Espacios. Vol. 37 (Nº 17) Año 2016. Pág. 14

Discussão dos modelos seminais em estratégia como prática

Discussion of the seminal models in strategy as practice

Paulo Frederico Paganini OLIVEIRA JUNIOR 1; Marcelo Bernardino ARAÚJO 2

Recibido: 25/02/16 • Aprobado: 23/03/2016


Conteúdo

1. Introdução

2 Fundamentação Teórica

3 Discussão e Resultados

4 Considerações Finais

Referências


RESUMO:

No desenvolvimento do campo de estudos em Estratégia Organizacional, surgiram diversas abordagens, entre elas a Estratégia como Prática (SAP). Para isso, os teóricos desta corrente resgataram diversos autores da teoria social contemporânea, entre os quais está Pierre Bourdieu e Anthony Giddens, que buscaram romper com dicotomias como objetivismo-subjetivismo, positivismo-antipositivismo, níveis de análise, e determinismo-voluntarismo. Porém, apesar da proposta de uma agenda de pesquisa circunscrita por conceitos destes dois sociólogos, os trabalhos empíricos descartaram parte dos conceitos presentes no arcabouço teórico de Giddens e Bourdieu (GB), mantendo tais dicotomias. O propósito deste trabalho é elucidar o impasse entre agenda de pesquisa e estudo de campo.
Palavras- chave: Estratégia como Prática; Giddens; Bourdieu.

ABSTRACT:

In the development of field studies in Organizational Strategy, there were several approaches, including the Strategy as Practice (SAP). For this, the theorists of this current rescued several authors of contemporary social theory, among which is Pierre Bourdieu and Anthony Giddens, who sought to break dichotomies as objectivism-subjectivism, positivism, anti-positivism, levels of analysis and determinism-voluntarism. However, despite the proposal for a research agenda circumscribed by concepts of these two sociologists, empirical studies have dismissed part of the concepts presented in the theoretical framework of Giddens and Bourdieu (GB), keeping such dichotomies. The purpose of this work is to elucidate the standoff between research agenda and field study.
Key words: Strategy and Practice; Giddens; Bourdieu.

1. Introdução

A área de Estratégia tem sido amplamente debatida nos estudos organizacionais, ganhando espaço na agenda de pesquisa e se tornando escopo de eventos de grande abrangência. No decorrer do tempo, este tema foi contemplado por autores que vieram a se tornar clássicos e fundamentais durante o estudo da área como Mintzberg, Porter, Ansoff, Ghemawat, Pettigrew, Chandler, entre outros.

Por ter tido influência de diversas áreas do conhecimento – como Economia, Sociologia e Tecnologia da Informação, entre outras, atualmente o tema possui enorme diversidade de abordagens (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000), o que deu ao campo um vasto leque analítico, no qual estes autores apresentam dez escolas estratégicas. As escolas apresentadas por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) se espalham no contiuum de bases epistemológicas e ontológicas, porém todas compreendem a estratégia a partir da manutenção do status quo. Apesar de algumas escolas atribuírem grande poder de agência aos atores sociais e outras extraírem quase que por completo tal poder, as escolas hegemônicas não partiram da premissa de que a estratégia é uma construção social, relacional e dialógica que emerge da interação do sujeito com o sujeito e do sujeito com a estrutura. O campo da estratégia organizacional é possuidor de uma linha epistemológica majoritariamente determinista, se apoiando no funcionalismo, no positivismo e no gerencialismo (VASCONCELOS, 2001).

Whittington (2002) apresentou quatro abordagens da Estratégia Organizacional, cada uma trazendo uma base epistemológica e metodológica distinta, sendo elas: clássica, processual, evolucionária e sistêmica.

A primeira abordagem, a clássica, ainda é a mais influente no meio organizacional, com enfoque em planejamento racionalizado e tratando o conceito de estratégia como um processo racional, passível de cálculo e análises deliberadas, conforme abordagens de Ansoff, Chandler e Sloan (WHITTINGTON, 2002, p. 13). Nessa abordagem, a estratégia desconsidera qualquer possibilidade de questões emergentes, estando fortemente alicerçada no planejamento como capaz de prever e controlar mudanças em todo o campo organizacional – interno e externo. Por estas características, é considerada como fortemente gerencialista. Conforme Mintzberg (1990), o pensamento clássico possui as premissas do homem econômico racional que formula a estratégia como um processo consciente, do homem militar sendo o estrategista no topo da pirâmide hierárquica, e da distinção entre o processo de formulação da estratégia e sua implementação.

Essa hegemonia do pensamento estratégico sofreu vários questionamentos, entre os quais compreende-se a vertente da Ecologia Organizacional, desenvolvida no Brasil por Zaccarelli e Fischmann, e conduzida ao escopo internacional por Hannan e Freeman, conforme apontam Dutra, Pedroso e Capelari (2011). Esta vertente apontou para a incapacidade de se prever as condições ambientais a ponto de controlá-las, trazendo para os estudos organizacionais o escopo analítico transorganizacional. Assim, surge a abordagem evolucionária, pautada na ecologia das organizações, que enfatiza a sobrevivência apenas das organizações mais aptas a encontrarem seu espaço no nicho competitivo. Essa abordagem tem um caráter fortemente determinista e objetivista, em que cabe aos gerentes apenas posicionar suas organizações no ambiente, e nunca criá-lo ou alterá-lo a ponto de conseguir benefícios de um novo contexto (WHITTINGTON, 2002).

A abordagem processual compartilha da visão da vertente evolucionária por tratar o planejamento como empenho desnecessário, e considera que o planejamento será esquecido no mesmo momento em que as circunstâncias na qual foi elaborado mudarem. Essa escola coloca que a estratégia surge através de um processo de aprendizado prático, e por isso um erro na aplicação de um planejamento estratégico não levaria a uma desvantagem competitiva capaz de desbancar a organização (WHITTINGTON, 2002; MINTZBERG, 2008). Porém, essa escola também é pautada no determinismo, considerando que o processo de aprendizagem se dá pela movimentação do mercado, cabendo ao agente apenas direcionar o aprendizado adquirido e absorvê-lo (MINTZBERG, 2000).

