Espacios. Vol. 37 (Nº 27) Año 2016. Pág. 22
Edimilson Eduardo da SILVA 1; Érika Loureiro BORBA; Jéssica de Carvalho MACHADO
Recibido: 15/05/16 • Aprobado: 21/06/2016
3. A Economia Solidária no Brasil
5. Política Pública Municipal de Economia Solidária
RESUMO: A economia solidária se constitui mais uma alternativa para a redução da precariedade do emprego e renda advindos do modelo capitalista. Sua principal característica é a promoção de empreendimentos individuais e coletivos de cunho autogestionário, com o objetivo de contribuir na formalização da economia informal. Desta forma, este estudo objetiva analisar o processo de formação e contribuição dos atores na elaboração da política pública de economia solidária no município de Lavras-MG. A abordagem empregada é caracterizada como de natureza qualitativa, utilizando como ferramentas de coleta de dados, a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, a observação participante e relato de experiência dos atores sociais envolvidos na formulação e aplicação da Lei. Por meio da análise dos dados infere-se que a legitimação dessa política pública representa um importante avanço no fortalecimento de estratégias de enfrentamento da pobreza e exclusão social através do fomento de empreendimentos individuais e coletivos, além de promover práticas cidadãs. Como limitações, observa-se pouco entendimento e importância por parte dos gestores públicos sobre a economia solidária, acarretando ausência de recurso público e a sua efetiva aplicabilidade. |
ABSTRACT: The solidarity economy is an alternative to reduce the precariousness of employment and income arising from the capitalist model. Its main feature is the promotion of individual and collective enterprises of self-managed nature, with the objective to contribute to the formalization of the informal economy. In this way, this study aims to analyze the process of formation and contribution of the actors in the elaboration of public policy on social economy in Lavras-MG. The approach is characterized as qualitative, using as data collection tools, literature, documentary research, participant observation and reporting experience of social actors involved in the formulation and application of the law. Through the analysis of the data it is inferred that the legitimacy of this public policy is an important step forward in strengthening coping strategies of poverty and social exclusion by fostering individual and collective enterprises, in addition to promoting humane practice. As limitations, there is little understanding and importance by the public managers of the solidarity economy , causing lack of public resources and their effective applicability. |
A instituição de uma política pública inicia a partir da identificação de um problema público e, consequentemente, da proposição de ações para seu combate e minimização, visando sempre o atendimento das necessidades de determinada população.
Para que uma política pública seja considerada de excelência, ela demanda o exercício de princípios da democracia, no que diz respeito às trocas de informações e no planejamento das ações, a integração entre os setores público e privado, de forma a potencializar as ações para o enfretamento do problema. A criação de espaços públicos que incentive e fomente o entendimento entre os atores envolvidos, o Estado, o mercado e a sociedade contribuem na excelência das ações públicas e na consolidação de uma democracia.
A temática economia solidária vem ganhando cada vez mais espaço no campo das políticas públicas, por ser uma alternativa de enfrentamento de problemas como o desemprego, a precarização do trabalho como também a concentração da renda. Embora essa economia tenha ganhado espaço nos últimos anos entre as prioridades do governo, ainda há poucas iniciativas para o desenvolvimento dessa área na geração de trabalho e renda.
Para minimização deste quadro, o governo vem estimulando a transformação do trabalho informal em postos de trabalho formal, por meio de políticas públicas de inclusão social. Nesse sentido, a economia solidária como prática econômica vem se consolidando por meio da efetivação de programas e leis pelas três esferas governamentais.
Contudo, observa-se que as pesquisas a respeito de formulação, implementação e a avaliação dessas políticas em âmbito municipal ainda são escassas e restritas. São poucos os centros de pesquisa ou universidades que se dedicam a estudar o contexto de criação, formulação e implementação e avaliação de políticas públicas municipais, o que significa que há um campo aberto de crescimento. É nesse contexto que se insere este artigo ao procurar analisar o processo de formulação da lei no 3.479/09, de forma a contribuir com o desenvolvimento científico da área. A partir das considerações, pergunta-se: como ocorreu o processo de formulação e contribuição dos atores na política pública de economia solidária no município de Lavras-MG? A resposta a essa questão é apresentada no texto.
