Espacios. Vol. 37 (Nº 05) Año 2016. Pág. E-2
Marta Costa BECK 1; Eliana Aparecida Araújo FERNANDES; Sandino HOFF
Recibido: 09/10/15 • Aprobado: 12/11/2015
3. As Escolas-Espelho de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero – 2009 a 2013
RESUMO: O objeto de pesquisa foi o Programa de Escolas Interculturais de Fronteira – PEIF, tendo como objetivos: conhecer o Programa, ministrado em duas escolas de fronteira; verificar o intercâmbio havido entre a escola brasileira e a paraguaia; analisar os cinco anos de execução do Programa. Foram analisadas as normas e portarias referentes ao Programa; os documentos gerados pelas duas escolas, como o planejamento curricular comum; e os depoimentos dos professores. Concluiu-se que as ações escolares integraram positivamente os dois povos e produziram experiências educacionais no intercâmbio linguístico e na acessibilidade social e cultural de professores, alunos e acadêmicos das universidades. |
ABSTRACT: This study is about the Intercultural Frontier Schools Program. Its main goals were to learn about its practice in two border schools; to verify the educational exchange that took place between brazilian and paraguayan schools and to analyze the performance of the Program during a period of five years. Reference sources were the official norms, rules and ordinances on the subject; the reported results obtained and generated by teachers and school administrators and teachers' testimonials. The study concluded that positive actions provided integration between paraguayan and brazilian people through linguistic exchange and educational experience, along with cultural and social access for teachers, students and university academicians. |
O Programa Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira - PEIF foi aprovado pelos Ministros de Educação dos países do Mercosul, tendo por objetivo o intercâmbio bilateral de instituições interculturais bilíngues que oferecessem "aos alunos e professores uma formação com base em novo conceito de fronteira, ligado à interação regional e ao conhecimento e respeito pela cultura de países vizinhos" (Brasil, 2005).
Os países aprovaram o Projeto-Piloto de Educação Bilíngue Escolas de Fronteira Português – Espanhol que foi executado em duas escolas fronteiriças do Brasil com a metodologia do Ensino por Projetos de Aprendizagem (PA). O Programa orientou os professores a posicionar o aluno no centro do processo de aprendizagem e teve como palavra-chave o termo Cruce, que significa travessia por ponte, balsa ou por rua. Pela proposta, os professores de ambos os países realizaram juntos o planejamento da organização do trabalho pedagógico e determinaram a forma de realizar o intercâmbio entre escola brasileira e escola de país vizinho. Um dia por semana, a professora da escola paraguaia lecionava na escola brasileira as aulas da matéria programada no Ensino Fundamental em espanhol para os alunos brasileiros; e a professora brasileira, em português, lecionava a matéria do dia para os alunos paraguaios na escola do país vizinho.
Não se tratou de um ensino da língua estrangeira, mas, de um ensino em língua estrangeira, pelo qual o professor do país vizinho era o responsável por proporcionar as aulas em língua materna e promover a cultura e o conhecimento de seu país, mediando-os com os alunos da escola parceira e criando um ambiente real de bilinguismo.
O tema deste artigo é o Programa Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIF), projetado e executado em duas escolas, Escola Estadual João Brembatti Calvoso (Ponta Porã-MS, BR) e Escuela Básica Defensores Del Chaco (Pedro Juan Caballero, Del Amambay-PY). A análise das atividades escolares do Cruce – 2009 a 2013 - inclui a implementação de verbas alocadas pelo Ministério da Educação para a formação continuada dos professores dessas escolas, após 2013. O Programa estabeleceu e a universidade federal desenvolveu a formação continuada de professores e gestores das escolas participantes, nos temas de Interculturalidade e de Ensino por Projetos de Aprendizagem (PA).
Os objetivos específicos da pesquisa foram: conhecer a execução do PEIF na Escola Estadual brasileira; verificar o intercâmbio existente entre ela e a escuela guarani; e analisar os resultados do investimento no Programa do Ministério da Educação.
Os procedimentos metodológicos foram: sistematização dos dados documentais e análise temática; sistematização temática dos depoimentos e análise dos temas significativos.