Observa-se que as escolas, por menos deterministas que sejam, sempre foram abordadas pelas óticas funcionalista, gerencialista e ou positivista, na tentativa de identificar regularidades ambientais nas quais a organização tem que se encaixar para sobreviver, seja esse encaixe partindo do estrategista ou pela seleção ambiental. Porém, a escola processual produziu insights que possibilitaram o debate da Estratégia como Prática. Esta abordagem considera a complexidade interna das organizações, não as tratando mais como um grupo coeso em torno de um objetivo em comum, mas como plural, com diversos interesses partidos da cognição dos sujeitos. Na abordagem sistêmica, também foi percebido que o sujeito é um ser racionalmente limitado, dependente da interação com outros sujeitos para construir suas estratégias, o que permitiu iniciar o debate considerando-as como uma construção social. As organizações também foram vistas por esta abordagem como composta por micropolíticas, partindo da ideia de que "as firmas não são unidas em otimizar sequer uma única utilidade, como o lucro. Ao contrário, elas são coalizões de indivíduos em que cada um traz à organização objetivos pessoais e inclinações cognitivas", o que justifica sua visão plural e conduz à observação de episódios estratégicos na busca da clareza do que venha a ser estratégia (WHITTINGTON, 2002, p. 26).

Por outro lado, a abordagem processual ainda trata a temática partindo da visão de que a organização é constituída de partes passíveis de integração, e que é possível atingir um nível ajustado destas partes para satisfazer metas. Seus estudos colocam ênfase na concepção da estratégia a partir de processos inteiros, desconsiderando tanto micro-atividades que constituem o real strategizing (JARZABKOWSKI, 2005) quanto a reflexividade do agente na estrutura social e da estrutura social no agente (WHITTINGTON, 2006). Assim, esta abordagem não vê a relação entre um conjunto de sujeitos em interação com a estrutura social. Porém, apesar disso, atribui maior caráter de agência à organização.

Tardiamente, estas escolas do pensamento estratégico têm sido questionadas por sua maneira de compreender a composição organizacional, surgindo como forma alternativa a Estratégia como Prática (SAP) a fim de suprir gaps como a investigação da relação entre agentes e agentes, relação entre agentes e práticas estratégicas, a formação das estruturas sociais a partir destas relações e o reflexo das estruturas sociais nas relações. A SAP surge como forma de romper com o embate existente entre as quatro abordagens de Whittington (2002), unindo todas em um único escopo analítico e eliminando dicotomias ontológicas, epistemológicas e metodológicas.

Deste propósito da SAP, Whittington (2006) e Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007) elaboraram dois framework teóricos para explicar a capacidade da SAP em compreender a re/trans/formação de estratégias tanto do ponto de vista subjetivo quanto objetivo, explorando dimensões de estrutura e de sujeito simultaneamente. Ainda, um terceiro modelo (Johnson et al, 2007) apresenta alguns recursos teóricos para se compreender a estratégia pela via da SAP.

Ao tentar romper com dicotomias teóricas, estes modelos resgatam conceitos da teoria social contemporânea vindos de autores da chamada 'virada prática' – como Giddens, Bourdieu, Schatski, De Certeau, entre outros. Porém, neste processo de ruptura das dicotomias e resgate destes autores, os modelos teóricos de Whittington, Johnson et al, e Jarzabkowski, Balogun e Seidl apresentam contradições internas, limitações e gaps teóricos que podem ser melhor explorados. Com este diagnóstico, nos propomos a apontar estas condições seguindo primeiramente o resgate da teoria de Giddens e Bourdieu, posteriormente a apresentação da SAP e, em seguida, a elucidação dos modelos e suas limitações.

2. Fundamentação Teórica

A ação e interação ocorrida por meio das práticas têm sido uma forma de compreender o conhecimento, a razão e o pensamento pelos quais a vida social é constituída, organizada, reproduzida e transformada. A perspectiva da teoria prática (ou teoria da prática) tem prevalecido como forma de pensar a sociedade através do debate tanto do pensamento individual quanto de estruturas e sistemas sociais, perpassando por pensadores como Lévi-Strauss, Parsons, Simmel e Karl Weick até pensadores contemporâneos como Giddens, Bourdieu e Latour. Este enredo constitui a denominada 'virada prática' (SCHATZKI; CETINA; SAVIGNY, 2001), com um espectro que tem sido engendrado por teóricos como Giddens, Bourdieu, Foucault, Schatzki, entre outros (GOLSORKHI et al, 2010). Esta proposição tenta romper com a visão sistêmica ou estrutural e com a visão pautada no verstehen, buscando a visão relacional entre estas duas vertentes.

O estudo da Estratégia Organizacional, conforme visto na contextualização do seu pensamento, tem acompanhado recentemente esta virada prática da teoria social contemporânea (BROWN; DUGUID, 1991), originando a vertente da estratégia como sendo uma prática social. Esta vertente, largamente discutida por Whittington, Jarzabkowski, Johnson, entre outros, tem construído seu modelo com base nos teóricos supramencionados por Golsorkhi et al (2010) – Giddens, Bourdieu, Foucault, Schatzki. Por esta consideração, retomamos aqui talvez dois dos pensadores mais influentes na SAP, Bourdieu e Giddens, a fim de compreender os modelos advindos deste pensamento estratégico com maior subsídio teórico, o que possibilita investigação empírica mais profunda e cautelosa.

Desta forma, a virada prática traz consigo uma virada epistemológica, ontológica, metodológica e de natureza humana, na qual consegue romper com as dicotomias existentes na teoria social clássica, conforme enfatizado por Burrell e Morgan (2006), trazendo para o campo científico a possibilidade de unir perspectivas tradicionalmente rivais.

Deste modo, a observação social através da prática permeia os níveis de sociedade, grupos e sujeito, não cabendo vê-la sob a ótica da estrutura ou do sistema e nem sob a ótica da sociologia compreensiva e suas visões posteriores, mas por ambas as formas e com análise simultânea.