No intuito de responder a questão de pesquisa, o trabalho está estruturado em seis seções, a contar dessa introdução. Na segunda seção é apresentada as políticas públicas e seus ciclos. Na terceira é apresentada a economia solidária no Brasil. Na quarta seção são descritos os métodos e procedimentos utilizados na coleta e análise dos dados. A quinta é apresentada a política pública de economia solidária e, por último, são feitas algumas considerações finais, ressaltando as limitações do estudo.
A globalização promoveu mudanças profundas nos governos, especialmente, nos setores econômico, social e político que, consequentemente, reordenou as relações entre Estado, mercado e sociedade com reflexo também nas políticas públicas. Sendo assim, as políticas públicas não podem ser analisadas sem a devida compreensão do seu contexto histórico que influencia diretamente sua constituição, elaboração e efetivação (Bonetti, 2011).
A preocupação com a gestão das políticas públicas iniciou-se a partir de estudos sobre a redemocratização e as formas de gestão do orçamento no final da década de 1980. Segundo Gelinski e Seibel (2008), este fato ocorreu por três motivos: pela adoção de políticas de contenção de gastos que contribuiu para o fomento de estudos para melhorar a gestão das políticas públicas; o caráter pontual das políticas sociais e a dificuldade de equacionar os recursos frente às necessidades da população.
Essa nova estratégia de gestão de cunho social deu origem a uma modernização no aparato estatal. Desta forma, o Estado moderno apresentou-se como característica e proposição de um maior número de políticas públicas que os demais atores, ou seja, como a sociedade e o mercado, tendo em vista ser esta uma das suas funções principais (Secchi, 2010).
As políticas públicas são responsáveis pelo desenvolvimento dos setores que dependem da ação direta do governo como o social e o econômico ou para dirimir os problemas entre Estado e sociedade. Essas questões, na visão de Saravia (2006), constituem em um dever do Estado frente aos cidadãos, onde as decisões são tomadas com foco na manutenção do equilíbrio social ou para provocar desequilíbrios necessários à modificação de uma realidade.
A política pública pode ser conceituada como uma ação desenvolvida pela esfera governamental derivada de uma demanda social com o objetivo de mudar uma determinada realidade. Neste sentido, a política se define como o resultado das ações do governo, que tem legitimidades para desenvolver tal função, cujos resultados podem atingir toda sociedade ou parte dela (Meny E Thoenig, 1992; Carvalho, 2005). Uma política pública não se resume em mera atuação estatal com o objetivo de promover o investimento social, ela precisa conter também um conjunto de ações que visem à construção de um futuro real (Bonetti, 2011), requerendo análises avaliativas dos investimentos públicos realizados, identificação das categorias sociais contempladas e gerenciamento dos recursos públicos envolvidos deste a formulação até sua implementação. Desta forma, faz-se necessária a distinção entre política governamental e política pública. Assim, pela percepção de Secchi (2010):
“Políticas governamentais são aquelas políticas elaboradas e estabelecidas por atores governamentais. Dentre as políticas governamentais estão as emanadas pelos diversos órgãos do poder Legislativo, Executivo e Judiciário. Nos dias atuais, as políticas governamentais são o subproduto mais importante das políticas públicas [...]” (p.4).
As políticas públicas ultrapassam, portanto, a perspectiva das políticas governamentais tendo em vista que, segundo Heidemann (2009), o governo não é a única esfera capaz de promover políticas públicas. Para Parada (2006), a política pública de excelência se perfaz por ações e fluxos de informações que se relacionam com objetivos definidos de forma democrática, pela interação entre setor público, comunidade e setor privado, que permite estreitar discussões políticas, diferenciar problemas e soluções de forma específica e promover ações conjuntas e sequenciais como, por exemplo, as políticas públicas de economia solidária.
A intervenção política e administrativa de uma política pública deve ser intermitente, ou seja, deve envolver decisões e ações selecionadas na sua consecução, para que a mesma seja direcionada ao alcance dos objetivos propostos (Rua, 1997) e, principalmente, dependa da interação de diversos atores que se articulam envolvidos pela realidade atual e junção ou não de forças para alcançar seus interesses (Muller E Surel, 2008).
