiva do Feminismo da Diferença para balizar tal empreendimento em uma abordagem interseccional que na história dos Feminismos “expandiu o conceito de gênero e passou a formulá-lo como parte do conjunto heterogêneo das relações móveis, variáveis e transformadoras do campo social” (COSTA & AVILA, 2005).

É válido ressaltar que o termo “feminismo da diferença” faz alusão à trajetória norte- americana desse conceito, onde os escritos de Gloria Anzaldúa inauguram o diálogo sobre o discurso da diferença, (ANZALDUA & MORAGA, 1981).

Por sua vez, entre as adolescentes da faixa etária de 14 anos evidenciou-se e fortaleceu-se a preocupação de ambas em serem vistas como “mulher”, no que se refere às vestimentas, acessórios e até mesmo modos de comportamento, para elas, essas caraterísticas às remetem as suas próprias identidades, mas também há o fato de reproduzirem um discurso de discriminação com outras meninas que não praticam ou pactuam de seus mesmos afazeres, inclusive do grupo “das meninas”. As adolescentes não mostraram grau de insatisfação acentuado com a imagem corporal, mas reproduzem discursos padronizadores de como têm que ser uma “mulher”, o modo de vestir, se portar e, por vezes, até de falar. Logo, nessa faixa etária percebeu-se que os discursos normatizadores tem maior ênfase e ambas os reproduzem.

Concomitante, isso incorpora uma reflexão acerca da predominância nos discursos androcêntricos de um apelo a favor da natureza como preponderante à compreensão da construção cultural dos corpos e da sua mobilidade plástica, ao reconhecer a produção sócio-histórica da heterossexualidade compulsória como uma força motriz da estereotipação das expressões individuais, apontando como um elemento constritor da história de vida de milhares de pessoas.

6. Considerações finais

A adolescência, enquanto momento de transição, revela-se, talvez, como uma das fases mais difíceis do desenvolvimento feminino, onde o corpo em transformação traz a angústia de não se saber exatamente quem é, o espaço que ocupa e o quanto se é amado e aceito pelos outros.

A autoimagem, neste momento, tem características mais negativas, fruto da dificuldade de percepção dessa imagem corporal em transformação, mas também de um meio social que impõe padrões muito idealizados de beleza. Sabe-se que as mudanças corporais trazem distorções na autoimagem e que cada época tem seus padrões de beleza, mas talvez eles nunca tenham sido tão rígidos quanto agora, em meio a essa diversidade de culturas existentes no seio de uma sociedade que se modifica constantemente.

Refletir sobre a elaboração da aparência de pessoas como um corpo-moda, também se trata de legitimar existências para além das estratégias de patologização do biopoder médico ainda vigentes. Afinal,

O conceito de ‘biopoder’ serve para trazer à tona um campo composto por tentativas mais ou menos racionalizadas de intervir sobre as características vitais da existência humana. As características vitais dos seres humanos, seres viventes que nascem, crescem, habitam um corpo que pode ser treinado e aumentado, e por fim adoecem e morrem. E as características vitais das coletividades ou populações compostas de tais seres viventes. (RABINOW; ROSE. 2006, p.28)

Nesse sentido, pensar em corpo como algo além da prescrição da natureza pode ser muito potente no sentido de articular esse campo teórico multidisciplinar, uma vez que há uma diversidade de corpos e estéticas entre as pessoas negras, indígenas, cisgênero, transexuais, heterossexuais ou homossexuais, cuja diversidade muitas vezes não é visibilizada em pesquisas que simplificam as vivências de sujeitos integrantes de grupos minoritários em representatividade.

Assim, nota-se a aparência como um espelhamento das construções culturais, sociais e midiáticas, pensando cada corpo trajado como feição do seu grupo de pertença, cujas representações mais ou menos recorrentes lhes conferirão imagens de autoridade ou de subalternidade.

Portanto, como elemento constitutivo das formas de produção e reprodução de conhecimento, considerou-se a estética, a moda e o corpo como elementos indissociáveis na sociabilidade ocidental urbana contemporânea no que tange as relações de gênero. Dessa maneira, constatou-se que ainda se fazem fortes padrões normatizadores.

Razão pela qual defende-se que é preciso desmitificar o gênero feminino enquanto objeto de apreciação e padrões pré-estabelecidos para que se possa compreendê-lo como uma ferramenta de liberdade primária da mulher em ter autonomia sobre o próprio corpo.

Referências

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1. Mestranda do Programa Interdisciplinar em Cultura e Sociedade (UFMA). Especialista em Educação, pobreza e desigualdade social (UFMA). E-mail: murannaemanuelly@hotmail.com

2. Mestranda do Programa Interdisciplinar em Cultura e Sociedade (UFMA). Especialista em Direito do Trabalho, Direito Público e Metodologia de Ensino da Língua Espanhola. Professora Substituta da Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: renatacpreis@hotmail.com

3. Doutora em Ciências Sociais pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo. Professora do Mestrado em Ciências Sociais e do Mestrado Interdisciplinar em Cultura e Sociedade (UFMA


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