3. Discussão e Resultados

A abordagem de Bourdieu tem sido utilizada por diversos autores que tentam compreender o que é uma prática e como esta se conecta ao conhecimento, ou como o conhecimento produz a prática. Apesar de estar sendo largamente utilizado nos estudos de Estratégia, os conceitos de Bourdieu encontrados na abordagem da SAP são prática, campo e, em algumas ocasiões, a noção de habitus. Por isso, a contribuição conceitual completa (framework) de Bourdieu, que consiste em tratar a articulação de sistema com seus elementos, carece de uso efetivo nos estudos em SAP (GOMEZ, 2010). Com estes argumentos de Gomez, neste capítulo discutiremos outros conceitos usados por Bourdieu para descrever uma prática, entre os quais se destacam campo, capital, agente e afinidade e habitus. Em nenhum momento Bourdieu diz que a articulação destes conceitos gera a prática ou é a prática em si, porém, através da abstração do pensamento bourdieusiano, temos que a prática é composta por estes elementos.

Na visão de Bourdieu, existe uma dinâmica social construída dentro de um campo a partir de forças dos sujeitos. Esta dinâmica é guiada pelos agentes que buscam alterar a relação de forças e a condição distributiva das formas de capital. Apesar de ser aparentemente simples, esta concepção de dinâmica social de Bourdieu demanda a explanação de conceitos subjacentes, conforme desenvolvidos na sequência (THIRY-CHERQUES, 2008). O problema teórico de Bourdieu se apoia na tentativa de mediação entre o agente e a sociedade, o que acarreta na consideração simultânea de dois polos de conhecimento tidos como antagônicos pelas teorias sociais tradicionais: objetivismo e fenomenologia. "Enquanto a perspectiva fenomenológica parte da experiência primeira do indivíduo, o objetivismo constrói as relações objetivas que estruturam as práticas individuais." (ORTIZ, 1983, p. 8). Por isso, Bourdieu engloba em sua perspectiva analítica métodos distintos como positivismo e estruturalismo representando o objetivismo, e o interacionismo simbólico e a etnometodologia representando a fenomenologia (ORTIZ, 1983).

Na perspectiva de Bourdieu, campo é um locus abstrato em que ocorrem as interações, sendo tanto uma estrutura que constrange os agentes quanto onde os sujeitos exercem sua capacidade de agência (ORTIZ, 1983; THIRY-CHERQUES, 2006). O mundo social pode ser representado na forma de um locus multidimensional "construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição constituídos pelo conjunto das propriedades que atuam no universo social considerado, quer dizer, apropriadas a conferir, ao detentor delas, força ou poder neste universo." (BOURDIEU, 1989, p. 133-134). Neste espaço, coexistem um campo de forças e um campo de lutas, sendo o campo de forças o modo estruturante e estruturado da sociedade, enquanto o campo de lutas é o modo estruturador da estrutura e atribuidor da capacidade de agência ao sujeito. Este poder de agência é dependente da posição relativa do sujeito no campo, transformando a estrutura do campo conforme esta posição. Este mesmo poder faz com que as estruturas sejam dinâmicas, e nunca fixas (THIRY-CHERQUES, 2006; BOURDIEU, 2003).

Porém, o campo não existe por si só, mas depende da interação dos agentes para sua existência. Dentro do campo, a posição dos agentes está fixada a priori, sendo tanto inserida na estrutura quanto força estruturante do campo. Na visão de Bourdieu, o agente é o conhecedor das "regras do jogo" em um campo e ao mesmo tempo produto das estruturas sociais; é produto e produtor da estrutura, sendo dotado de percepção, senso prático, preferências e classificações (BOURDIEU, 2003). Existe uma relação entre estrutura e agente, expressa pela recursividade e adaptatividade, tornando o sujeito formado por princípios geradores e organizadores das práticas, representações, ações e pensamentos. Tais princípios são refletivos na estrutura, e a estrutura os reflete no agente, formando um contexto virtualmente reflexivo (BOURDIEU, 1989).

Neste processo reflexivo, está o habitus, que é o modo de sentir, pensar, perceber o mundo, que conduz o sujeito a determinada forma de ação (THIRY-CHERQUES, 2006). Porém, diferentemente de outras concepções de habitus, para Bourdieu, as disposições da ação – o habitus propriamente dito – são dinâmicas, se alterando conforme se altera também a estrutura e o sujeito.

Ao mesmo tempo que o habitus determina as práticas a partir de um projeto que permite enfrentar situações imprevisíveis, este mesmo habitus produz práticas a partir das condições passadas vivenciadas e trazidas pelo sujeito. Porém, as disposições não são determinadas, mas são flexíveis, tornando o agente capaz de ser condicionável e condicionante, mediante a interiorização das estruturas sociais carregadas de sentido e significado histórico individual e compartilhado (BOURDIEU, 1983b; THIRY-CHERQUES, 2006).

Através da análise introdutória aos textos organizados de Bourdieu, Ortiz (1983) coloca que existem relações de poder no campo afirmando que sua estrutura emerge mediante uma distribuição desigual. Esta desigualdade se origina e se reproduz por conta do capital social, porém também é "determinada pelo volume e pela qualidade do capital que o agente detém" (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 177).

O capital social, segundo a leitura de Bourdieu feita por Thiry-Cherques (2006), se refere às aberturas sociais do agente. Este capital influencia e é influenciado pela posição social do agente.

Já o capital cultural "compreende o conhecimento, as habilidades, as informações, etc, correspondente ao conjunto de qualificações intelectuais produzidas e transmitidas pela família, e pelas instituições escolares [...]" (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 176). A formulação deste conceito vem da premissa de que a reprodução do corpo social não depende apenas da relação entre classe social e nível de escolaridade, mas depende também dos estados incorporado, objetivo e institucionalizado (BOURDIEU, 1983a; THIRY-CHERQUES, 2006).

O capital simbólico, por sua vez, representa a legitimidade conseguida pelo agente a partir dos outros três capitais, sendo uma síntese correlacionada dos três outros.

Segundo Bourdieu (1983a), o agente tende a se aproximar do capital que lhe pode propiciar aumento dos outros capitais. Trata tais capitais através da ótica de mercado para explicar a prevalescência do dominante sobre o dominado, fazendo um paralelo da microeconomia com a macroeconomia onde prevalecem as habilidades do agente possuidor de maior capital simbólico no dado momento de interação (BOURDIEU; SAINT MARTIN, 1976).

