Figura
Espacios. Vol. 37 (Nº 32) Año 2016. Pág. 9
José Adailton Lima SILVA 1; Monalisa Cristina Silva MEDEIROS 2; Vera Lucia Antunes de LIMA 3; Francisco José Loureiro MARINHO 4; Pedro Vieira de AZEVEDO 5; Tayama Rodrigues UCHÔA 6; Luiz Carlos Porto OTONI 7
Recibido: 10/06/16 • Aprobado: 25/07/2016
RESUMO: As condições climáticas do semiárido, especialmente os baixos índices pluviométricos, tem condicionado a escassez hídrica. Esta realidade tem forçado inúmeras famílias rurais a consumirem água de má qualidade, o que tem contribuído para o aumento de casos de doenças transmitidas pela água. Assim, objetivou-se analisar o potencial de obtenção de água potável através do uso de destiladores solares, e avaliar os benefícios socioeconômicos e ambientais advindos do uso desta tecnologia. Após os estudos, observou-se que os destiladores solares são capazes de fornecer água potável para atender as demandas hídricas de famílias que convivem com a escassez hídrica; e que eles são uma tecnologia social e sustentável, pois é de baixo custo econômico, de fácil disseminação social, e utiliza energia solar (limpa e renovável). Portanto, verificou-se que os destiladores solares são uma tecnologia economicamente viável, socialmente disseminável, e ambientalmente correta. |
ABSTRACT: The conditions climate of semi-arid, especially low rainfall, has conditioned water scarcity. This reality has forced many rural families to consume poor quality water, which has contributed to the increase in cases of waterborne diseases. The objective was to analyze the potential the obtaining drinking water through the use of solar distillers, and assess the socio-economic and environmental benefits from the use of this technology. After the studies, it was observed that solar distillers are able to provide drinking water to meet the water demands of families living with water scarcity; and that they are a social and sustainable technology because it is low cost, easy social dissemination, and uses solar energy (clean, renewable). Therefore, it was found that the solar distillers are an technology economically viable, disseminate in society and environmentally correct. |
Atualmente, em algumas regiões semiáridas, a carência extrema de água de boa qualidade força as populações a consumirem águas com elevados níveis de contaminação biológica e química (sais), com consequentes danos a saúde (AMARAL et al., 2003). Tal realidade pode ser encontrada em várias comunidades rurais do semiárido paraibano, como é o caso do Assentamento Belo Monte, município de Pedra Lavrada-PB.
No município de Pedra Lavrada-PB, escopo espacial desta pesquisa, a população local convive com a escassez de água periódica, e cerca de 94% da população rural (4.136 habitantes) sobrevivem com condições inadequadas de saneamento básico: água e esgoto (IBGE, 2010). Além disso, tem-se o fato de que grande parte da população rural consume águas de poços, açudes ou de cisternas sem nenhum tratamento, o que tem contribuído para o aumento dos casos de doenças de veiculação hídrica. Logo, torna-se urgente fornecer água de boa qualidade.
Num caminho de solução para obter água potável no semiárido brasileiro, tem-se a dessalinização das águas a partir de destiladores solares. Em síntese, o destilador solar utiliza a radiação solar para aquecer a água, a qual irá evaporar e condensar dentro do destilador. Com isso, a água torna-se potável em virtude das altas temperaturas, no interior do destilador, eliminar os microrganismos patógenos, e possibilitar a retirada dos sais dissolvidos na água (MARINHO et al., 2015).
Um destilador solar pode produzir água para beber sem uso de eletricidade, sem produtos químicos e sem uso de elementos filtrantes (SOARES, 2004). Segundo este autor, em lugares onde a radiação solar disponível é de média a alta, como acontece no semiárido brasileiro (radiação solar global entre 500 e 900W.m-² durante 6 e 7 horas em dias sem nuvens), a destilação solar pode ser utilizada para o tratamento da água com microrganismos vivos, com sais e até com compostos não-biodegradáveis.
Atualmente, a dessalinização e desinfecção de águas através do destilador solar já são aplicadas em diversos países, com boa aceitação familiar para produção de água potável, tendo como estímulo: não detém custos com energia elétrica e é considerada uma tecnologia limpa e sustentável (BOUKAR & HARMIN, 2001).
Em suma, os destiladores solares possibilitam inúmeros benefícios: capta as águas das chuvas; produz água potável suficiente para melhorar as condições de segurança hídrica; tem baixo custo de implantação e manutenção; facilita o acesso à água devido à proximidade dos destiladores junto às residências; pode ser de uso individual ou coletivo; e é uma tecnologia social de fácil aprendizagem (MARINHO et al., 2015, p. 80).
