Espacios. Vol. 37 (Nº 23) Año 2016. Pág. 22
Raquel BREITENBACH 1; Janaína Balk BRANDÃO 2; Dionatan José VITALI 3
Recibido: 12/04/16 • Aprobado: 11/05/2016
RESUMO: O presente estudo buscou identificar o perfil gerencial de agricultores familiares produtores de soja do Norte do Rio Grande do Sul Brasil, definir o nível de administração dos seus estabelecimentos, caracterizando as unidades de produção e identificando o conhecimento destes agricultores acerca dos custos relacionados às atividades agropecuárias que desenvolvem. Constatou-se que 99,5% dos agricultores têm pouca noção dos lucros das atividades; 87,3% têm conhecimento apenas 'aproximado' de custos das atividades; 30% se consideram 'organizado' e 'muito organizado'. Mesmo assim, 59% se consideram bons administradores e 70% 'gostam' ou 'gostam muito' de gerenciar a propriedade. |
ABSTRACT: This study sought to identify the managerial profile of family farmers north of soybean producers in Rio Grande do Sul Brazil, set the level of management of their establishments, characterizing the production units and identifying the knowledge of these farmers about the costs related to agricultural activities they develop. It was found that 99.5% of farmers have little idea of the profits of activities; 87.3% know only 'approximate' of the activities costs; 30% consider themselves to be 'organized' and 'very organized'. Still, 59% consider themselves to be good stewards and 70% 'like' or 'very fond' to manage the property. |
O presente trabalho teve como público alvo, agricultores familiares da região norte do Rio Grande do Sul/Brasil que produzem soja e comercializam para uma importante empresa regional que faz a extração do óleo. Porém, cabe ressaltar que quando se trata da agricultura familiar é fato sua heterogeneidade, já que coexistem diversas categorias de agricultor familiar, seja em nível de América Latina, Brasil e até mesmo dentro do RS. Cabe salientar ainda que apesar da existência desses estabelecimentos familiares e da evidente diversidade no Brasil, a expressão "agricultor familiar" ganhou legitimidade a partir da década de 1990, sendo formalmente definida pela Lei 11.326/06. A referida Lei destaca que agricultor familiar é o produtor que atende, simultaneamente, aos seguintes requisitos: (i) não possui área maior do que quatro módulos fiscais;1 (ii) utiliza preponderantemente mão de obra da própria família em seu estabelecimento; (iii) possui renda familiar originada primordialmente de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento; e (iv) dirige com sua família o estabelecimento (Brasil, 2006).
As unidades de produção familiares representam um segmento importante na economia de vários municípios e produzem mais de 50% da produção dos alimentos consumidos no Brasil (IBGE, 2009). Estes produtores e seus familiares são responsáveis por muitos empregos no comércio e nos serviços prestados nas pequenas cidades (Nascimento, 2014). Segundo o Censo Agropecuário realizado pelo IBGE (2009) existe no Brasil 4.367.902 estabelecimentos rurais com até quatro módulos fiscais de terra, que ocupam 24% do território brasileiro e, trabalhando nos estabelecimentos, tem cerca de 12,3 milhões de pessoas.
Com relação a cultura da soja, Fenner (2006) comprovou que não há viabilidade na soja cultivada em unidades de produção familiares. Este trabalho evidencia que em pequena escala se torna inviável a produção de soja diante da conjuntura em que os preços estavam muito baixos (o período analisado foi de 2000 a 2004). Mesmo assim, os agricultores seguem cultivando a commodity pela facilidade de comercialização, fator que influenciaria na tomada de decisão sobre o que produzir e, também, pelo acesso ao crédito rural, que assume importância já que é um instrumento de produção (Wesz Junior e Bueno, 2008). Esta temática é relevante quando se percebe que o cultivo de soja em pequena escala pode levar à descapitalização de muitos agricultores familiares, aumentando as chances destes abandonarem a atividade agrícola, com implicâncias sociais mais sérias (Wesz Junior e Bueno, 2008).