A fronteira do Brasil possui uma extensão de 15.719 quilômetros de faixa fronteiriça. Segundo o Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE), 588 municípios do Brasil, localizados nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste, fazem divisa com os seguintes países: Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Existem, nestes espaços, 27 cidades denominadas cidades-gêmeas, ou seja, municípios que possuem adensamentos populacionais seccionados pela linha de fronteira, das quais sete ficam em Mato Grosso do Sul e fazem fronteira com Bolívia e Paraguai.
No Tratado de Assunção, firmado em 1991, a língua portuguesa e a espanhola passaram a ser consideradas oficiais dos países do Mercosul (Mercado Comum do Sul). O seu Setor Educacional em seus planos de ação apontou a necessidade de difundir o aprendizado do português e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e não formais e estabeleceu prioridade o o conhecimento mútuo, a cultura de integração e a promoção de políticas regionais de formação de recursos humanos para os profissionais da educação. O Tratado propôs instituir o ensino bilíngue nas cidades de fronteiras.
A implantação do Programa Intercultural Bilíngue de Fronteira teve início no ano de 2004, em Assunção, estando presentes os Ministros da Educação do Setor Educacional do Mercosul. O documento assinado em guarani, português e espanhol teve a intencionalidade de uma política afirmativa, aprovando o Plano de Ação a orientar os países. O texto afirma que a educação deve ser um espaço cultural que fortaleça "a consciência favorável à integração, que valorize a diversidade e reconheça a importância dos códigos culturais e linguísticos". Acrescenta que a fronteira é o lugar privilegiado para o desenvolvimento do Programa nas cidades-gêmeas internacionais, isto é, "aquelas cidades que contam com uma parceria no outro país, propiciando as condições ideais para o intercâmbio e a cooperação interfronteiriça" (Brasil, 2005, p. 7).
Os primeiros esboços do "Projeto-piloto de Educação Bilíngue. Escolas de Fronteira Português-Espanhol" foram alinhavados, em 2004, durante as discussões havidas entre profissionais do Brasil e do Paraguai. As Diretrizes da Declaração Conjunta determinaram a elaboração de um Plano de Trabalho cuja finalidade foi implantar um modelo de ensino comum nas escolas, com ênfase ao ensino do português e do espanhol (Brasil, 2005, p. 8).
O Programa teve por objetivo "formar cidadãos ativos para converter a fronteira em um espaço democrático de cooperação e de interculturalismo", em que alunos e professores experimentariam "diferentes situações de contato com a outra cultura e gerariam critérios tolerantes perante a diversidade". Buscou, ainda, promover a "mobilização e a integração de toda a comunidade escolar para que a escola se perceba como um espaço intercultural e integral, de modo a ser uma das instâncias propulsoras do desenvolvimento regional" (Borges, 2014, p. 8).
A estimativa era que, até final de 2015, o Programa atenderia 108 escolas em 36 municípios, com aproximadamente 2.100 professores, envolvendo 15 universidades federais. As escolas participantes do PEIF receberiam um recurso adicional por meio do Programa Dinheiro Direto nas Escolas, a fim de desenvolver ações específicas que qualifiquem a formação integral dos educandos (Borges, 2014, p. 9).
O Programa teve início, em 2005, estendendo-se, nos anos seguintes, para diversos municípios da fronteira do Brasil com Uruguai, Argentina e Venezuela (2008). No ano de 2009, iniciaram-se as atividades no estado de Mato Grosso do Sul, na cidade de Ponta Porã e a cidade-gêmea Pedro Juan Caballero.
O PEIF obteve recursos do Governo Federal para a cooperação mútua de Ministérios da Educação dos países membros e das demais instituições federais, estaduais e municipais (Portaria nº 798 de 19 de junho de 2012). Também o Programa Mais Educação e o Programa Dinheiro Direto na Escola possibilitaram investimentos para o desenvolvimento do PEIF.
O Ministério da Educação do Brasil proveu, ainda, recursos ao Programa, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com a finalidade de viabilizar a formação inicial e continuada de professores e demais profissionais da educação.
As escolas-espelho que participaram do Programa no período de 2009 a 2013 foram a Escola Estadual João Brembatti Calvoso, de Ponta Porã, MS, (BR) que oferece a Educação Básica para 1.745 alunos e a Escuela Básica 290, Defensores Del Chaco, Departamento Del Amambaí, (PY) que oferece o mesmo nível de ensino para 450 alunos. Nas séries iniciais do Ensino Fundamental da escola brasileira, 250 alunos participaram do Programa e nas séries iniciais da escola paraguaia participaram 180 alunos.