Diante do contexto, o presente estudo objetiva avaliar o potencial de dessalinização e desinfecção de águas através da energia solar disponível no semiárido paraibano. Para tanto, será analisado um destilador solar instalado no Assentamento Belo Monte, município de Pedra Lavrada-PB, no semiárido paraibano, onde muitas famílias rurais têm convivido com a escassez de água potável.
Sabendo-se que a energia solar disponível em regiões semiáridas pode proporcionar benefícios socioambientais através de destiladores solares (SOARES, 2004), o presente estudo buscará responder: qual é o potencial máximo e mínimo diários de obtenção de água potável alcançada a partir da energia solar disponível localmente? De que forma os destiladores solares podem ser considerados uma tecnologia social de fácil construção e de baixo custo? Quais são os benefícios sociais, econômicos ou ambientais advindos do uso dos destiladores solares?
Esses questionamentos foram respondidos através de uma pesquisa experimental, descritiva e qualiquantitativa tomando por base: fundamentos teóricos e documentais; visitas técnicas e observações in loco; levantamento de dados e realização de cálculos estatísticos; além da realização de análises laboratoriais das amostras de águas coletadas antes e depois do processo de destilação.
Por fim, sabendo-se que o consumo de água potável aumenta à medida que cresce a população, restando como uma das saídas para satisfazer as necessidades hídricas, a dessalinização e desinfeção das águas dos açudes, cisternas e poços (CRAVO & CARDOSO, 1996), objetiva-se analisar o potencial de obtenção de água potável através dos destiladores solares, avaliando-se os benefícios socioambientais e como esta tecnologia tem atendido as necessidades hídricas de famílias que convivem com a escassez de água potável.
No Semiárido brasileiro, a água salobra é encontrada em alguns locais de rochas cristalinas e, em adição, a evaporação excessiva, cinco vezes maior que a precipitação pluviométrica, tem contribuído para concentrar os sais dissolvidos na água de alguns açudes, o que perturba a qualidade da água acumulada nele (MATTOSO, 2009, p. 66). Neste sentido, questiona-se: é possível disponibilizar estas águas para o consumo humano? A resposta para esta pergunta está intimamente ligada ao uso de práticas, meios ou tecnologias capazes de dessalinizar a água. Logo, a dessalinização é o processo a ser percorrido para se fornecer água potável para inúmeras famílias que acabam por ingerir águas com altos índices de contaminação química (sais).
A dessalinização de águas é um processo que envolve a retirada de sais dissolvidos nas águas. Os sais, quando em altos níveis, contaminam os recursos hídricos, deixando-os impróprios para o consumo humano. Dessa forma, muitos dos recursos hídricos disponíveis, especialmente no Semiárido Brasileiro, estão impróprios para o consumo humano de muitas famílias que convivem com a escassez de água. Assim, a dessalinização das águas passa a ser não só uma opção, mas também uma necessidade.
Existem inúmeros processos que possibilitam a retirada de sais das águas. Os principais processos de dessalinização ocorrem através de processos térmicos, ou utilizando membranas. Dentre os inúmeros processos de dessalinização, tem-se: 1) Destilação de Múltiplo Efeito (Multi-effect distillation – MED): 2) Processo de Congelamento; 3) Processo de Eletrodiálise; e 4) Dessalinização por Osmose.
Cotidianamente, observa-se que muitos processos, a exemplo da dessalinização por osmose reversa, acabam por não serem amplamente utilizados em virtude de problemas correlacionados aos altos custos econômicos das técnicas (o que dificulta sua disseminação social), ou ainda, por serem técnicas que produzem grande quantidade de rejeitos/concentrado (águas salobras), o que vai de encontro à promoção de uma dessalinização eficiente.
Atualmente, uma das melhores práticas para dessalinizar águas em regiões semiáridas é o uso de dessalinizadores solares, pois os mesmos utilizam a energia solar, a qual é limpa e que se denota como um grande potencial energético no Semiárido Brasileiro. Assim, a dessalinização proporcionada pelos dessalinizadores solares é uma solução prática para possibilitar água de boa qualidade com baixo custo econômico (MARINHO et al., 2012).
No tocante a desinfeção de águas, a mesma é um processo de tratamento da água que consiste na inativação dos micro-organismos patogênicos (bactérias, vírus etc.). Tal processo é realizado por intermédio de agentes físicos e ou químicos.