Existem muitos desafios para a consolidação das unidades de produção familiares, inclusive e especialmente as que possuem uma commodity como principal atividade econômica. Dentre esse desafios, destaca-se a gestão, a qual seria um instrumento importante para auxílio na identificação da lucratividade das propriedade, bem como, embasaria a tomada de decisão. Destaca-se que a gestão financeira é um critério importante para o sucesso das propriedades rurais e é um dos menos considerados pelos seus gestores, já que priorizam atividades operacionais (Breitenbach, 2014). São raros os produtores que realizam essa análise e, portanto, poucos sabem o real custo e lucro das atividades desenvolvidas na sua propriedade. Esse fator condiciona a tomada de decisão, já que o agricultor se limita a decidir baseado em tradições produtivas históricas da região e não na conjuntura real (Breitenbach, 2014).
Para contribuir com a complexidade da gestão rural, cabe salientar que a produção agrícola depende dos aspectos de mercado e das restrições impostas pela natureza o que faz com que as condições climáticas e o período de maturação dos investimentos interfiram diretamente na lucratividade da empresa rural. Estes fatores robustecem a necessidade das atividades agrícolas terem uma gestão estratégica (Azevedo, 1997). A gestão de uma propriedade rural consiste em coletar dados, gerar informações a partir destes dados, tomar decisões e ações que se originam das decisões tomadas. O conhecimento de custos, das finanças e realização da contabilidade da propriedade rural é essencial para se manter produtiva e sustentar a quem dela depende (Martins, 2014).
Tendo por base essa realidade, ressalta-se a importância de dirigir estudos no sentido de qualificar a gestão das unidades de produção familiares. Nesse sentido, o presente estudo busca verificar a percepção dos agricultores familiares produtores de soja acerca do gerenciamento dos seus estabelecimentos, caracterizando o perfil dos gestores, as unidades de produção e procurando estabelecer correlações entre as variáveis estudadas. Especificamente, busca-se identificar o tamanho das propriedades rurais, a idade dos administradores e número de pessoas na família; o conhecimento de custos, de produção e lucro das atividades agropecuárias e se utilizam a contabilidade de custos no gerenciamento da propriedade; bem como quais as ferramentas utilizadas no auxílio a gestão.
Como recorte foi adotado a cadeia de suprimentos de uma empresa processadora de óleos vegetais que por questão de sigilo será denominada doravante Empresa 1. Tal pesquisa foi realizada com agricultores familiares fornecedores de matéria prima para a empresa, ou seja, soja. Os agricultores pertencem a região Norte do Rio Grande do Sul, Brasil.
O método utilizado nesta pesquisa é o Estudo de Caso e como instrumento de levantamento de dados foi adotado o questionário fechado para os produtores familiares e entrevista aberta com o gerente da empresa. Um estudo de caso é um estudo específico, concentrado, amplo e detalhado de um único caso. Esse tipo de estudo é mais utilizado quando o pesquisador quer aprofundar seus estudos enfatizando um único assunto (Lopes, 2006).
O questionário foi aplicado no ano de 2015 na população de agricultores que fornecem soja para a Empresa 1 - Unidade de Getúlio Vargas, totalizando 220 produtores rurais familiares. Esses agricultores escolhidos formam a totalidade do percentual de 40% de agricultores familiares fornecedores de soja, exigidos legalmente para obtenção do Selo de Combustível Social. O questionário foi formado por 20 questões que visavam identificar o perfil do agricultor e sua visão com relação à sua gestão.
Após a aplicação do questionário, as respostas foram tabuladas em planilhas do Excel para, posteriormente, os dados serem tratados estatisticamente pelo Programa de Análise Estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Foram realizadas as análises Univariada, Bivariada e o Chi-Square Tests. A análise Bivariada permite a apreciação simultânea de duas (ou mais) variáveis, admite determinar se as diferenças entre a distribuição de duas variáveis são estatisticamente significativas, com o objetivo de pesquisar influências, causalidades ou coincidências.