O estudo de uma política pode ser conduzido de diversas formas, cujas principais são: pela análise dos conteúdos políticos visando descrever e explicar a formulação e o desenvolvimento de políticas específicas; pela análise dos processos das políticas com o objetivo de analisar sua formação e a influência dos setores neste processo; por meio do estudo que vise equacionar o nível de despesa em relação ao fornecimento dos serviços; através da avaliação que se conduz por análises de economicidade, eficiência e eficácia; através da coleta de dados com o objetivo de embasar futuras decisões sobre determinada política e pela análise do processo com o objetivo de melhorar os sistemas de elaboração das políticas buscando novas opções para sua efetivação (Saravia, 2006).
O ciclo de políticas públicas corresponde a uma sequência de fases interdependentes que culminarão na constituição e implementação de uma política. Este ciclo, conforme sinaliza Secchi (2010), possui sete fases principais que são a identificação do problema, formação de agenda, formulação, tomada de decisões, implementação, avaliação e extinção.
A fase da formulação envolve o levantamento de alternativas, por canais formais e informais, baseadas na correlação entre custo e benefício. E também se constitui pelo momento em que os atores dizem o que esperam como resultado de uma política pública (Saravia, 2006; Secchi, 2010), ou seja, deve se pautar pela construção de um diagnóstico capaz de identificar as necessidades reais dos destinatários da política a fim de apontar as melhores soluções para o enfrentamento do problema. É nesta fase que as melhores alternativas são selecionadas e ocorre a posterior a divulgação da decisão a ser adotada apontando os objetivos, o marco jurídico, o administrativo e o financeiro (Saravia, 2006).
O planejamento nesta etapa, segundo Oliveira (2006), deve conter a participação daqueles que estarão mais próximos do resultado da ação, ou seja, a população afetada deve influenciar diretamente o planejamento, consolidando assim a prática de cidadania deliberativa, significando que a legitimidade das decisões originou-se de processos de discussão orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum (Tenório, 2008, p.41). Esta prática conduz para uma aproximação maior entre Estado e sociedade, para o desenvolvimento da cidadania e para a redução de possíveis erros que possam ocorrer no processo de implementação da política, valorizando o papel da sociedade como protagonista.
Neste sentido, Secchi (2010) destaca que o estudo das políticas pode derivar de duas abordagens, a elitista e a multicêntrica. A primeira considera a formulação de uma política pública como uma atividade exclusiva dos atores estatais, sendo este um critério de definição para uma política ser pública ou não. A abordagem multicêntrica contempla a visão de que os demais atores sociais, as organizações privadas e não governamentais, os organismos multilaterais e os grupos sociais, interligados com os atores estatais também possuem competência para a construção de políticas públicas.
A temática econômico-solidária vem ganhando cada vez mais espaço no cenário econômico brasileiro, por ser uma alternativa de enfrentamento da crise da falta de emprego presente em todo o território nacional. Como traços marcantes de tal crise destacam-se o aumento do desemprego, a precarização do trabalho como também a concentração da renda.
É notória que essa crise histórica enfrentada pelo país está diretamente associada à escassez do trabalho formal e pelo grande contingente de pessoas envolvidas com o trabalho informal. Diante disso, nos últimos anos o Estado vem estimulando a transformação do trabalho informal em postos de trabalho formal, por meio de políticas públicas de inclusão social. A economia solidária está inserida neste contexto como uma forma plural que inclui e formaliza a economia informal, monetária e não monetária.
De acordo com França Filho e Laville (2004) a economia solidária pode ser definida como uma outra economia que se gesta em diferentes partes do mundo a partir de iniciativas, sobretudo, as de natureza cooperativista e associativista, oriundas da sociedade civil e dos meios populares. Tais iniciativas assumem diferentes configurações, desde aquelas que criam o seu próprio circuito de produção e consumo, alimentando cadeias sócio-produtivas autônomas e, em alguns casos, fortemente baseadas em relações não-monetarizadas, até outras que empreendem relações mais permanentes com o mercado e desenvolvem diferentes tipos de parcerias com os poderes públicos.
As formas assumidas por esta economia variam de acordo com as diferentes regiões e países, de cooperativas de produção e prestação de serviços, passando por bancos comunitários, clubes de troca e associações de serviços em países latino-americanos, até as cooperativas sociais, associedades cooperativas de interesse público, as empresas sociais ou os sistemas de trocas locais, entre outros, em países europeus.