Existem muitos meios para promover a desinfecção das águas, dentre os quais se podem citar: cloro; ozônio; dióxido de cloro; radiação ultravioleta; iodo; sais de prata etc. Muitos destes meios de desinfecção exigem altos custos econômicos, e por isso não são amplamente utilizados. Mas, contemporaneamente tem-se utilizado o destilador solar para desinfecção de águas, pois o mesmo propicia altas temperaturas em seu interior capazes de eliminar microrganismos patógenos.
Sabendo-se que a água é um importante veículo de transmissão de doenças, especialmente para as populações rurais que não possuem acesso ao saneamento público (SATAKE et al., 2012, p. 48); torna-se de suma importância a desinfecção das águas para o consumo humano.
Por fim, tendo em vista que a energia solar no Semiárido Brasileiro é uma rica fonte de energia limpa e sustentável, cabe conhecer o potencial de energia solar disponível nas mais diversas regiões/localidades para possibilitar não só a dessalinização, mas também a desinfeção de águas.
O presente trabalho foi realizado no Assentamento Belo Monte, município de Pedra Lavrada (Latitude 06°45’25” S; Longitude 36°28’49” W e Altitude: 516 metros), situado na microrregião do Seridó Oriental do estado da Paraíba (Figura 1). O referido município está situado a cerca de 230 km de distância da capital paraibana, João Pessoa, e limita-se com os municípios de Nova Palmeira (ao norte), Cubati e Seridó (ao sul), com Sossego e Baraúnas (a oeste), e com o estado do Rio Grande do Norte (a leste), abrangendo uma área de 351 km² e uma população de 7.475 (IBGE, 2010).
Figura 1: Localização do município de Pedra Lavrada – PB no Estado da Paraíba
No tocante aos aspectos socioeconômicos, o referente município detém um IDH de 0,574 e um PIB de R$ 30.364, sendo este proveniente das atividades econômicas dos setores primário (11%), secundário (12) e terciário (77%).
Em relação aos aspectos físicos, segundo o CPRM (2005), o município de Pedra Lavrada-PB apresenta:
A escolha do Assentamento Belo Monte, em Pedra Lavrada-PB, como espaço de pesquisa, se deu em virtude deste apresentar alguns critérios imprescindíveis a esta pesquisa, tais como: 1) a população local convive com a escassez de água periódica em virtude das condições climáticas locais; 2) as famílias locais, assim como 94% da população rural (4.136 habitantes) sobrevivem com condições inadequadas de saneamento básico: água e esgoto (IBGE, 2010); e 3) a população local consome água de um poço artesiano sem nenhum tratamento da água, o que pode colaborar para o aumento dos casos de doenças de veiculação hídrica.
Diante do cenário descrito, buscou-se avaliar, no Assentamento Belo Monte, o potencial de destilação das águas a partir do uso de destiladores solares (Figura 2). Eles consistem em quatro caixas (cada uma com 4m²) construída com placas pré-moldadas de concreto, totalizando uma área de 16m². A cobertura é composta de vidro, o qual possibilita a passagem da radiação solar (ondas curtas), mas inibe a saída das ondas longas para fora do destilador solar. Com isso, aumenta-se a temperatura dentro do dessalinizador, fazendo com que ocorra a evaporação da água armazenada numa lona Encerado (“lona de caminhão”) no interior do destilador solar. O vapor de água entra em contato com a superfície de vidro e condensa, produzindo assim água potável que é conduzida a uma caixa de PVC de 300 litros. Cabe ressaltar que as águas das chuvas são captadas pelos destiladores e armazenadas em outra caixa de PVC de 300 litros.
Figura 2: Destiladores solares no Assentamento Belo Monte, Pedra Lavrada-PB
De forma simples, Marinho et al. (2012, p. 55) explicam que o processo de dessalinização ocorre quando a radiação solar, que passa através da cobertura transparente, aquece a água (salgada e/ou infectada) numa temperatura superior à da cobertura. Com isso, o gradiente da temperatura e o gradiente associado à pressão do vapor dentro do dessalinizador provocam a condensação do vapor de água sobre a superfície da cobertura transparente (vidro). A película delgada do condensador (vidro) escorre a água condensada até as canaletas (escape de destilado), direcionando as águas condensadas até o depósito da água destilada (Figura 3).
Figura 3: Desenho esquemático do destilador solar
Fonte: Buros et al., 1980
Por fim, com o uso dos destiladores solares no Assentamento Belo Monte, foram realizados alguns procedimentos metodológicos, os quais serão detalhados a seguir.