Foram analisadas as informações com o Chi-Square Tests em que foram aplicados cruzamentos de informações entre: a idade do administrador da propriedade e como ele se auto avalia; a idade do administrador e o gosto pela administração da propriedade; a idade e o grau de organização como gestor; idade e conhecimento dos lucros das atividades e; relação do tamanho da propriedade com o conhecimento dos lucros. O uso da idade como variável de referência se deu baseado nas características regionais já que recentemente foram ofertados por instituições de ensino em nível federal, sem custos para os agricultores, vários cursos na área de gestão e na área do agronegócio. Dessa forma, a hipótese inicial era de que a maior formação de jovens impactaria na melhoria da gestão daqueles estabelecimentos que eles se responsabilizam.
A seguir caracteriza-se os agricultores familiares fornecedores de soja para a Empresa 1, buscando verificar se há sintonia com dados censitários. Após, discute-se a gestão realizada pelos agricultores a partir da perspectiva dos mesmos, em consonância com estudos acadêmicos pertinentes.
Quanto ao tamanho das propriedades, destaca-se que quase 80% dos entrevistados possuem estabelecimentos até 40 ha, sendo que 44% têm menos de 20 ha. Destaca-se ainda, que dos agricultores que participaram da pesquisa 37 têm área até 10 ha, 41 possuem área de 11 a 20 ha, 76 de 21 a 40 ha, 34 têm área de 41 a 60 ha e 32 com área de 61 a 80 ha.
Quanto às características dos agricultores familiares entrevistados, a maioria está na faixa que vai de 31 a 45 anos, correspondendo com 34,1% dos produtores, sendo que se somados, temos que 78% dos entrevistados têm até 45 anos (Figura 1). Ou seja, observa-se que os agricultores envolvidos com a atividade são adultos de meia idade, contrapondo o que aponta boa parte da literatura especializada, que afirma que o campo está ' envelhecendo'.
Figura 1. Idade dos agricultores familiares fornecedores da Empresa 1
Num estudo também realizado na metade norte do estado do Rio Grande do Sul, o diagnóstico da realidade rural possibilitou constatar o envelhecimento da população rural (Godoy et al., 2010).
Quanto ao tamanho das famílias, quase metade dos estabelecimentos possuem até três pessoas (48%). A Figura 2 mostra que as famílias que possuem três membros correspondem a 26,8%, as com duas pessoas aparecem em 18,2% dos casos. O número médio de moradores por domicílio segundo local de residência na área rural no Brasil é de 3,5 moradores, enquanto na área urbana é 3,2. Já na Região Sul, a média é de 3,2 e 3,0, respectivamente (MDA, 2011).
Figura 2. Composição do grupo familiar de agricultores familiares
A Figura 3 demonstra a escassez de formação em nível superior e ensino médio no meio rural nos agricultores da amostra. 45% têm o ensino fundamental completo, mas 22,3% dos casos não concluíram o ensino fundamental. A dificuldade de dar prosseguimento nos estudos no nível médio pelos jovens rurais é nítida quando se compara a escolaridade dos jovens urbanos. Na média brasileira, entre a população urbana de 25 a 34 anos, 52,5% têm ensino médio ou superior. No meio rural esse percentual é de apenas 17% (Fernades, 2011). Mesmo abaixo da média urbana, constatou-se nessa pesquisa que 35,2% dos entrevistados acessaram o ensino médio e/ou superior, portando acima da média nacional.
Figura 3. Escolaridade dos agricultores familiares que fornecem soja para a Empresa 1
Para a análise econômica de uma propriedade rural estão envolvidos fatores mais complexos de análise, como cálculos, e o fato de existir uma escolaridade formal precária pode comprometer os resultados o uso dessas ferramentas. Portanto, um acesso limitado ao ensino pode, por consequência, limitar o desempenho gerencial das unidades de produção agropecuárias. A dificuldade ao acesso formal de educação pode 'dificultar' a saída dos agricultores familiares da agricultura, ainda que a rentabilidade não seja atrativa em alguma atividade, já que os mesmos teriam dificuldade de inserção no mercado de trabalho urbano, ou em outra atividade não agrícola. Ou mesmo, a pouca formação acabaria limitando as possibilidades vislumbradas, levando os produtores familiares a continuarem na sua atividade tradicional (Lazzarini e Nunes, 1998).