Este fato faz da via econômica solidária uma colaboradora na questão da promoção e desenvolvimento da cidadania na medida em que busca fortalecer e valorizar as trocas informais, promovendo a organização formal por meio de cooperativas populares, associações, clubes de troca, dentre outros. Isso também vem a coadunar com as ideias de Singer (2005) que define a empresa solidária como aquela que possibilita que o capital seja possuído pelos que nela trabalham, fazendo com que nesta forma de organização, o trabalho e o capital sejam fundidos, uma vez que não há proprietários que não trabalhem na empresa e a sua finalidade não se constitui em maximizar o lucro, mas sim a quantidade e a qualidade do trabalho. O mesmo autor ainda define a empresa solidária como a forma de organização das pessoas em que não há lucro, uma vez que nenhuma parte de sua receita é distribuída em proporção às cotas do capital. Ao inserir trabalhadores desempregados e em situação de trabalho precarizado na economia solidária, essa forma de organização contribui para a emancipação desses indivíduos como cidadãos.
Além disso, essa alternativa de produção objetiva o desenvolvimento humano, através das práticas fundamentadas em solidariedade, cooperação, sustentabilidade e democracia. Nesse sentido, o princípio da solidariedade na economia pressupõe uma organização igualitária dos seus membros que se associam para produzir, comerciar, consumir e poupar (Singer, 2002, p.9). A cooperação acontece pela existência de interesses e objetivos comuns, na união dos esforços e capacidades, propriedade coletiva parcial ou total de bens, partilha dos resultados e responsabilidade solidária diante das dificuldades (SENAES, 2006). A sustentabilidade se consolida por meio do trabalho conjunto entre economia e ecologia, respeitando as pessoas e os recursos naturais, e o processo democrático ocorre nas tomadas de decisão que são coletivas e democráticas em associações cooperadas. Desta forma, na perspectiva de Singer (2002), a aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica.
A economia solidária pode se desenvolver por meio de uma diversidade de experiências que resultam em três modalidades principais: os empreendimentos econômicos solidários (EES), isto é, iniciativas que operam a economia solidária na ponta; a entidades de apoio e fomento (EAF) que dão apoio aos empreendimentos; e as formas de auto-organização política (França Filho, 2002).
Nos empreendimentos de economia solidária, prevalece uma dupla dimensão das iniciativas, ao mesmo tempo, econômica e política (Laville; França Filho, 2006), que são descritas em quatro esferas de ação como o comércio justo, as finanças solidárias, a economia sem dinheiro e as empresas sociais. A prática do comércio justo se dá pelo desenvolvimento de uma rede comercial a preços justos, onde os benefícios do processo produtivo devem ser repartidos mais eqüitativamente entre grupos. Nas iniciativas de finanças solidárias têm-se os bancos populares, as cooperativas de créditos que trabalham na modalidade de microcrédito para pequenas iniciativas de organização coletivas populares. Já as práticas da economia sem dinheiro representam os sistemas de trocas locais denominados como clubes de troca e/ou feiras de trocas solidárias. Como exemplo de empresas sociais é possível destacar a Associação Nacional dos Trabalhadores das Empresas Autogeridas (ANTEAG) e a Federação de Cooperativas de Trabalho do Estado de São Paulo (França Filho, 2006).
No que se refere às entidades de apoio e fomento, tem-se como exemplo as sociedades eclesiais de base ligadas da Igreja Católica, o Movimento dos Sem Terra (MST) e as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs) que prestam serviços de assessoria e apoio aos empreendimentos econômicos solidários.
Nesse sentido, auto-organização política se revela com mais um espaço público cujo objetivo é propor mudança institucional para reconhecer outro modo de instituir a prática econômica, como as redes e os fóruns (França Filho, 2006). As redes compreendem um conjunto de atores públicos e privados autônomos que unem idéias, tecnologias e estruturas em torno de valores compartilhados (Marteleto, 2001) que visam objetivos comuns e, dessa forma, criam relações entre os atores dessa nova economia na iminência de sua institucionalização. No que diz respeito aos fóruns, segundo Paes de Paula (2005), correspondem a experiências democráticas que criam espaços para discussão e confronto de idéias, que socializam informações e se solidarizam em relação aos problemas e necessidades de seus pares. Esses mecanismos institucionais possuem como vantagens a fluidez e o dinamismo das informações.