Através do desenvolvimento destes conceitos, têm-se, a partir da perspectiva bourdieusiana, que existe um locus, o campo, no qual é (re)constituída uma estrutura que norteia as práticas dos agentes. Estes agentes, por sua vez, ao exercerem sua capacidade de agir, exercem práticas que reestruturam a estrutura. Esta relação, denominada por Bourdieu (1983b) de sistema de disposições, sugere a existência do diálogo entre estruturas, ora sendo estruturantes e ora sendo estruturadas. Em princípio, todo esse aparato é primeiramente social, o que faz compreender que prima pelo agente, sendo este agente a gênese da 'estrutura construtivista' quando em interação (BOURDIEU, 1989). Por isso, há a necessidade de retomar a conceituação de habitus, tratando-o como essencial para a existência da perspectiva estrutural-construtivista pelo fato de a ação ser o cerne de significação do mundo (ORTIZ, 1983). Esta relação é denominada por Gomez (2010, p. 142, tradução própria) de "conceitos relacional (em seu sentido fenomenológico) e disposicional (em seu sentido estrutural) da vida social".

Pode-se dizer que o habitus é o que possibilita ver, processar e agir no mundo social, sendo tanto o construtor quanto o construído, sempre social, temporal e estruturalmente localizado (THIRY-CHERQUES, 2006). Porém, o sujeito não é livre, existindo esquemas generativos que guiam a ação como oferecendo possibilidades para agir, limitando o agir dado pelo habitus (BOURDIEU; SAINT MARTIN, 1976, p. 18).

Estes conceitos e forma de compreender o mundo que Bourdieu produziu tenta evitar a polarização do objetivismo e a fenomenologia. Porém, ao processar a realidade social desta maneira, acaba emergindo a praxeologia – ou a prática propriamente dita – que é "uma antropologia universal que recupera (entre outras coisas) a historicidade, portanto a relatividade, das estruturas cognitivas, sempre sublinhando o fato de que os agentes põem universalmente em prática estruturas históricas" (BOURDIEU, 1996, p. 158-159 apud BUENO, 2011, p. 180). A teoria praxeológica da ação corresponde à prática exercida pelos agentes dentro do campo, considerando que neste exercício há tanto o reflexo da estrutura no sujeito quanto a mudança da estrutura pelo sujeito (BUENO, 2011).

Segundo Gomez (2010, p. 142, tradução própria), "de acordo com a posição no mundo social, as experiências, as crenças e as disposições, as pessoas adotam diferentes práticas". Este trecho mostra que o agente traz consigo uma carga historicamente construída durante a prática, sendo pluralista e constituída dependendo dos capitais e da posição de cada sujeito na estrutura. Esta dialética permanente, presente na teoria social de Bourdieu, é trazida para a estratégia organizacional através da abordagem de Whittington (2006), com algumas ressalvas.

Em seu modelo de integração da práxis, prática e praticante, Whittington (2006) resgata o conceito de campo social, a noção de habitus e a ruptura da polarização objetivista-subjetivista. Segundo Gomez (2010), Bourdieu oferece mais que isto para compreender o strategizing. A autora mostra a existência das abordagens distintas da visão determinista baseada em recursos e da voluntarista focada no empreendedorismo institucional em cima das quais o pensamento estratégico tem se pautado. Neste sentido, coloca que a abordagem baseada na prática social não considera a possibilidade de articular estas duas perspectivas, superenfatizando a microperspectiva e subenfatizando a macroperspectiva, desconsiderando a ruptura que Bourdieu faz com a polarização da teoria social (GOMEZ, 2010, p. 145). Assim, os estudos em estratégia podem avançar se aproximando efetivamente da ruptura proposta por Bourdieu e analisando os níveis macro e micro do contexto social.

Outro ponto resgatado pela autora é a subutilização da abordagem prática, tendo-a apenas para representar atividades, episódios e micro-estratégias. "Como consequência, a prática perdeu seus pontos fortes de explicação e análise, em particular a sua poderosa característica de descrever o indivíduo dentro do coletivo" (GOMEZ, 2010, p. 145, tradução própria).

Porém, há um conceito que subjaz a noção de habitus, a doxa. Segundo Thiry-Cherques (2008, p. 174), a doxa é uma das propriedades universais existentes em todos os campos. "A doxa é aquilo sobre o que todos os agentes estão de acordo." Bourdieu adotou este conceito se referindo ao senso comum, que se opõe ao cientificismo, e se referindo também à crença. "A doxa contempla tudo aquilo que é admitido como "sendo assim mesmo" [...]". A doxa, assim, é o natural e imutável em essência, sendo o oposto do social, que é mutável em qualquer instância.

Bourdieu, Giddens também buscou superar, em sua teoria, a dicotomia existente na teoria social moderna. Na denominada teoria da estruturação, Giddens (2009) constituiu o corpus desta teoria com os elementos de agência (agency), estrutura e a dualidade da estrutura. Em princípio, Giddens apresenta a existência de dual'ismos' na teoria social, refletindo que "a perda do terreno central antes ocupado pelo consenso ortodoxo deixou aparentemente a teoria social numa irremediável desordem" (GIDDENS, 2009, p. XVI), porém o autor alega ser possível destacar pontos comuns entre abordagens rivais. Neste caminho, Giddens busca subsidiar a teoria social com um aparato para a compreensão do agir humano e da sua relação com as instituições sociais. Esta proposta de Giddens, assim como de outros autores estudiosos da prática social, guiou a Estratégia como Prática em sua necessidade de compreender a relação organização-sujeito-campo (WHITTINGTON, 2006; JARZABKOWSKI, 2002; JARZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007; WILSON; JARZABKOWSKI, 2004; JARZABKOWSKI, 2003).

A teoria da estruturação está pautada na concepção de agente enquanto ser consciente, com capacidade reflexiva para compreender o que se está fazendo enquanto pratica esta ação. Para Giddens (2009), o ator social conhece as circunstâncias de sua ação e da de outros, o que permite a produção e reprodução da ação a partir do discurso e do conhecimento tácito. Neste sentido, o ator possui consciência discursiva e prática, sendo a primeira compreendida como a expressão verbal do sujeito sobre as condições da sua ação, e a segunda compreendida como a noção das condições sociais que não pode ser expressa discursivamente. Esta concepção subjetiva está vinculada à rotinização, conceito fundamental da atividade social na teoria de Giddens (2009). Segundo Giddens (2009, p. XXV), "A natureza repetitiva de atividades empreendidas de maneira idêntica dia após dia é a base material do que chamamos de "caráter recursivo" da vida social." Neste sentido, a rotinização – reprodução das práticas – possibilita a formação de estruturas sociais e esta, por sua vez, a transformação do agente.