Quando questionados sobre a participação em eventos de formação, se constatou que boa parte dos agricultores (40,5%) apenas esporadicamente participam de palestras, cursos e afins (Figura 4). Enquanto 45% dos produtores pesquisados nunca ou raramente vão a palestras, cursos, treinamentos, dias de campo, entre outros. Mesmo aqueles agricultores que conseguem ou se dispõe a participar desses momentos de formação, raramente estão voltados para qualificação em gestão.
Figura 4. Participação dos agricultores em eventos técnicos e de formação.
Para compor os dados dessa seção foi sugerido aos pesquisados que realizassem uma auto avaliação enquanto gestores, ou seja, como os agricultores se consideram em relação ao gerenciamento de suas propriedades. Na Figura 5 fica evidente que a auto avaliação é positiva, já que 59,1% se consideram bons administradores. Por outro lado, pondera-se relevante os 15% que se consideram péssimos administradores.
Figura 5. Auto avaliação dos agricultores enquanto gestores de seus estabelecimentos
Já a Figura 6 analisa o grau de satisfação que o produtor tem ao gerenciar a propriedade. Este gráfico demonstra que 15% deles 'odeiam' gerenciar a propriedade. Por outro lado, cerca de 70% desses agricultores participantes da pesquisa afirmaram que gostam ou gostam muito de gerenciar a propriedade.
Figura 6. Gosto em gerenciar a propriedade rural.
Os itens gerenciais 'controle' e a 'organização dos gestores', também foram analisados como fatores para a boa administração das propriedades rurais. Entretanto, a Figura 7 deixa aparente um dado preocupante, em que mais de 50% dos gestores consideram ter médio ou nenhum controle sobre suas atividades. Os outros 50% apontam ter bom 'controle'. A finalidade do controle é assegurar que os resultados do que foi planejado, organizado e dirigido se ajustem aos objetos previamente estabelecidos. A essência do controle consiste em verificar se a atividade controlada está ou não alcançando os objetivos ou resultados desejados (Chiavenatto, 2000).
Figura 7. Controle dos custos
A Figura 8 complementa a informação da questão anterior ao apontar o nível de 'organização' do gestor (referindo-se ao método como o agricultor trata sistematicamente dos controles da propriedade), sendo que apenas 30% se considera 'organizado' e 'muito organizado'.
Figura 8. Organização dos gestores
As próximas informações discutidas têm relação com instrumentos de gestão e ferramentas relevantes na melhoria da gestão da propriedade. Para tanto, foram considerados como elementos importantes a utilização do computador e da internet. A Figura 9 demonstra a frequência em que os produtores usam essas ferramentas.
É reveladora a informação do alto índice de gestores rurais que não tem acesso ao computador e a internet. Na Figura 9 é possível observar que 88% dos produtores nunca usam computador e 93,2% não usam internet. Esse fato se deve pela falta de conhecimento em manipular um computador, pela falta de estudo e até mesmo de um curso na área. Já o número significativo de produtores, quase em sua totalidade, que não fazem uso da internet se deve ao fato de que no interior dos municípios onde se localizam os produtores familiares, não existe sinal de internet e, quando existe, é caro e/ou precário.
Figura 9. Utilização de internet e computador
Por fim, confere-se o conhecimento que o gestor possui acerca dos custos e sobre o lucro das atividades produtivas. Destaca-se que essas duas informações são imprescindíveis para a tomada de decisão de qualquer gestor, sendo que estas devem estar de posse do mesmo de forma mais precisa possível. Para Zambom e Bee (2015), como qualquer área econômica, o setor rural deve evoluir nos controles e análise dos custos, possibilitando assim aperfeiçoar a gestão econômica e financeira. Porém, o que se visualiza como resultado da presente pesquisa é justamente o oposto disso, já que os agricultores que participaram da mesma não sabem com exatidão nem seus custos nem seus lucros, conforme se visualiza na Figura 10.