Sendo assim o avanço e crescimento das práticas solidárias despertou a necessidade de sua normatização por meio da criação de políticas públicas nas esferas governamentais federal, estadual e municipal como, por exemplo, o programa nacional de economia solidária que introduziu as primeiras políticas públicas especificas desta área, a Lei n. 15.028 de 19/04/04, que institui a Política Estadual de Fomento a Economia Popular Solidária no Estado de Minas Gerais, que são resultados da reivindicação antiga de formalizar a economia informal, monetária e não monetária. Em nível municipal destaca-se a Lei 3.479/09, criada para institucionalizar essa prática no município de Lavras, que surgiu a partir do interesse dos atores, públicos e privados, na tentativa de estabelecer mais uma alternativa de combate à precarização do emprego e renda nesta localidade.
A abordagem empregada é caracterizada como de natureza qualitativa, utilizando como ferramentas de coleta de dados, a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, a observação participante e roteiro de entrevista aplicado junto aos atores sociais envolvidos na criação, formulação e aplicação da Lei. Este estudo de caráter descritivo sobre a lei 3.479/09 conduzirá suas análises pautado nas abordagens propostas por Secchi (2010), que destaca o estudo das políticas a partir de duas abordagens, a elitista e a multicêntrica. Na perspectiva de Saravia (2006) e Secchi (2010), ao pautarem pela construção de um diagnóstico identificador das necessidades reais dos destinatários da política a fim de apontar as melhores soluções para o enfrentamento do problema. Nesse sentido, o objeto desta pesquisa é analisar o processo de formação e contribuição dos atores na elaboração da política pública de economia solidária em Lavras-MG.
Referente aos procedimentos intelectuais e técnicos do projeto, Demo (2014) trata como metodologia o estudo dos caminhos, dos instrumentos usados para se fazer ciência. Nesse sentido, o estudo utilizou como instrumentos o Levantamento bibliográfico sobre o tema, pesquisa documental sobre políticas públicas e economia solidária no Brasil, entrevista com atores sociais envolvidos na economia solidária no município de Lavras-MG, em janeiro de 2015, e por fim, a observação participante. Para o levantamento bibliográfico, os dados primários foram coletados mediante busca dos termos “economia solidária” e “política pública”, no campo assunto, utilizada como ponto de partida da pesquisa. Na pesquisa documental, fez-se busca em documentos sobre o tema em instituições oficiais de reconhecimento público, como Fórum Brasileiro de Economia (FBES), e a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). Os relatos de experiências foram realizados no mês de janeiro de 2015. O conteúdo da entrevista levou em conta perguntas referentes ao processo de elaboração da política pública de economia solidária e elementos após a promulgação da lei municipal. A observação participante ocorreu durante todo o processo de realização da pesquisa.
A política pública de economia solidária apresenta-se como uma nova concepção de política de trabalho e renda, de desenvolvimento, que norteia reduzir as desigualdades. A economia solidária está organizada em diversos mecanismos institucionais como a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho que tem por objetivo é o fomento da economia solidária em âmbito nacional, e Fórum Brasileiro de Economia (FBES), composto por representantes de empreendimentos, entidades de fomento e redes internacionais, com o objetivo de se constituir com um espaço de debates sobre as práticas solidárias, assim como os fóruns estaduais, regionais e municipais.
A respeito da economia solidária como política pública em nível federal, Natividade, Pereira e Oliveira (2011) afirmam que o Governo Federal lançou, em 2004, o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento que marcou a introdução de uma agenda de políticas públicas específicas para a economia solidária em âmbito nacional, e conjuntamente o Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (Proninc), representando segundo Singer (2009) uma das principais ações desenvolvidas pelas SENAES. Na esfera estadual tem-se a Lei no 15.028 de 19/04/04, que institui a Política Estadual de Fomento a Economia Popular Solidária no Estado de Minas Gerais.