Quando situada no tempo-espaço, a rotinização possibilita a reprodução social; porém, por outro lado, a desrotinização possibilita a mudança da ação prática e da forma como ocorre a reprodução social, havendo a adaptação do ator a novas rotinas que, por sua vez, modifica a estrutura social (GIDDENS, 2009). Para Giddens (2009, p. 71), a desrotinização é propiciada por "situações críticas", sendo estas as "circunstâncias de disjunção radical de tipo imprevisível, que afetam uma quantidade substancial de indivíduos, situações que ameaçam ou destroem as certezas de rotinas institucionalizadas".

A conexão entre agente e estrutura, propiciada pela rotina ou mudança de rotina, possibilita o movimento deste agente no cotidiano, sendo a mecânica desse processo apreendida apenas através da observação de atividades diárias.

Na perspectiva de Giddens (2009, p. 97), os sistemas sociais estão organizados na forma de práticas sociais cambiadas em encontros que se dispersam no tempo-espaço. Porém, os atores, que propiciam a existência das práticas, estão posicionados na amálgama social onde ocorrem as interseções de significação, dominação e legitimação. Esta interseção forma a estrutura que, segundo Giddens (2009, p. 442), é composta por "regras e recursos, recursivamente implicados na reprodução de sistemas sociais. A estrutura existe somente como traços de memória, a base orgânica da cognoscitividade humana, e como exemplificada na ação".

Desta forma, Giddens possibilita o entendimento da reflexividade entre ator e posicionamento, no qual a identidade social do ator advém do seu posicionamento, e este, por sua vez, se transforma conforme a ativação de determinadas prerrogativas do ator.

Outro debate realizado pelo autor possibilita a aproximação dos estudos micro e macrossociológico. Segundo Giddens (2009, p. 165), trabalhos que enfatizam a prática social sob o viés da ótica estruturalista estão incompletos por não se aproximar de "microfenômenos"; lacuna semelhante se apresenta nos estudos de viés microssociológico. Por isso, o autor sugere que o caminho ideal para o avanço do estudo social seja a articulação entre os dois níveis de análise, com a "microtradução de fenômenos estruturais" (GIDDENS, 2009, p. 165). Ainda segundo Giddens (2009, p. 165-166), "as qualidades "estruturais" de sistemas sociais são, diz Collins, os "resultados" da conduta em microssituações, na medida em que não dependem de número, tempo e espaço." Os atores sociais estão posicionados no tempo-espaço em situação de co-presença que implicam na natureza da interação, extraindo o sentido da existência da dicotomia micro/macro.

Segundo Giddens (2009, p. 335), descrever um fenômeno social exige a mediação e compreensão das redes de significado dentro das quais os sujeitos orientam sua conduta, revelando categorias interpretativas através da tradução de tais condutas.

A teoria da estruturação está composta pela junção das perspectivas de coerção e agência. Por um lado, está a estrutura que constrange o ator; por outro lado está o ator que compele e move a estrutura partindo de suas possibilidades de agência. Este movimento faz o agente ser condicionado pela estrutura e condicionante da estrutura, impedindo e possibilitando seu poder de agência. A cognoscitividade do agente possibilita sua mudança de posicionamento dentro da estrutura, o que, por sua vez, faz ocorrer a alteração da estrutura que existe somente como traço de memória. O agente produz, reproduz ou desfaz sua rotina de acordo com o posicionamento momentâneo na estrutura, o que torna possível a alteração da sua ação prática ou discursiva.

Ao delinearem suas abordagens teóricas, estes autores não expõem a sociedade como formada a partir da experiência subjetiva do agente ou da exposição objetivista do coletivo, mas partem da existência de uma articulação entre a cognoscitividade e a estrutura. Num primeiro momento houve o delineamento e a construção da estrutura social que, posteriormente, passou a ser reconstruída em um efeito reflexivo do agente com o agente e do agente com a estrutura, possibilitando a frequência de mudança tanto do sujeito quanto da estrutura. Esta articulação se desenrola pelas práticas sociais historicamente posicionadas, percebida nas duas obras (PETERS, 2006).

Os autores também enfrentam uma problemática considerada de menor importância e ao mesmo tempo complexa na teoria social. Eles ingressam na consideração de que a sociedade se move ao longo do tempo, o que acarreta em uma perspectiva histórica seja da estrutura ou do sujeito. Por outro lado, eles também abordam a relação reflexa e recursiva do sujeito com a estrutura, considerando a construção histórica como advinda do sujeito, o que torna a concepção de 'sociedade' extraordinariamente complexa.

O conceito de prática dos autores foi desenvolvido tomando por base a ação como intencional e que implica na estrutura e nos sistemas sociais objetivados, transcendendo a rígida oposição da ação versus estrutura (SCHATZKI; CETINA; SAVIGNY, 2001). Giddens, em sua contribuição teórica, enfatiza a dualidade da estrutura, enquanto Bourdieu se refere à subjetivação da estrutura. Na perspectiva de Bourdieu, o sujeito modifica a estrutura enquanto sofre mutação advinda desta. Giddens, semelhante a esta colocação, trata da existência do processo reflexivo entre agente e estrutura, existindo mútua influência. Por outro lado, os autores se diferem quando Giddens afirma que o ator tem conhecimento de sua ação e, portanto, possibilidade de executar mudanças em si e na estrutura, enquanto que Bourdieu nos apresenta que o sujeito tem esta liberdade de agir, porém com a ressalva de que os capitais tornam uns sujeitos com maior capacidade de relação com a estrutura que outros. Desta forma, na perspectiva estrutural-construtivista de Bourdieu, o sujeito também tem caráter cogniscitivo destacado por Giddens, porém com a ressalva de que existe a limitação de sua agência implicada pelas formas de capital.

Neste sentido, os autores apresentam conceitos agregados às suas teorias que diferem entre si a fim de exemplificar o conceito-chave de que não existe um mecanismo impessoal operante em nível coletivo que regule o funcionamento das partes, ao mesmo caminho de que a articulação social não se resume à capacidade de agência intencional do ser (PETERS, 2006).