Figura 10. Conhecimento dos gestores sobre seus custos e lucro
É possível perceber que 87,3% dos produtores têm conhecimento aproximado de custos das atividades e 99,5% têm pouca noção dos lucros das atividades. Uma informação relevante refere-se ao fato de que a Empresa 1 apresenta para todos os produtores familiares, ao final da safra da soja, um resumo dos custos de produção, com base em visitas no decorrer da safra e conversas diretas com cada produtor. Desta forma, se reforça que, 'teoricamente', eles já têm disponível de antemão uma 'prévia' do custo de produção.
Entretanto, constata-se que os gerenciadores das propriedades rurais não possuem um conhecimento exato do custo das atividades que desenvolvem na propriedade rural, e não sabem também qual é a rentabilidade das atividades. De acordo com Queiroz e Batalha (2003) um sistema de gestão de custos para a área agrícola não pode ser o mesmo que é utilizado nos ambientes industriais, onde os processo de fabricação se repetem nos vários meses do ano, isso porque a produção agrícola obedece ciclos naturais e possui particularidades que estão fora do alcance do produtor, outros são executados em função de algumas variáveis inerentes ao sistema produtivo. Por outro lado, tais peculiaridades nem sempre são abordadas pelos sistemas de custeio e indicadores de desempenho, nem mesmo os mais modernos. Além destes pontos, não seria possível aos agricultores familiares contratarem profissional somente para atuar nesta função dentro de sua 'empresa'. Portanto, é necessária e urgente a elaboração de ferramentas de fácil aplicação e manuseio que atendam as necessidades dos agricultores familiares (Queiroz e Batalha, 2003)
Entretanto, mesmo que os agricultores conhecessem seus custos, Wesz Junior e Bueno (2008) argumentam que a falta de conhecimento dos custos de produção ou os cálculos elaborados de maneira errada tornam-se um grande atenuante para a continuidade do cultivo da soja. Ampliando a discussão, ponderam os autores que o conceito atribuído ao que se chama de custo de produção é um conceito superficial e mal elaborado pelos agricultores e isso não se constata apenas para a soja, mas para várias atividades desenvolvidas nessas propriedades que igualmente não possuem um controle de custos.
Mesmo assim, para Wesz Junior e Bueno (2008) há que se verificar que as facilidades que se encontram atualmente para a produção de soja são muitas. Essa cultura, pela importância econômica que possui, é amparada por um grande fluxo de facilidades que torna os agricultores mais suscetíveis à produção. É fácil comprar sementes, insumos, fertilizantes, bem como em vários lugares há alguém que conheça e possa indicar os tratos culturais e a forma de manejo da cultura. Tanto cooperativa, quanto entidades de assistência técnica detém facilmente esse conhecimento. Além disso, a soja é usada de forma positiva na rotação de cultura com o milho. Dessa forma, tudo acaba convergindo para que o agricultor produza essa cultura.
Por outro lado, os agricultores familiares, diante de tantas dificuldades (como, por exemplo, o nível educacional) podem estar se descapitalizando ao persistir numa atividade que pode não ser viável na escala em que produzem, mas que acabam permanecendo por encontrar barreias à saída, por aspectos comportamentais (com referência ao oportunismo), ou até mesmo por influência do ambiente institucional (Zanon, 2011). A resistência que muitas vezes se encontra na introdução de outras culturas como alternativas a soja, vai ao encontro da 'certa segurança' que o agricultor tem na comercialização e tem esperança de que o clima seja adequado e os preços de venda sejam melhores (Wesz Junior E Bueno, 2008). A constatação dos autores é relevante no presente estudo, especialmente porque a venda da produção é garantida, diminuindo as incertezas.