No caso do município de Lavras, a ideia da criação da lei institucionalizadora da economia solidária surgiu por meio de interesses de atores sociais que participaram de uma reunião da Regional Sul de Minas de Economia Solidária e do Fórum Sul Mineiro realizado no município de Varginha-MG no ano de 2008. A partir daí, formou-se um grupo de representantes das três modalidades que foram os empreendimentos econômicos solidários (EES), como a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis (ACAMAR), e a Associação Lavrense de Artesão de Arte Culinária (ALAC); a entidade de apoio e fomento (EAF) que a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal de Lavras (UFLA); e as formas de auto-organização política que foi a Câmara Legislativa de Lavras e da Prefeitura Municipal de Lavras (FRANÇA FILHO, 2002).
Por meio das técnicas de pesquisas observou-se que no processo de planejamento da política de economia solidária em nível municipal ocorreu por meio da participação efetiva dos atores que para Oliveira (2006) a etapa de planejamento deve conter a participação daqueles que estão mais próximos do resultado da ação e a promulgação e implementação dessa nova política influencia diretamente nas ações dos empreendimentos nesse contexto.
A prática democrática de decisão desde a formulação até a implementação da política de economia solidária aproxima-se do conceito de democracia deliberativa proposta por Tenório (2008), onde todos os atores, seja empreendimentos, entidades de apoio e fomento e o poder público participaram ativamente do processo, configurando-se o pluralismo, a inclusão, a igualdade participativa, a autonomia tudo em favor do bem comum, a economia solidária municipal.
Depois de diversos debates, entre a prefeitura e os demais atores, formada a agenda da nova política, foram criadas as diretrizes de fomento da economia solidária no município que constituem a Lei Municipal no 3.479, promulgada em 08 de junho de 2009, representando um conjunto de ações públicas que contemplam a população trabalhadora no sentido de fomentar e promover empreendimentos populares coletivos. Esta dinâmica de participação e influência dos atores na formulação desta lei (revela) aproxima-se da característica principal da abordagem multicêntrica que é a interação entre os atores em defesa de um interesse comum. A política pública para Romano (2009) deve ser entendida como um conjunto de ações ou propostas que objetivam a regulação de problemas e contradições da sociedade. Desta forma, os atores interagem com estratégias, capacidade e poder de negociação para influenciar a escolha destas políticas.
Estes empreendimentos, de acordo com esta lei, se destinam à produção de bens, serviços e bancos comunitários cujo desenvolvimento se pauta pela gestão democrática, cooperação, solidariedade e autogestão de forma que as riquezas decorrentes sejam dividas igualitariamente entre os participantes.
Como princípios desta política a lei destaca: o bem-estar, justiça social, o controle coletivo do processo produtivo pelos trabalhadores, o fomento da autogestão, cooperação e solidariedade e o desenvolvimento sustentável. Esse princípio é elucidado no relato de um entrevistado que diz:
“[...] a lei fortalece os empreendimentos [...]”.
Pela análise do texto legal é possível ressaltar o interesse da administração municipal em promover o desenvolvimento socioeconômico local, o aumento do acesso dos cidadãos ao trabalho e renda, a promoção de modelos sócio produtivos coletivos e individuais, e novas tecnologias, o apoio à sustentabilidade, estímulo à produção e comércio de bens e serviços relativos à economia solidária e agricultura familiar, promover a criação de redes de empreendimentos e de grupos produtivos, promover a intersetorialidade e integração das ações do poder público municipal para facilitar a implementação da lei.
A lei municipal define a economia solidária como empreendimentos “organizados sob a forma de cooperativas, associações, grupos comunitários supra familiares, para a geração de trabalho e renda, empresas, micro empresas, empresas de pequeno porte que adotem o princípio da autogestão equitativa, redes solidárias e outros grupos populares [...]” (LAVRAS, 2009).
No que diz respeito aos grupos populares, segundo a lei, estes devem ter as seguintes características: serem organizações coletivas e supra familiares, cujos membros sejam proprietários do patrimônio e que sejam balizados pela autogestão com divisão equitativa da administração e dos resultados. Sendo assim, a adesão deve ser de forma livre e voluntária além de cooperada, contribuindo para as práticas democráticas e cidadãs, ou seja, suas ações e serviços devem demonstrar a função social e serem lícitos.
Os beneficiários desta lei são os cidadãos que, individualmente ou em grupo, promovam o desenvolvimento econômico pautado pela inclusão social, aqueles participantes de programas sociais desenvolvidos por outros órgãos pertencentes à Prefeitura Municipal de Lavras ou demais órgãos do governo que manifestam o desejo de desenvolverem empreendimentos populares e solidários ou que já constituíram tal empreendimento.