Esta é uma pesquisa experimental, descritiva e qualiquantitativa, utilizando como meios técnicos: o levantamento bibliográfico e documental que disponibilizaram conhecimentos e dados sobre a temática abordada nesta pesquisa; o registro icnográfico para diagnosticar, através de imagens, o uso dos destiladores solares; além da observação in loco e visitas técnicas.
Durante os estudos, foram medidas as temperaturas médias diárias do ar, e as quantidades diárias de água destilada. Tais medições ocorreram num período experimental de 7 dias consecutivos (21, 22, 23, 24, 25, 26, 27) de maio de 2016), onde: i) as temperaturas médias diárias foram fornecidas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET); e ii) a contabilização da produção de água foi realizada diariamente, às 9hs de cada um dos 7 dias estudados. Com isso, puderam-se estimar o potencial de produção de água destilada em litros/m²/dia-¹.
Realizaram-se, ainda, análises físico-químicas e microbiológicas de amostras de águas coletadas antes e depois do processo de dessalinização (ANEXO I). Logo, as amostras de águas coletadas em poços foram comparadas com as amostras destas águas após o processo de destilação. Todas as análises foram realizadas no Laboratório de Dessalinização – LABDES, o qual é referência em análise e tratamento de águas.
Ressalva-se que os níveis de salinidade foram, conforme Amorim et al. (2010), determinados através da análise de 24 parâmetros (condutividade elétrica, cloretos, sulfatos, cálcio, magnésio, sódio, potássio, entre outros elementos) existentes nas águas coletadas antes e depois do processo de destilação.
Em suma, as análises laboratoriais de amostras de águas foram realizadas de forma comparativa. Tal iniciativa foi valida para analisar a qualidade das águas antes e depois do uso dos destiladores solares.
Por fim, o processamento de dados se deu através das análises estatísticas utilizando o aplicativo Microsoft Excel 2010 para tratamento de dados quantitativos. A escolha do Microsoft Excel 2010 se deu em virtude deste constituir-se em uma ferramenta que agiliza os processos de cálculo e a elaboração de tabelas e gráficos, além de possuir diversos recursos de funções e fórmulas (PEREIRA et al., 2014).
Durante os dias pesquisados levantou-se junto ao INMET, as temperaturas médias diárias do ar atmosférico, onde as temperaturas diárias variaram entre 18,3°C a 31,4°C, tendo como média diária 27,4°C.
Após analisar as temperaturas médias diárias do ar, houve o levantamento da produtividade de água destilada durante o período experimental. Nas Figuras 4 apresentam-se os valores correspondentes a obtenção de água diária dos destiladores solares. Com isso, pôde-se estimar a produção média diária de água obtida. Os destiladores solares produziram, em média, 38,4 litros por dia.
Figura 4: Produção de água potável durante os dias pesquisados
Diante dos dados expostos nas Figuras 4, observa-se uma oscilação na produção de água ao longo dos sete dias. Isso se deu em virtude das variações dos elementos climáticos (temperatura e nebulosidade), pois nos dias de menor nebulosidade e maior temperatura houve uma maior produção de água destilada. Em contrapartida, nos dias em que a nebulosidade foi intensa, houve menores temperaturas diárias, o que diminuiu a produção de água potável. Com isso, conclui-se que a maior ou menor nebulosidade e/ou temperatura influenciam diretamente na produção de água potável.
Cabe ressaltar que o acúmulo de sais no interior do destilador solar também diminui a produção de água potável, pois a presença de sais muda a tensão superficial/interfacial da água (LIMA et al., 2013), provocando a diminuição do potencial osmótico/hídrico e, consequentemente, a redução da evaporação da água (SCHOSSLER et al., 2012). Em síntese, com o aumento dos sais dentro dos destiladores solares, houve uma diminuição do processo de evaporação da água e, consequentemente, menor condensação e obtenção de água destilada.
Sabendo-se que cada destilador solar detém uma área de 4 m2, obteve-se uma produção média de 2,4 litros/m2/dia-¹. Este potencial de obtenção de água destilada é um resultado superior aos encontrados nos estudos com destiladores solares de Vargas et al. (2012), e Marinho et al. (2012), que obtiveram, respectivamente, 0,65 litros/m²/dia-1; e 1,74 litros/m²/dia-1.
Ressalta-se, ainda, que durante os estudos, houve precipitações que totalizaram 15mm, onde os vidros dos destiladores (total de 16m²) captaram 183 litros, o que denota uma eficiência de 76% na captação de águas de chuvas, o que é de grande importância para aumentar a oferta de água para as famílias locais.