As duas cidades repartem uma estreita faixa de terras correspondente ao limite Brasil-Paraguai, cidades-gêmeas com fronteira seca. Os habitantes de ambas as nacionalidades circulam livremente nos dois países, sem considerar os limites territoriais, estabelecendo uma simbiose cotidiana que ultrapassa aspectos econômicos, sociais, culturais e educacionais. Culturas e línguas mesclam-se nos dois territórios, separados apenas por uma avenida. Segundo Pereira (2003, p. 3), "A proximidade geográfica faz com que a população compartilhe não somente o território, mas também, a cultura"; compartilhe, especificamente, as línguas faladas: o português e o espanhol.
A política afirmativa do Programa propunha uma mudança social. Castoriadis (1982) escreve que nas mudanças sociais sempre deve haver "uma intencionalidade política e sociocultural", porque a práxis histórica "transforma o mundo, ao mesmo tempo em que se transforma". O PEIF, desenvolvido nas escolas, pontuou a intencionalidade de desenvolver a articulação cultural entre os dois países. Assim, a turmas de primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental, bem como professores, coordenadores e direção participaram do trabalho pedagógico da escola brasileira desenvolvido em conjunto com a escola paraguaia. Ou seja, um dia por semana, ocorria o Cruce: o professor brasileiro cruzava a fronteira seca, ministrava aula na escola do Paraguai e o professor paraguaio lecionava na escola do Brasil, cada qual na sua língua materna. Nos demais dias da semana, as aulas eram dadas na língua do correspondente país.
O modelo de ensino comum nas escolas de fronteira - Ensino por Projetos de Aprendizagem (PA) - possibilitou a alunos e professores a oportunidade de se comunicar nas duas línguas e de realizar planejamento curricular comum, calendário escolar, Projeto Político Pedagógico e, consequentemente, estratégias de trabalho escolar que buscaram integrar os dois países. À base do planejamento, no período de 2009 a 2013, foi o intercâmbio executado com professores e alunos de ambas as escolas.
A unidade básica de trabalho, portanto, foi o par de 'escolas-espelho', que se encontraram nas cidades-gêmeas e que atuaram juntas, formando uma unidade operacional e somando seus esforços na construção da educação bilíngue e intercultural e permitindo "aos docentes dos países envolvidos vivenciarem, eles próprios, práticas de bilingüismo e de interculturalidade, semelhantes às que construía com os alunos", conforme relatou uma das professoras da escola do Brasil, que participou do Cruce, em depoimento à pesquisa. A professora enfatizou que, durante os anos do intercâmbio, as crianças e os professores "tinham vontade (de) e muito mais facilidade em aprender a segunda língua e em interessar-se pelas questões culturais". A professora que, durante a vigência do Programa estava encarregada do segundo ano, relatou que a metodologia baseada em projetos de pesquisa foi desenvolvida por meio de problemáticas levantadas pelos alunos e, depois de construídos os mapas conceituais, eram feitos os planos de aula com o desdobramento das atividades interdisciplinares com o professor regente.
Dessa forma, os alunos tiveram grande interesse, pois participavam do planejamento e escolhiam o que queriam estudar em conjunto com o professor. Segundo ela, foi a partir da informação e da reflexão contínua entre alunos e docentes que as ações e as problemáticas do processo de ensino e da aprendizagem puderam ser ressignificadas. A aula se convertia em um espaço para a descoberta das características da segunda língua, por meio de projetos de ensino e de aprendizagem ou pesquisas, definidos conjuntamente.
De acordo com professoras que atuaram nas salas de aula, o Cruce e o trabalho por projetos propiciaram e fomentaram a interação entre os alunos, professores e escolas, porque, conforme afirmaram, "o contato com indivíduos de outro país implicou, necessariamente, o contato com a língua falada". A metodologia utilizada proporcionou a aprendizagem da língua, acrescentaram na perspectiva de Borges (2014. p. 9):
Esta forma de organização metodológica possibilita que se escolham os projetos a serem desenvolvidos localmente, com a participação efetiva de grupos, familiares e comunidade escolar, de acordo com o que se considere mais oportuno e de acordo com as diferentes realidades dos locais em questão.