Buscando variáveis explicativas fez-se o esforço de correlacionar alguns itens já analisados. Mesmo que não se tenha observado significância estatística na correlação entre as diversas variáveis analisadas, como exemplo de idade e gosto de gerenciar, pois em todas as faixas de idade, o maior percentual concentra-se em bons administradores, considera-se relevante incorporar à discussão quantitativa aspectos de cunho qualitativo, que podem trazer um viés explicativo. Para todos os que se dizem bons administradores, justificam sua resposta argumentando que manter a propriedade rural produzindo, com as contas em dia, já os torna bons administradores, mesmo que não saiba exatamente os custos e lucros.
Chama atenção a frequência de produtores que odeia ou não tem nenhum tipo de gosto de estar gerenciando suas propriedades. Os mais velhos que vão de 46 a 60 anos são os que mais demonstram esse sentimento, em vários casos passando esta tarefa para os filhos ou algum membro da família. São frequentes também, os casos de produtores que após sua aposentadoria migram para a cidade, deixando outro membro da família encarregado pelo gerenciamento da propriedade. Por outro lado, entre os que gostam muito de gerenciar a propriedade, são os agricultores que se encontram acima de 61 anos. Em relação a idade e organização como gestor, há evidencias de não associação entre as variáveis. Porém, os mais organizados com pequena diferença são os que se encontram de 21 a 30 anos.
A não associação entre as variáveis idade e conhecimento acerca do lucro também foi confirmada, pois em todas as faixas de idade o produtor tem pouca noção de qual é o lucro das atividades. Não se observa relação entre conhecimento do lucro das atividades com o tamanho da propriedade, pois quase a totalidade de produtores, não fazem detalhadamente as contas para saber a lucratividade. Independentemente do tamanho da propriedade, para todos os fornecedores de soja para a Empresa 1, é apresentado um custo de produção da cultura. Desta forma, todos os produtores possuem um conhecimento aproximado do lucro das atividades. Porém, mesmo apresentando o custo de produção a cada produtor fornecedor de soja, observa-se que, independentemente da idade da pessoa que gerencia a propriedade, ou da área que a propriedade possui, o gestor não sabe exatamente o lucro que está tendo.
Com isso, destaca-se que esses agricultores participantes da pesquisa têm muitas deficiências na gestão e não adotam instrumentos e estratégias mínimas de gerenciamento. Estes focam nas atividades operacionais e a gestão, na concepção deles, é fazer bem feito as atividades diárias relacionadas a plantio, colheita, tratos culturais.
Alerta-se que uma transição de propriedade rural para 'empresa rural' requer a implantação da mentalidade administrativa. Isso requer mudança de postura e mentalidade do produtor rural, já que suas atitudes e comportamentos é que irão determinar a passagem de um sistema de produção tradicional para um sistema moderno, operando de forma estratégica (Uecker et al., 2005).
Essa problemática não está só no ambiente interno do estabelecimento. Nesse sentido, Neukirchen, Zanchet e Paula (2005) apontam que existeinflexibilidade das políticas públicas, falta de capacidade de gestão e ausência de planejamento para as atividades agropecuárias, o que prejudica o desenvolvimento do homem no campo. Os autores constataram que o perfil do gestor das propriedades influencia significativamente no resultado econômico obtido no emprego dos recursos destinados pelo poder público.
No que se refere a cultura da soja, para pequenas propriedades rurais não é o mais indicado o cultivo da soja. Destaca-se isso, já que a soja é uma commodity, com padrões mundiais de concorrência e essas unidades familiares não dispõem de recursos financeiros e tecnológicos para produzir com qualidade e índices de lucratividade aceitáveis, que proporcionem desenvolvimento para as mesmas (Uecker et al., 2005).