Por fim, teve-se o fato do período de estudo (de 21 a 27 de maio de 2016) compreender o outono (Hemisfério Sul), o que propicia menores temperaturas e maiores nebulosidades quando em comparação com outras estações do ano (primavera e verão). Todavia, mesmo sobre condições climáticas (temperaturas e nebulosidade) adversas para a destilação por energia solar, obteve-se uma produção muito significativa e de suma importância para atender as necessidades hídricas das famílias locais.
Nas Tabelas 1 e 2 são apresentados os resultados das análises físico-químicas e microbiológicas das águas que foram coletadas antes (água in natura de um poço artesiano) e depois (água destilada). Assim, foi analisada a qualidade da água in natura em comparação com a mesma água após o processo de destilação solar.
Tabela 1: Resultado das análises físico-químicas das águas in natura e destilada
----
Tabela 2: Resultado das análises microbiológicas das águas in natura e destilada
No tocante às análises físico-químicas, as mesmas analisaram 24 parâmetros. Todavia, no Quadro 1 estão descritos os parâmetros que apontaram valores não recomendáveis pela Legislação Brasileira. Logo, analisando as amostras de águas in natura retiradas de um poço artesiano, observaram-se níveis de salinidade altíssimos, dentre eles pode-se citar: i) cloreto (1370,3 mg/L), um valor 5 vezes maior que o permitido pela Portaria 2914/11 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011) que é de 250 mg/L; ii) o sódio obteve 541,9 mg/L, um valor 2 vezes maior que o recomendável pelo MS; além dos iii) STD alcançarem 3141 mg/L, um valor 3 vezes maior que o permitido pela Legislação Brasileira.
Todavia, ao analisar a mesma água após o processo de destilação solar, obtiveram-se resultados físico-químicos compatíveis com os parâmetros de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2011). Neste sentido, basta verificar que os valores de cloretos, sódios, amônia etc., estão dentro dos valores máximos permitidos pela Portaria 2.914/11, o que confirma a eficiência dos destiladores solares para a promoção de água potável.
Cabe ressaltar que: em se tratando da análise microbiológica, foram identificados valores expressivos, tanto para coliformes totais como para Escherichia Coli, logo:
a) Na água in natura do poço artesiano, foram encontrados altos níveis de contaminação biológica (2,024x10³) para coliformes totais e E. Coli. Assim, esta água não deve ser ingerida, pois a presença Escherichia Coli pode causar infecção urinária, abscesso no fígado, pneumonia, meningite, artrite, diarreias etc. Para se ter uma noção da gravidade da presença da E. Coli, basta lembra que em 2009, no Brasil, as doenças diarreicas agudas ocasionaram 3,1% das mortes de crianças menores de cinco anos (MOURA et al., 2012, p. 174). Isto representa centenas de mortes. Logo, qualquer presença de E. Coli, como ocorreu nas amostras das águas in natura do poço artesiano, não é permitido o uso para o consumo humano.
b) No tocante a água destilada, observou-se a ausência de E. coli (0 em 100mL), o que torna a água livre de bactérias causadoras de doenças. Todavia, observou-se a presença de alguns coliformes totais (0,02x10³), o qual é justificado pela pequena presença de baterias heterotróficas, as quais não causam doenças e estão sempre presentes em qualquer tipo de água. Todavia, a Portaria 2.914/11 exige que a presença de coliformes totais, independentemente da quantidade, deve passar por um tratamento. Assim, as águas após a destilação solar são tratadas, pelas próprias famílias, com a aplicação de cloro, o qual tem ação germicida, fungicida, algicida, protozoocida, viricida, além de combater outras formas vegetativas de bactérias (RUI et al., 2011, p.11).
Em síntese, os resultados das análises físico-químicas e microbiológicas confirmaram que: a água do poço artesiano, com altos níveis de contaminação química e bacteriológica, tornou-se potável após o processo de destilação utilizando os destiladores solares.
Atualmente, a carência extrema de água de boa qualidade força as populações a consumirem águas com elevados níveis de contaminação biológica e química (sais), com consequentes danos a saúde (AMARAL et al., 2003). Assim, torna-se imprescindível fornecer água de boa qualidade para as famílias rurais que convivem com a escassez de água potável.
Diante do exposto, um dos maiores benefícios atribuídos ao uso de destiladores solares, está no fato desta tecnologia obter água de boa qualidade através do uso da energia solar, a qual é gratuita e de grande potencial no Semiárido Brasileiro.