Com a adesão ao Programa e com os estudos realizados nas formações oferecidas pela UFGD, o Projeto Político Pedagógico da escola foi adequado à proposta e sua construção possibilitou a participação democrática e efetiva de vários segmentos da comunidade escolar interna e externa, segundo o relato da coordenadora da escola.
Em reunião com as professoras, a diretora da escola avaliou o Programa, com as seguintes palavras: "Deixamos de ser coadjuvantes e passamos a ser protagonistas na construção de uma política educacional diferenciada para as regiões de fronteira". Acrescentou a valorização da cultura, a formação da identidade fronteiriça e, principalmente, no caso de professores, a "reflexão sobre o nosso fazer pedagógico, dando um novo enfoque ao nosso cotidiano, pois, aqui, não somos brasileiros ou paraguaios, somos fronteiriços".
Os depoimentos dos professores foram unânimes em considerar que a escola se tornou "mais democrática, aberta e participativa". Alguns professores, antes resistentes à metodologia, perceberam sua validade, principalmente, "pelos resultados positivos alcançados ao longo do processo", conforme afirma uma professora que participou da metodologia proposta pelo Programa desde 2009.
Os resultados positivos, constatados nas turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, apareceram no Índice de Desempenho da Educação Básica (IDEB, 2009), em que a Escola Estadual João Brembatti Calvoso, teve seu índice melhorado de 4,3 para 5,4 no período de vigência do Programa. O intercâmbio, evidentemente, não foi o único fator da elevação do índice, mas, teve forte proporcionalidade. A diretora também comprova os bons resultados com o desempenho dos alunos brasileiros constante nas atas de resultados finais, cujas médias de notas foram mais elevadas do que as de anos anteriores.
Durante o período de 2009 a 2012, ambas as escolas, a paraguaia e a brasileira, participaram efetivamente do Programa. Em 2013, com a saída do Paraguai do Mercosul, a Escuela Básica 290 saiu do PEIF, deixando de existir o intercâmbio ou o Cruce, principal objetivo do Programa, continuaram. Entretanto, seus professores continuaram a participar da formação de professores realizada pela equipe de professores da UFGD.
A Escola Estadual João Brembatti Calvoso, através da adequação do Projeto Político Pedagógico, continuou utilizando a metodologia proposta pelo PEIF, a qual foi expandida para as demais turmas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, trazendo resultados significativos para a escola, segundo depoimentos de professores. Segundo o relato de uma professora do sexto ano, a metodologia do ensino por meio de Projetos de Aprendizagem, "proporcionou uma maior interação entre alunos e professores à medida que o planejamento foi elaborado em conjunto". Segundo ela, a metodologia propiciou, ao aluno, "mais autonomia para desenvolver seus estudos". Ao fazerem as pesquisas, propostas nos projetos, ou, ao pensarem "o que estudar e a forma de estudar e aprender, eles amadureceram, pois, eles próprios buscaram sua aprendizagem". A professora lastima o término do Cruce, pois, os alunos que o fizeram já estavam aprendendo bem a segunda língua.
Com a saída do Paraguai do Mercosul e seu respectivo desligamento do PEIF em 2013, cessou o intercâmbio entre a escola brasileira e a escola paraguaia. Contudo, o Ministério da Educação continuou conveniado com a UFGD para receber verbas específicas para a formação continuada dos professores lotados nas escolas integrantes do PEIF. As escolas que participaram do Programa Mais Educação, continuaram a receber verbas de custeio e de capital do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, cujo repasse de recursos dependia do número de alunos matriculados no Ensino Fundamental registrados no censo escolar do ano anterior.
Com a inclusão do PEIF ao PDDE, houve a adesão de seis escolas municipais de Ponta Porã, cujos professores participaram da formação docente, oferecidas pela UFGD e realizadas em 2013 e 2014.
O primeiro foi o Curso de Aperfeiçoamento: Ensino em Cenário Intercultural de Fronteira, com 100 vagas, para os professores das escolas públicas cadastradas no PEIF, de Ponta Porã e demais municípios. Os professores da Escola Defensores Del Chaco, mesmo não estando mais inscrita no Programa, foram convidados e participaram do Curso. Com carga horária de 160 horas - 150 horas presenciais e 10 horas a distância. As atividades presenciais, ministradas de agosto de 2013 a fevereiro de 2014, foram compostas por cinco módulos de 30 horas versando sobre questões relacionadas à realidade fronteiriça como: noções de cultura, fronteira, diversidade, etnografia e bilinguismo como marca identitária. O conceito de fronteira foi estudado a partir de uma visão, primeiramente local e bilíngue e, posteriormente global e transcultural, incluindo-se os temas de hibridismo e visibilidade do bilinguismo numa situação onde é uma prática diária.