Apesar de existir tais aproximações, enquanto Giddens vê a estruturação como sendo a chave para a compreensão da sociedade, considerando o processo de reificação da prática em estrutura social, Bourdieu se prende nas práticas tratando-as como constitutivas e parte essencial de toda atividade humana (GOLSORKHI et al, 2010).

Outro ponto distinto entre os autores é o fato de Bourdieu desenvolver seus conceitos junto com o objeto, não propondo em nenhum momento a apresentação de um termo em isolado, mas sim sempre vinculando os conceitos com o objeto de estudo. Diferentemente, Giddens apresenta os conceitos de sua teoria de forma isolada, apesar de construir uma articulação entre estes. Porém, Giddens aponta a possibilidade de estudar um objeto social utilizando a suspensão metodológica, o que condiz com a possibilidade de analisar o objeto por partes e resgatando ora determinados conceito e ora outros.

Embora exista esta diferença crucial de foco, o framework semelhante oferece um ponto de partida pelo qual as instituições/entidades podem ser examinadas, "entidades tais como os esquemas cognitivos, normativos e expressivos de produção e interpretação da conduta ou as redes ordenadas de relações cooperativas e/ou conflitivas entre uma multiplicidade de agentes individuais ou instituições" (PETERS, 2006, p. 320). Por isso, esta aproximação, bem como os conceitos agregados de cada teoria, possibilita melhor exploração da Estratégia como Prática.

A Estratégia como Prática Social (SAP) partiu dos questionamentos e críticas implicados nas concepções clássica e evolucionária da Estratégia, surgindo a partir das visões processual e sistêmica do que é estratégia. Outra fonte que alimentou o surgimento desta abordagem foi a virada prática na teoria social, que possibilitou este turn nos estudos organizacionais e também nos estudos de Estratégia (WHITTINGTON, 2006; WHITTINGTON, 2011; OLIVEIRA; BULGACOV; CANHADA, 2011).

Seguindo a virada prática nos estudos organizacionais (BRESNEN, 2009; WHITTINGTON, 2006), a SAP acompanha o pensamento teórico de autores da teoria social contemporânea buscando também superar dualidades existentes na teoria social clássica. Os estudos organizacionais tradicionais sofreram o reflexo do pensamento social clássico, estando pautado em vertentes tradicionais deste pensamento. Por outro lado, a virada prática na teoria social tem propiciado outro olhar para os estudos organizacionais e da estratégia (OLIVEIRA; BULGACOV; CANHADA, 2011; WILSON; JARZABKOWSKI, 2004). Segundo Johnson et al (2007), os estudos em Estratégia também foram influenciados, tardiamente, por duas vertentes maiores de pensamento: o pragmatismo e a teoria social da prática. Na visão destes autores, o pragmatismo parte de uma família maior de 'non-essentialists', incluindo Derrida, Latour e Foucault, que, por sua vez, desconfiam das dualidades da teoria social clássica e se posicionam na aceitação de que o mundo é compreendido como um produto da nossa linguagem e atividade, e não pela sua essência previamente existente. Em outra via, Johnson et al (2007) colocam a teoria social da prática também preocupada com a atividade, porém atenta à relação da atividade com o sistema social e estrutura na qual está inserida, vertente está atrelada às abordagens de Giddens e Bourdieu, entre outros. Apesar de Johnson et al (2007) reconhecerem a existência destas duas correntes em SAP, os autores apontam que as duas perspectivas teóricas se aproximam quando enfatizam a importância de se investigar a atividade prática para compreender o mundo social e o sujeito. "O conhecimento não pode ser uma busca intelectual para verdades absolutas, mas pode ser descoberto na atividade prática; o seu valor não é estabelecido contra as normas abstratas, mas derivado de sua utilidade para orientar a atividade subsequente" (JOHNSON et al, 2007, p. 32, tradução própria).

Estas duas formas semelhantes de se compreender o mundo social originaram algumas correntes teóricas, conforme observado na Figura 1, que auxiliam na compreensão da Estratégia por esta abordagem alternativa. Johnson et al (2007) enfatizam estas quatro perspectivas da figura por serem as mais distintas das abordagens engendradas na SAP. Porém, por outro lado, estes não são os únicos modelos que estão relacionados à SAP, podendo esta ser discutida sob perspectivas do interacionismo simbólico, dramaturgia, etnometodologia, estrutural-construtivismo, entre outras (JARZABKOWSKI, 2007; LA VILLE; MOUNOUD; 2010; GRAHAM-HILL; GRIMES, 2001; JOHNSON, 2007).

Figura 1 - Quatro recursos teóricos para a pesquisa em SAP
Fonte: Johnson et al (2007, p. 37)

Apesar de afirmarem diversas vezes o rompimento de dicotomias existentes na teoria social, Johnson et al (2007) elencam em sua obra o modelo visto na Figura 1. Este modelo apresenta recursos teóricos possíveis para se pesquisar SAP, porém cada um destes contém em si as dicotomias presentes na teoria social clássica. Não obstante, os autores enfatizam a existência de diversas correntes epistemológicas para se acessar o conhecimento da atividade prática, entre as quais estão as abordagens de Eisenhardt (pós-positivista pautada em variáveis) em uma dimensão e de Gioia e Chittipeddi (interpretativista pautada em processos) na dimensão oposta (JOHNSON et al, 2007). Por fim, Johnson et al (2007) apontam a existência de outra forma de se desvendar o problema de pesquisa em questão, trazendo então a abordagem de campo (Bourdieu).

Ainda, ao resgatar Bourdieu para a análise da estratégia, Johnson et al se limitaram apenas à noção de campo – e habitus como nota de rodapé, o que impossibilita o compromisso com a ruptura de tais dicotomias. E, ao resgatar Giddens, Johnson et al focam a composição teórica do ator como elemento que subsidia a pesquisa em SAP, porém sem resgatar a dimensão estrutural – tratando esta dimensão como segundo plano. Contudo, a teoria de Giddens se sedimenta justamente na interação dos planos estrutural e do ator. Desta forma, este modelo se contradiz ao apresentar recursos teóricos que atendem apenas a um dos lados das dicotomias presentes na teoria ao passo que busca romper com tais dicotomias. E, ao tentar eliminar esta contradição por meio do resgate dos conceitos de Giddens e Bourdieu, Johnson et al apenas consolidam tal contradição. Isso se dá uma vez que os conceitos de Giddens e Bourdieu não podem ser desmembrados de suas teorias, e ao proceder com este desmembramento, Johnson et al resgatam em separado a dimensão subjetiva de Giddens e a dimensão de campo de Bourdieu, reafirmando a existência de dicotomias sem elimina-las.