Tendo em vista que as famílias rurais do Assentamento Belo Monte, município de Pedra Lavrada, convivem com a escassez de água potável e consumem águas contaminadas de poços e cisternas, observou-se que: com o uso do destilador solar, obteve-se água de boa qualidade para atender as necessidades hídricas de 19 pessoas distribuídas em cinco famílias, totalizando um consumo médio de 2 litros/por pessoa/dia. Logo, torna-se imprescindível a disseminação de outras unidades de destiladores solares para atender as necessidades hídricas de inúmeras outras famílias que convivem com a escassez de água potável.
É importante lembrar que um dessalinizador solar, além de não causar impacto ambiental, ele é economicamente viável para pequenos agricultores, pois: os custos que envolvem a construção de um destilador solar é na ordem de R$ 800,00 reais, valor menor que 1 Salário Mínimo atual no Brasil (R$ 880,00). Sabendo-se que o valor médio de um garrafão de água potável de 20 litros é, em média, R$ 5,00 reais, tem-se que o valor do investimento (R$ 800,00) será compensado em 2 anos, isso em virtude da produção média (38,4 litros/dia) de água potável.
Os destiladores solares são uma tecnologia imprescindível, pois possibilita inúmeros benefícios socioeconômicos, a saber: é uma tecnologia de baixo custo de implantação e manutenção, além de fácil aprendizagem; facilita o acesso à água devido à proximidade dos destiladores junto às residências; pode ser de uso individual ou coletivo; contribui para melhorar as condições de segurança hídrica; tem contribuído para aumentar a oferta de água para o consumo humano; e o concentrado/rejeito (sais) é fornecido aos animais como ração mineral. Além disso, não causa impactos ambientais, não detém custos com energia elétrica e é considerada uma tecnologia limpa e sustentável (BOUKAR & HARMIN, 2001).
Tendo em vista que uma Tecnologia Social é concebida como um projeto, que não apenas resolve pontualmente um problema da sociedade, mas que possibilita levar cada indivíduo beneficiado a sua própria emancipação, promovendo a transformação social; percebe-se que o destilador solar pode ser considerado uma Tecnologia Social à medida que tem atendido alguns pré-requisitos importantes, a saber: baixo custo econômico; é de fácil construção e disseminação social; além de contribuir para a transformação social frente à gestão dos recursos hídricos disponíveis localmente.
É importante lembrar que além de deter características comuns às de uma Tecnologia Social, os destiladores solares podem ser considerados uma Tecnologia Sustentável, haja vista que esta se configura em tecnologias que satisfazem as necessidades sociais e ambientais de forma que não compromete os recursos naturais existentes para as gerações futuras (MENEZES et al. 2010, p. 119). Assim, o fato dos destiladores solares não causarem impactos ambientais; utilizar sem comprometer os recursos naturais; e gerar benefícios socioeconômicos; tudo isto faz com que os destiladores solares se configurem como uma Tecnologia Sustentável.
Por fim, sabendo-se que a escassez hídrica e a ingestão de águas de má qualidade que estão armazenadas em açudes, poços e cisternas, têm-se transformado num problema de saúde pública (MARINHO et al., 2015), torna-se imprescindível o uso de tecnologias, a exemplo dos destiladores solares, para a obtenção de água potável suficiente para atender as necessidades hídricas de inúmeras famílias que convivem com a escassez de água, especialmente a de boa qualidade.
Diante dos resultados das pesquisas, pôde-se concluir que:
Em síntese, observou-se que os destiladores solares podem ser considerados mais um meio para um fim: promover a gestão das águas disponíveis para suprir as necessidades hídricas das famílias que convivem com a escassez de água potável.
Ressalva-se, ainda, que os dessalinizadores solares podem ser considerados uma Tecnologia Social, assim como também uma Tecnologia Sustentável, pois eles cumprem alguns pré-requisitos: reduz os impactos ambientais; cumpri a legislação vigente através da redução de desperdícios dos insumos; é de simples construção e de baixo custo; utiliza energia limpa; e possibilita uma gestão dos recursos naturais de forma eficiente (MENEZES et al., 2015, p.120). Dessa forma, os destiladores solares são uma tecnologia social e sustentável à medida que se configuram como economicamente viável, socialmente disseminável, e ambientalmente correta.