No que se refere às finanças solidárias, as normas referentes às linhas de crédito previstas pela lei serão estabelecidas pelo poder executivo municipal e as mesmas devem corresponder às especificidades de cada negócio. Para o financiamento desta política pública foi criado o Fundo Municipal de Trabalho e Renda Solidária responsável pela captação de recursos e financiamento dos empreendimentos. A lei institui também o programa Crédito Solidário que tem como função incentivar e prover a manutenção dos empreendimentos solidários e/ou populares. No município foram muitas iniciativas populares beneficiadas pelo crédito, conforme visto no relato:
“[...] no crédito solidário foram beneficiadas em torno de 50 a 60 pessoas [...]”.
Uma política pública para ser efetiva depende da atuação de um órgão responsável exclusivamente pela sua implementação. Nesse sentido a lei de economia solidária criou o Conselho Geral Gestor que é composto por dois representantes da Secretaria de Promoção da Cidadania, dois de entidades de apoio e cinco de empreendimentos solidários para zelar pelo cumprimento da lei e contribuir para a integração das políticas públicas municipais de economia solidária, além de encaminhar sugestões a administração municipal para criação de novos projetos, fiscalizar, monitorar e avaliar periodicamente estas ações.
“[...] o conselho gestor foi criado juntamente com a lei”.
Com relação aos processos de incubação dos empreendimentos proporcionados pelas entidades de apoio e fomento, a lei prevê um período de até 24 meses, cujo processo potencializa a constituição e aperfeiçoamentos destes empreendimentos de economia solidária com o objetivo de fomentar práticas autogestionárias, a formação do participante para que seja capaz de realizar o trabalho e gerar renda, facilitar a operacionalização dos empreendimentos e a integração dos mesmos com a comunidade por ser este um meio promover o desenvolvimento local.
Posteriormente, a avaliação desta incubação é feita através dos seguintes parâmetros: inclusão social e desenvolvimento cidadão (melhoria da renda, sociabilidade, reinserção do mercado, aquisição de bens, melhoria da saúde, etc); sustentabilidade dos empreendimentos (formalização, legalização organização, acesso ao crédito, gestão coletiva, etc); transformação social e política do indivíduo e do grupo; ampliação da participação e gestão democrática e coletiva, contribuição para o desenvolvimento de redes solidárias.
Com o objetivo de promover a identificação pelos consumidores dos produtos gerados a partir desta política a lei sugere a criação do selo solidário, mas que ainda não se efetivou.
Embora haja uma política pública relacionada à economia solidária percebe-se uma falha na sua aplicabilidade por meio do relato da situação atual:
“[...] quando foi criada a lei ela funcionou, pois foi criado o conselho gestor e o crédito solidário [...]”.
“[...] hoje a lei está parada [...]”.
Observou-se também que o Conselho Geral Gestor no atual contexto não funciona de forma efetiva no monitoramento, avaliação e fiscalização da política pública devido a pouca importância e entendimento do tema por parte dos gestores públicos, acarretando uma ausência de recurso público para o crédito solidário e a pouca informação repassada ao órgão gestor sobre a realidade das finanças solidárias do município.
O estudo objetivou analisar o processo de formação e contribuição dos atores na elaboração da política pública de economia solidária no município de Lavras-MG, tendo como aporte teórico as abordagens propostas por Secchi (2010), como também pela perspectiva descrita por Saravia (2006) relativa à análise dos processos das políticas através da influência dos atores envolvidos neste processo.
Por meio da aplicação das técnicas de pesquisas infere-se que a política municipal de economia solidária da cidade de Lavras foi resultado de influência e articulação de diversos atores, como empreendimentos econômicos solidários (ALAC, ACAMAR), entidades de apoio e fomento (UFLA), do poder legislativo e executivo que desde o ano de 2008 articulam entre si na constituição e acompanhamento de empreendimentos solidários. Sendo assim, percebe-se a predominância da abordagem multicêntrica, definida por Secchi (2010), onde os atores sociais, as organizações privadas e grupos sociais interligaram aos atores estatais na construção da política pública. A partir das práticas democráticas deliberativas de discussão e debates, como fóruns e conferências, estes grupos puderam ter mais acesso a informações, meios de capacitação para o desenvolvimento das atividades econômicas de seu domínio através da autogestão, fomentando práticas em redes com o objetivo de desenvolver a economia solidária como atividade econômica de geração de trabalho e renda.