Analisando o curso, percebe-se que a categoria singular/universal esteve presente na análise das singularidades da região. Alves (2003) analisou o regional na perspectiva de que o debate não deve ser somente "centrado sobre a nossa realidade" pois dessa forma, estaríamos partindo do pressuposto de que existem "diversas realidades em contraposição ao que tem existência concreta: a realidade humana" (Alves, 2003, p. 19). Segundo ele, quando são estudados os traços culturais e educacionais de determinadas regiões, buscando as especificidades daquele espaço regional, alguns estudiosos têm enfatizado, exatamente, o que nos diferencia, fazendo com que suas pesquisas "neguem as identidades que nos marcam, a nós e a nossos vizinhos; cavam um fosso, reforçando, portanto, o estranhamento entre povos" (Alves, 2003, p. 20). A análise correta foi abordar a questão da fronteira pela categoria singular/universal: "Se o singular é a forma singular de realização do universal, só iluminado pelo universal e através dele pode conter elementos que contribuam para cimentar a identidade entre os povos" (Alves, 2003, p. 28).
Para Ianni (1996), as relações sociais estabelecem uma expressão cultural singular na região fronteiriça porque "a cultura tem vida, com a vida da sociedade, dos grupos raciais, regionais, religiosos e outros, da mesma forma que com a vida das classes sociais" (Ianni, 1996, p. 143). No emaranhado das relações sociais a cultura foi se estabelecendo na vida das pessoas, de acordo com o desenvolvimento das relações capitalistas. Aos professores esse posicionamento acadêmico ficou aclarado.
Alguns professores que participaram do curso alegaram que os módulos foram bastante teóricos, mas que contribuíram para reflexões sobre o que é viver na fronteira com uma diversidade linguística que é marca identitária, a influência da cultura na escola e a relação da fronteira com o restante do mundo. Ainda, segundo os professores, foram incentivadas pesquisas neste cenário de diversidade e a elaboração de artigos científicos.
O curso não abordou diretamente a formação escolar ou as práticas de sala de aula. Esta foi a crítica feita por professores participantes. De acordo com professores, "os cursos de formação foram excessivamente teóricos, com atividades individuais, sem considerar a realidade e a vivência do professor. Em razão dessas características, têm poucas possibilidades de produzirem impacto na escola", ou diretamente no planejamento do professor, em sala de aula, mais especificamente. A realidade singular sempre é contraditória e dinâmica, porque tem vida e se forma em meio às relações da sociedade capitalista. Para Sturza (2006): "A fronteira assume sentidos contraditórios que se definem não só pelos limites geográficos, como também pelo conteúdo social". Há um acréscimo que se refere ao "contato de territórios, contato de pessoas, contato de línguas" (Sturza, 2006, p. 19).
No ano de 2014, recursos do PEIF foram alocados para a UFGD, com a finalidade da formação continuada dos professores. O total dos recursos foi de R$ 88.492,00, divididos conforme o Planejamento de Atividades – PTA, de 2014, em Recursos Humanos: coordenador geral, coordenador adjunto, professor, supervisor, formador e tutor; gastos com realização da formação: diárias para professores da formação, material de consumo, serviço de cópias para material didático, cerimonial/coffee-break, ressarcimento combustível, séricos gráficos; e realização do Seminário de multilinguismo na Fronteira de Ponta Porã: diárias e passagens aéreas.
Com esses recursos, em 2014, a UFGD ofereceu novo curso ao mesmo público, intitulado: Curso de Aperfeiçoamento em Redesenhando a Fronteira: Língua(s), Cultura e Transculturalidade. As vagas foram ampliadas para 112 professores das escolas públicas, que aderiram ao PEIF de seis municípios. Novamente foram oferecidas vagas para os professores da escuela paraguaia. A oferta do curso se deu de agosto a dezembro de 2014. A carga horária também se ampliou para 240 horas, sendo 100 horas com atividades programadas a distância e 140 horas presencias.