Cabe lembrar que há necessidade de novos estudos sobre o uso de destiladores solares, especialmente no tocante a análise de variáveis, tais como: 1) Até que ponto as condições climáticas locais (cobertura de nuvens, radiação solar, temperatura etc.) influenciam no processo de destilação solar; 2) Quais os potenciais máximo e mínimo de produção de água potável alcançados com a concentração salina no interior do destilador solar; e 3) Qual o melhor modelo de destilador solar, ou quais melhorias precisam ser realizadas para que se possa aumentar a produção de água potável e com isso atender as necessidades hídricas das famílias que convivem com a escassez hídrica.
É importante lembrar que este estudo objetiva, antes de mais nada, contribuir para que novas pesquisas possam ser realizadas, pois: tanto no caso dos recursos hídricos, como dos demais recursos naturais, a pesquisa tecnológica desempenhará um grande papel no fortalecimento da economia regional e, por isso, o governo que fortalecer a pesquisa científica e tecnológica estará fadado a ser sempre lembrado (MATTOSO, 2009, p. 64).
Finalmente, sabendo-se que a insuficiência e irregularidade na distribuição de chuvas, a temperatura elevada, e a forte taxa de evaporação, são características climáticas que projeta derivadas radicais para o mundo das águas, para o mundo orgânico das caatingas e para o mundo socioeconômico dos viventes dos sertões e regiões semiáridas (AB’SÁBER, 2003, p. 85), torna-se imprescindível conceber tecnologias sociais que fomentem a segurança hídrica de inúmeras famílias que convivem com a escassez de água em regiões semiáridas.
AB’SÁBER, A. 2003. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
AMARAL, L. A.; FILHO, A. N.; JUNIOR, O. D. R.; FERREIRA, F. L. A.; BARROS, L. S. S. 2003. Água de consumo humano como fator de risco à saúde em propriedades rurais. Revista Saúde Pública, vol. 37, n° 4, São Paulo, agosto de 2003.
AMORIM, J.R. A.; CRUZ, M.A. S.; RESENDE, R.S. 2010. Qualidade da água subterrânea para irrigação na bacia hidrográfica do Rio Piauí, em Sergipe. Revista Bras. de Eng. Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v.14, n.8, p.804–811, 2010.
ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº 274, de 22 de Setembro de 2005. Disponível em: http://www.notadez.com.br/content/normas.asp. Acesso em: 06 de out. de 2015.
BOUKAR, M.; & HARMIM, A. 2001. Effect of climate conditions on the performance of a simple basin solar still: a comparative study. Desalination, v.137. Adrar, Algérie, 2001. p. 15-22.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria N° 2.914/2011. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/. Acessado em: 16 de marco de 2016.
BUROS, O. K et al. 1980. The USAID desalination manual. Produced by CH2M HILL Intenacional for the U.S Agency Development, Washington, D.C, 1980.
CPRM - Serviço Geológico do Brasil. 2005. Projeto cadastro de fontes de abastecimento por água subterrânea. Diagnóstico do município de Pedra Lavrada-PB. Org. [por] João de Castro Mascarenhas, Breno Augusto Beltrão, Luiz Carlos de Souza Junior, Franklin de Morais, Vanildo Almeida Mendes, Jorge Luiz Fortunato de Miranda. Recife: CPRM/PRODEEM, 2005.
CRAVO, J. G.; & CARDOSO, H. E. Projeto de dessalinização de solos e água. Nota Técnica n°1. Brasília/DF: SRH/MMA, 1996.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 13 de maio de 2016.
INMET. Instituto Nacional de Meteorologia. Dados de temperatura. Disponível em: htt: http://www.inmet.gov.br/portal/. Acesso em: 09 de junho de 2016.
LIMA, E. R. A.; MELO, B. M.; BAPTISTA, L. T.; PAREDES, M. L. L. 2013. Specific ion effects on the interfacial tension of water/hydrocarbon systems. Brazilian Journal of Chemical Engineering, Vol. 30, No. 01, pp. 55 - 62, January - March, 2013.
LOPES, J. T. 2004. Dimensionamento e análise térmica de um dessalinizador solar híbrido. 2004. 109f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica), Universidade Estadual de Campinas, 2004.
MARINHO, F. J. L; UCHOA, T. R.; LEITE, S. F.; AGUIAR, R.L.; NASCIMENTO, A. S. 2015. Dessalinizador Solar associado a coletor de águas de chuvas para fornecer água potável. Revista Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11, n.20, 2015, p. 68-82.
MARINHO, F. J. L.; ROCHA, E. N.; SOUTO, E. A.; CRUZ, M. P.; TAVARES, A. C.; SANTOS, S. A.; MARCOVICZ, F. 2012. Destilador solar destinado a fornecer água potável para as famílias de agricultores de base familiar. Revista Brasileira de Agroecologia, 7(3): 53-60, 2012.