Por outro lado, Orlikowski (2010) evidencia a existência de três modelos para compreender a prática, por meio de questões de ordem ontológica. O primeiro modelo – a prática como um fenômeno – busca acessar o conhecimento através da investigação do que de fato acontece, ou seja, entender o que acontece 'na prática'. "Neste ponto de vista, a prática é reconhecida como um locus central do organizing, e, portanto, fundamental na produção de resultados organizacionais como consequência" (ORLIKOWSKI, 2010, p. 24, tradução própria), se concentrando no nível microanalítico. O segundo modelo – a prática como uma perspectiva – atenta para a importância de se investigar as rotinas, sendo esta atividade cotidiana o objeto de análise. Entretanto, "[...] a perspectiva prática postula que é através da natureza situada e recorrente da atividade cotidiana que as consequências estruturais são produzidas e tornam-se reforçadas ou alteradas ao longo do tempo" (ORLIKOWSKI, 2010, p. 25, tradução própria). O terceiro modelo, tratando a prática como uma filosofia, situa a prática como constitutiva de toda a realidade social. Neste modelo, a autora apresenta a existência de um individualismo ontológico dos dois modelos anteriores, que atribuem ao fenômeno social a construção do sujeito por si só ou da estrutura por si só. Porém, é apresentado o terceiro modelo, com base em Schatzki (2005, p. 466 apud ORLIKOWSKI, 2010) considerando que as práticas são constitutivas da realidade. Ainda nesta terceira perspectiva, a autora destaca a tendência de se considerar "a tecnologia e os seres humanos como interagindo através de relações de influência mútua ou recíproca" (ORLIKOWSKI, 2010, p. 27, tradução própria), indo ao encontro da perspectiva que remete à reflexividade do sujeito com a estrutura em um processo recursivo.

Ao acessar o conhecimento por meio da prática, a Estratégia passou a ser abordada pela SAP não mais como algo que a organização possui, mas algo que a organização faz cotidianamente por meio das atividades vivenciadas pelos praticantes da Estratégia – que compartilham também da vivência em outros contextos sociais – bem como pelo reflexo de uma estrutura social em tais atividades (WHITTINGTON, 2007).

É a linha ontológica comum entre os três modelos analíticos de Orlikowski (2010) – que resumem as abordagens de Bourdieu, de Certeau, Foucault, Giddens, Schatzki, entre outros – que possibilita compreender a prática em sua totalidade, por meio do modelo desenvolvido por Whittington (2006), apresentado na Figura 2, e por Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007), apresentado na Figura 3.

Com os conceitos definidos a partir de Bourdieu, é possível determinar que as práticas sociais podem ser definidas como aquilo que traz a substância histórica para a ação, ligando o habitus ao campo e o campo ao habitus. Também se caracterizam por estarem atreladas à rotina, tendo consigo a carga histórica da experimentação que as tornam temporais e o caráter reflexivo que permite sua mutação. Ao localizar o sujeito empregador da prática social no campo ou na teia social, esta assume o aspecto espacial. Na perspectiva de Bourdieu, as práticas sociais são paradoxais porque não são implicações acidentais e também não são totalmente conscientes. Porém, este paradoxo é rompido por Bourdieu uma vez que a condição paradoxal das práticas sociais isenta este conceito da determinação ou subjetivação, podendo ora ser consciente e reflexivo e ora ser acidental possibilitado pelo habitus. Esta consideração propicia melhor compreensão do modelo de Whittington e abre margens para sua crítica.

Figura 2 - Integrando Práxis, Prática e Praticantes
Fonte: Whittington (2006, p. 621)

Este modelo, da Figura acima, possibilita integrar a perspectiva prática para compreender o strategizing por meio do que Whittington (2006) denominou de Framework integrativo para a prática estratégica. Segundo Whittington (2006, p. 620, tradução própria), "o objetivo [do modelo] é propor uma estrutura que pode unir diferentes subconjuntos dos três elementos fundamentais [práxis, prática e praticante], conforme a tarefa específica de cada um, enquanto, ao mesmo tempo, reconhece a sua adesão definitiva a um todo integrado."

No modelo de Whittington os praticantes são a conexão entre a práxis intraorganizacional e as práticas organizacionais e extra-organizacionais. Whittington (2006) também coloca a práxis como uma performance artística e de improvisação, sendo esta a ação propriamente dita. Considerando o praticante como um ator reflexivo (GIDDENS, 2009), a prática sofre suas alterações por meio da capacidade de agência do praticante, sendo esta alteração propiciada por meio da mudança de sua práxis. Este momento de alteração é denominado por Whittington, utilizando a nomenclatura de Giddens, de 'episódios estratégicos'.

Segundo Whittington (2006), os três elementos – práxis, prática e praticante – não precisam necessariamente ser combinados e analisados simultaneamente, referenciando Giddens (1979) quando sugere a permissão de se realizar o 'parêntesis metodológico' – ou suspensão – de um ou mais elementos. Por outro lado, a teoria prática assume a interconexão destes elementos, explicitado por Jarzabkowski (2005) em seu modelo conceitual para se analisar a SAP, conforme mostra a Figura 3:

Figura 3 - Framework conceitual para análise da SAP
Fonte: Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007, p. 11)

Adicionalmente à conceituação de práxis vista em Whittington (2006), Jarzabkowski conceitua a práxis, com base em Sztompka (1991), como aquilo que está acontecendo na sociedade e o que as pessoas estão fazendo.