As reflexões desenvolvidas no referido curso trouxeram novamente discussões sobre a fronteira e suas especificidades, como: diversidade, bilinguismo, etnografia, globalização e, também, se ampliaram para outros temas: literatura da fronteira, jogos teatrais no espaço escolar, meio ambiente: gestão ambiental e sustentabilidade, abordando de forma integrada, a relação Homem-Natureza na fronteira Brasil e Paraguai. Ainda discutiram a educação através da Metodologia de Projetos de Pesquisa, a Construção de Mapas Conceituais, Aprendizagem Significativa em Matemática e Física.
Os professores depoentes apontaram "repetição dos conteúdos já ministrados no ano anterior". Enfatizaram que o planejamento do curso de formação visou os professores que entraram no Programa em 2014 e não considerou "as necessidades que os professores tiveram desde 2009". O entendimento foi de que a formação deveria ter sido pensada com os professores participantes desde o início. Sintetizando, "a formação foi pensada, sem ouvir as reais necessidades dos professores e das escolas", conforme alegação de cursistas. Candau (2002) já chamara a atenção sobre o modelo clássico de formação continuada que não contribui, de maneira significativa, para a prática do professor.
Um aspecto curioso foi o fato de, durante dois anos, o PRIF recebeu recursos para realizar formações docentes, de forma ampliada a escolas da região, sem o Cruce, suspenso com a saída do Paraguai do Mercosul. Em 2015, o PEIF encerrou suas atividades de formação continuada porque os recursos a UFGD foram suspensos.
Os limites territoriais entre Paraguai e Brasil foram estabelecidos no Decreto 4.911 de 1872, após a Guerra da Tríplice Aliança, resultando a divisão de duas cidades-gêmeas, de fronteira seca, denominadas Pedro Juán Caballero e Ponta Porã. O Setor Educacional do Mercosul (1991) buscou um maior entrelaçamento entre os países vizinhos e nas duas cidades também foi instituído o Programa Escolas Interculturais de Fronteira. Constatou-se que o intercâmbio escolar proporcionou aos alunos e professores de ambos os países progressos na língua estrangeira, uma compreensão e valorização do Outro e do que o outro pensa e faz.
O Programa, apesar de menos de cinco anos de duração, atingiu, os seus objetivos, pois, durante o período de 2009 a 2013, aconteceu o intercâmbio, o Cruce, entre as "escolas-espelho", com a participação de alunos e professores de ambas as nações. Os cursos de formação docente, oferecidos pela UFGD, foram realizados dentro das programações.
Assim, as relações sociais entre ambos os povos foram construídas com a mediação da educação escolar, da cultura e da convivência social, compondo singularidades importantes na análise deste artigo. Entretanto as singularidades culturais e sociais também se manifestaram seletivas na formação docente, não se incluindo nos cursos as diferenças nas relações de trabalho e nas leis trabalhistas das duas nações, aspecto importante para a vida das famílias que afeta os filhos na escola. Procedentes de ambos os lados, os pais empregam-se num ou noutro país para a sobrevivência da família, estando sujeitos à desvalorização salarial e ao descumprimento das leis trabalhistas. Os filhos acompanham a preocupação dos pais na busca do trabalho, na fragilidade do emprego e na oscilação de salários.
Dessa forma, os problemas estruturais de cidades gêmeas afetam a vida das famílias. Assim como os pais buscam emprego em ambos os países, as crianças também estudam naquele país, onde no momento é o local de emprego dos pais. Os alunos paraguaios procuram muito as escolas brasileiras, porque oferecem gratuitamente uniforme, merenda e material escolar, suavizando os gastos dos pais.
A categoria força de trabalho deveria estar presente nos estudos da formação docente, pois, ela funda e determina as relações sociais, culturais e interculturais. A categoria não foi tema da formação continuada dos professores. Parece-nos que, sem o entendimento das relações de trabalho, uma categoria universal (a totalidade social), é difícil entender as singularidades (culturas, diversidades, línguas faladas no currículo escolar, o Cruce ou as escolas-espelho) na constituição de uma análise de unidade.
Por fim, estranhou-se que, nos cursos de formação docente, após as práticas escolares do intercâmbio entre escola nacional e a guarani, não se tenha programado uma unidade temática do curso no quesito de avaliação das práticas de quase cinco anos do Cruce, estando presentes, ali, todos os professores e administradores, agentes do intercâmbio.
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