MATTOSO, S. Q. aplicações da energia solar para dessalinização. Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, vol.2, nº2, jun, 2009.
MENEZES, U. G.; WINCK, A. G.; DIAS, V. V. 2010. A inovação tecnológica sustentável e a geração de valor sustentável na indústria química. Revista eletrônica de Gestão de Negócios, v. 6, n. 3, jul.-set./2010, p. 114-139.
MOURA, M. R. S. A. L.; MELLO, M. J. G.; CALÁBRIA, W. B.; GERMANO, E. M.; Ruben Rolando Schindler MAGGI, R. R. S.; CORREIA, J. B. 2012. Frequência de Escherichia coli e sua sensibilidade aos antimicrobianos em menores de cinco anos hospitalizados por diarreia aguda. Rev. Bras. Saúde Materno Infantil, Recife, 12 (2): 173-182 abr. / jun., 2012.
PEREIRA, M. L. D.; ARAÚJO JUNIOR, C. F.; SCHIMIGUEL, J. 2014. Ensinando a distribuição de probabilidade normal utilizando os recursos do Microsoft Excel.Revista académica de economia: En Observatorio de la Economía Latinoamericana, Número 193, 2014.
RUI, B. R.; ANGRIMANI, D. S. R.; CRUZ, L. V.; MACHADO, T. L.; LOPES, H. C. 2011. Principais métodos de desinfecção e desinfectantes utilizados na avicultura: revisão de literatura. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, Ano IX, N° 16, 2011.
SÁ, L.F.; JUCÁ, J.F.T.; MOTTA SOBRINHO, M.A. 2012. Tratamento do lixiviado de aterro sanitário usando destilador solar. Revista Ambi-Água, Taubaté, v. 7, n. 1, p. 204-217, 2012.
SATAKE, F.M; ASSUNÇÃO, A.W.A.; LOPES, L.G.; AMARAL, L.A. 2012. Qualidade da água em propriedades rurais situadas na Bacia Hidrográfica do Córrego Rico, Jaboticabal-SP. Revista ARS Veterinária, Jaboticabal, SP, v.28, n.1, 048-055, 2012.
SCHOSSLER, T.R.; MACHADO, D.M.; ZUFFO, A.M.; ANDRADE, F.R.; PIAUILINO, A.C. 2012. Salinidade: efeitos na fisiologia e na nutrição mineral de plantas. Revista Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer, Goiânia, v.8, n.15; p. 1563-1578, 2012.
SILVA, R. M. A. 2007. Entre o Combate à Seca e a Convivência com o Semiárido: políticas públicas e transição paradigmática. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 38, nº 3, jul-set. 2007.
SOARES, C. 2004. Tratamento de água unifamiliar através da destilação solar natural utilizando água salgada, salobra e doce contaminada. 2004. 110f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental), Florianópolis: UFSC, 2004.
SODIS – SOLAR WATER DISINFECTION. Homepage, 2002. Disponível em: http: www.sodis.ch. Acessado em 06 de outubro de 2015.
VAREJÃO-SILVA, Mário Adelmo. 2006. Meteorologia e Climatologia. Versão digital 2, Recife, 2006.
VARGAS, B.C.I.; SILVEIRA, C.E.; COSSA, C.A.; YOSHIDA, M. K. 2012. Destilador solar de baixo custo. Revista Ciências do Ambiente, On-Line, Vol. 8, Número 1, Março, 2012.
VIANELLO, R. L. & ALVES, A. R. 2004. Meteorologia Básica e Aplicações. 1. ed. Viçosa: UFV, 2004, p. 58 a 72.
1. Doutorando em Recursos Naturais. UFCG. E-mail: adailton_limasilva@hotmail.com
2. Doutoranda em Recursos Naturais. UFCG. E-mail: monalisacristinasm@hotmail.com
3. Profa. Dra. Unidade Acadêmica de Eng. Agrícola, UFCG. E-mail: antuneslima@gmail.com
4. Prof. Dr. Centro de Ciências Agrárias e Ambientais, UEPB. E-mail: chicohare@yahoo.com.br
5. Prof. Dr. Departamento de Ciências Atmosféricas, UFCG. E-mail: pvieira@dca.ufcg.edu.br
6. Tayama Rodrigues Uchoa. UEPB- Esp. em Agroecologia. E-mail: tayamaz12@gmail.com
7. Luiz Carlos Porto Otoni – Bacharel em Agroecologia. E-mail: luizp.otoni@gmail.com