As práticas, por sua vez, já possuem maior concretude que a práxis. A prática é a atividade do praticante por meio de recursos existentes em sua vida cotidiana. Os recursos empregados na prática podem formar padrões, e estes podem ser investigados para compreender a construção da atividade estratégica. A prática está ligada ao 'doing' (ato de 'fazer' que compreende o movimento em si), dependendo de recursos comportamentais, discursivos, cognitivos e físicos dos praticantes. O emprego dos recursos dos praticantes torna a prática mutável, diversa e variável conforme é executado o movimento de se pôr em prática e a maneira como o fluxo de execução ocorre (JARZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007). Estes autores conceituam a prática com base em Reckwitz (2002), como um tipo de comportamento rotinizado que possui muitos elementos interconectados uns aos outros, trazendo como exemplo o mapa de Gantt que configura as diferentes formas de se fazer estratégia conforme seu propósito em um determinado momento.

Na análise dos modelos de Whittington e Jarzabkowski, Balogun e Seidl surge alguns gaps. Primeiramente, ao se pautar em Giddens, Whittington (2006) não considera as variações da capacidade de mudança da práxis de agente para agente, carecendo da aproximação com os conceitos de capital, de Bourdieu. Ou seja, Whittington está compartilhando da visão de Giddens ao presumir que todo ator possui a mesma capacidade de agência e cognoscência, e negando o posicionamento de Bourdieu que disse haver capitais variáveis que interferem na capacidade de um sujeito agir em determinada condição. Desta forma, ao unir as perspectivas de Giddens e Bourdieu, consideramos que os atores estratégicos não são igualmente cognoscentes, sendo que isto varia conforme o nível de capital que o sujeito possui. O posicionamento do sujeito no campo é resultado do nível de capital social e isso também influencia a capacidade cognoscente do sujeito.

O fato de o agente se comportar como sujeito cognoscente (GIDDENS, 2009) não o torna por si só capaz de inferir em mudança de sua práxis e, consequentemente, da estrutura que o subjaz, cabendo considerar que a capacidade reflexiva do sujeito depende também do seu posicionamento no campo, propiciado pelo volume de capital que possui (BOURDIEU, 1989; THIRY-CHERQUES, 2006). Desta forma, cabe apontar gap do modelo de Whittington (2006), inserindo a contribuição breve de que o episódio estratégico não torna equânime o encontro entre praticantes, mas cada sujeito possui uma carga de capitais econômico, social e cultural que implica diretamente na relação existente durante o episódio. Ou seja, o encontro entre praticantes remete a um encontro de capitais com diferentes volumes, o que torna esta relação desigual no âmbito de cada capital.

Whittington (1996) faz menção a Bourdieu, mas não utiliza seus conceitos de forma direta. Em outros artigos (WHITTINGTON, 2006, 2011), Whittington menciona Bourdieu apenas para ilustrar a existência de uma virada prática e da teoria da prática nos estudos organizacionais. Ainda, Whittington enfatiza a dimensão do ator individual, desprezando em certo grau a relação deste com o campo e com outros atores, não abarcando os elementos da abordagem estrutural-construtivista de Bourdieu e não rompendo com a dicotomia inicialmente proposta pela abordagem da SAP, de superar as oposições entre objetivismo e subjetivismo, positivismo e antipositivismo, entre outros elencados anteriormente. Nos artigos de Chia (2004) e Chia e Holt (2006), os conceitos de Bourdieu também são desprezados, e a dita virada prática está conectada apenas com a dimensão do agente, apesar de trazer brevemente o conceito de habitus como um conceito isolado, ao invés de trazê-lo como um conceito interconectado com outros diversos explicitados por Bourdieu. Na agenda de pesquisa em SAP, a abordagem que rompe com a dicotomia da teoria social é colocada como contribuição efetiva apenas no artigo de Hellman e Rasche (2006), porém os autores se debruçam na teoria da estruturação de Giddens para ilustrá-la (HURTADO, 2010). A análise de Hurtado (2010) mostra que os estudos em SAP se dizem promissores por buscarem a orientação da virada prática na teoria social, porém se prende ao nível de subjetividade e não elencam os dois níveis – macro e micro – em um mesmo escopo analítico. Isto mostra que os autores que estão em evidência na abordagem da SAP ignoram um debate estruturalista-construtivista para compreender a estratégia nas organizações, se aproximando ou do viés estruturalista ou do viés construtivista, o que não proporciona o rompimento com abordagens anteriores da estratégia e dos estudos organizacionais. Hurtado (2010) conduz uma crítica para alguns autores que vêm trabalhando a abordagem da SAP. Porém, apesar de criticá-los por não se aproximar dos autores que rompem com a dicotomia da teoria social, o próprio Hurtado não apresenta uma agenda de pesquisa com tal aproximação e sequer discute sua proposta inicial de mostrar o que deve ser a prática em SAP.

4. Considerações Finais

Este paper apresentou três modelos disseminados na literatura da SAP. Inicialmente, a proposta da SAP foi de eliminar aspectos opostos evidenciados, por exemplo, em Burrell e Morgan (2006), bastante presentes em outras correntes de estudos em estratégia. Porém, ao observar os aspectos teóricos e metodológicos da SAP, dispostos nos três modelos, percebemos que esta corrente não atinge sua proposta, pelo menos no âmbito da elucidação de cada modelo pelo respectivo autor. Mostrado pontualmente, resgatamos Giddens e Bourdieu, dois autores bastante citados nos textos que disseminam o modelo, a fim de apontar quais aspectos das teorias destes sociólogos não foram abarcados nos framework teóricos.

Desta forma, este paper contribui para direcionar a atenção à base da SAP, mostrando haver a necessidade de rever os modelos teóricos para complementá-los de forma a conduzir à ruptura com as dicotomias presentes no campo dos estudos em estratégia. Assim, enfatizamos a necessidade de amadurecimento dos framework teóricos para posterior análise do campo organizacional, o que evita que a SAP seja desacreditada como uma releitura de abordagens interpretativas, e possibilita trazer essa abordagem como união dos polos subjetivistas e estruturalistas.

Reconhecemos também a necessidade de se promover o debate presente neste paper porém associado a artigos empíricos, o que torna capaz mostrar que, de fato, tanto os framework teóricos quanto os artigos empíricos não estão rompendo com as dicotomias conforme proposta inicial da SAP.

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1. Doutorando em Administração de Empresas na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. É professor assistente na Universidade Cruzeiro do Sul. E-mail: paganini.paulo@gmail.com
2. Doutorando em Engenharia de Produção na Universidade Paulista. É professor assistente na Universidade Cruzeiro do Sul. E-mail: mbernardinos@gmail.com


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 17) Año 2016

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