Portanto, considera-se que o produtor rural deve buscar aperfeiçoar o gerenciamento de suas atividades, já que o mercado determina a necessidade de produtos de melhor qualidade. O setor agrícola, com enfoque especial para soja e trigo, não está muito favorável aos agricultores tendo como base as quebras de safras ocasionadas por fatores climáticos e, também, pela variação cambial, proveniente da cotação do dólar, que impõe os preços dos insumos produtivos. Com frequência o agricultor gasta mais com insumos necessários para o cultivo e recebe menos pelo produto colhido e comercializado. Como consequência disso, o empresário rural deve buscar alternativas de redução do custo da produção, evitar desperdícios e melhorar o planejamento e controle das atividades. O resultado seria gerar informações precisas e oportunas sobre a situação real da produção e resultado das culturas de sua propriedade (Hofer et al., 2006).
A presente pesquisa teve como objetivo identificar o perfil dos estabelecimentos produtores de soja para a Empresa 1 e a situação do gerenciamento dos estabelecimentos dos agricultores familiares em questão. Constatou-se que 80% dos entrevistados possuem estabelecimentos até 40 ha, 78% dos pesquisados tem até 45 anos e quase metade dos estabelecimentos possuem até três pessoas. Mesmo abaixo da média urbana, constatou-se nessa pesquisa que 35% dos entrevistados acessaram o ensino médio e/ou superior, portando acima da média nacional. Por outro lado, 45% dos produtores pesquisados nunca ou raramente vão a palestras, cursos, treinamentos, dias de campo, entre outros, cerca de 90% dos produtores nunca usam computador e 93% não usam internet.
Obteve-se ainda que 99,5% têm pouca noção dos lucros das atividades, 87,3% dos produtores têm conhecimento apenas 'aproximado' de custos das atividades e apenas 30% dos pesquisados se consideram 'organizado' e 'muito organizado'. Mesmo assim, 59% se consideram bons administradores, afirmando em 70% dos casos que gostam ou gostam muito de gerenciar a propriedade.
As propriedades analisadas apresentaram uma deficiência no que se refere à gestão dos estabelecimentos e na busca por informação acerca do tema. O gargalo é ainda mais visível pela não adoção da contabilidade de custos para auxílio na administração das empresas rurais, resultando no desconhecimento de custos e lucros. Os gestores das propriedades em questão ainda não identificaram a necessidade cada vez mais atual e maior de contabilizar os custos, lucros, planejar e organizar uma propriedade como se fosse uma empresa rural.
Mesmo não sendo verificada correlação entre as variáveis, qualitativamente obteve-se que a lógica do agricultor está baseada no fato de o pagamento em dia de seus débitos e a manutenção da reprodução familiar representam o 'sucesso' obtido por eles através do plantio e comercialização de soja. Entretanto, mesmo desconhecendo os custos e a rentabilidade de acordo com a escala produtiva pondera-se que os mesmos são impulsionados a permanecer no cultivo por incentivo institucional, representados por estímulos fiscais propiciados por força de lei que incluem e garantem a participação dos mesmos na cadeia produtiva.
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1. Possui Bacharelado em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (2005), Licenciatura em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial pela Universidade Federal de Santa Maria (2011), Mestrado (2008) e Doutorado (2012) na linha de pesquisa em Dinâmicas Econômicas e Organizacionais na Agricultura pelo Programa de Pós Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria. É integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Economia Agroindustrial (NEPEA) e do Grupo de Estudos Referentes ao Agronegócio (GERAR). Atualmente é professora do Instituto Federal do Rio Grande do Sul na área de Gestão Rural, Agronegócio, Políticas Agrícolas, Gestão do Agronegócio. Email: raquel.breitenbach@sertao.ifrs.edu.br
2. Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (2002), mestrado e doutorado em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria (2005; 2011). Formada no Curso de Graduação Especial para Formação de Professores para a Educação Profissional, também pela universidade Federal de Santa Maria (2011). Tutora da Universidade Aberta do Brasil por dois anos, Curso de Graduação em Agricultra Familiar e Sustentabilidade. Atualmente Professora Adjunta Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural, e Professora Colaboradora do Programa de Pós Graduação em Extensão Rural
3. Técnico em Agropecuária pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Tecnólogo em Agronegócio pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente trabalha no ramo do Agronegócio, no setor privado.