Essa política pública traz em seu bojo algumas inovações, das quais destacam-se:
i) a criação de um fundo municipal de trabalho e renda solidária que beneficia as iniciativas informais de geração de emprego;
ii) o “Crédito Solidário”, que passou a compor o orçamento público do município de Lavras;
iii) a criação do Conselho Geral Gestor de Economia Popular Solidária, órgão deliberativo, consultivo, monitorador, avaliador e fiscalizador desta política pública;
iv) a proposta de criação do “Selo Solidário”, que visa identificar os produtos dos empreendimentos econômicos solidários que possuem o caráter solidário e ecológico em seus insumos, produção, industrialização, transporte e comercialização.
Essa identificação por meio do selo solidário pretende demonstrar ao consumidor que o produto produzido e comercializado atende a todos os princípios previstos pela Lei Municipal 3.479/09, principalmente com relação às etapas de sua produção.
Observa-se que no processo de interação entre os empreendimentos pertencentes à economia solidária municipal prevalece os princípios: da solidariedade a partir do momento em que todos se organizaram igualitariamente na realização dos seus espaços de debate para a criação da lei, tendo respeitado o direito a voz e voto; da cooperação através da escolha dos objetivos e princípios comuns que permeiam os empreendimentos, representando o desenvolvimento da economia solidária como prática econômica; da sustentabilidade através da preocupação dos empreendimentos com a produção e comercialização de produtos que respeitam o meio ambiente, como as práticas de reaproveitamento, reciclagem; e da democracia que ocorre nos processos de decisão, nos fóruns e redes, seja, nas esferas institucionais municipal, estadual e federal.
A lei sinaliza que a implementação da política pública de economia solidária deve oferecer instrumentos que visem o fortalecimento e a sustentabilidade dos empreendimentos de forma a desenvolver a formação técnica, a constituição de redes solidárias para produção e comercialização de bens e serviços, a melhora do acesso às vias de crédito solidário, apoio a pesquisas e inovações, disponibilidade de assessoria técnica, contábil e jurídica, fomento de estratégias de incubação e acompanhamento deste processo, adequação tributária destes empreendimentos e apoio financeiro para recuperar e reativar empresas.
Por meio das técnicas de observação e relatos, observou-se que a elaboração da política pública de economia solidária do município de Lavras é resultado de um conjunto de experiências dos empreendimentos econômicos solidários locais, como a ACAMAR e a ALAC, com o apoio de entidade e fomento, a INCUBACOOP/UFLA, que conjuntamente vem participando de espaços políticos auto-organizados como o fórum sul mineiro, o fórum estadual, as conferências municipal, estadual e nacional contribuindo no desenvolvimento dessa política pública local. O estudo apontou que a lei municipal de economia solidária foi resultado das interações entre os diversos atores públicos e privados, reflete a convergência de interesses destes, inferindo que sua elaboração levou em consideração as experiências práticas locais e que sua legitimação como prática econômica no município de Lavras representa um importante avanço no que diz respeito ao fortalecimento de estratégias de enfrentamento da pobreza e exclusão social através do fomento de empreendimentos individuais e coletivos, além de promover práticas cidadãs.
Embora a política pública municipal aponte para uma abordagem multicêntrica de interação de diversos atores, percebe-se como limitações a pouca importância e entendimento dos gestores públicos ao tema, acarretando ausência de recurso público para o fomento da economia solidária, especificamente nas finanças solidárias.
A pesquisa comprometeu-se em analisar o processo de formação e contribuição dos atores na política pública de economia solidária, cabe ressaltar que como em toda pesquisa há limitações, e este estudo possui as suas tais como: (i) existência de poucos estudos sobre a lei economia solidária em âmbito municipal; (ii) ausência de dados recentes sobre a implementação da lei 3.479/09 em Lavras; e (iii) dificuldade de encontrar informações sobre a avaliação da política pública de economia solidária no município. Essas limitações revelam a necessidade de novos estudos sobre a implementação e avaliação de políticas públicas de economia solidária em âmbito municipal.
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