Espacios. Vol. 36 (Nº 21) Año 2015. Pág. 9
Lindair Maria Lanz SCHNEIDER 1; Oklinger MANTOVANELI JR.2; Valdinho PELLIN 3
Recibido: 06/07/15 • Aprobado: 24/08/2015
4. Apresentação e Análise dos Dados
RESUMO: O estudo explora temáticas do modo de vida na agricultura e território nos processos de permanência e transformação do cultivo agrícola. Efetuou-se uma análise sobre cultivo de arroz desde a década de 70 até 2008, contemplando nova observação em agosto de 2013, no município de Gaspar – SC. As análises consideraram identidades culturais, políticas e econômicas, bem como a ligação daquela população com o território agrícola e foram realizadas com o uso das técnicas de triangulação e análise de conteúdo destacam-se a perda da importância da instituição familiar, a quebra do encantamento pela agricultura, pelas gerações contemporâneas e um deslocamento, sob a perspectiva territorial. |
ABSTRACT: The study explores themes of livelihood in agriculture and territory in the permanence and transformation processes of crop. A rice cultivation analysis was conducted since the 70's until 2008, covering a new observation in August 2013 in the Municipality of Gaspar - SC. This analysis considered, cultural, political and economic identities, as well as the connection of that population with the agricultural territory. Also, it was performed with the use of triangulation techniques and content analysis. As results stand out the loss of the importance of the family institution, breaking of the agriculture charming by the contemporary generations and an offset under the territorial perspective. |
Mesmo com as grandes dificuldades apresentadas para quem trabalha na agricultura e inúmeras possibilidades de ingressar no mercado de trabalho, muitos jovens continuam exercendo a mesma profissão de seus antepassados no campo. Alguns destes jovens concluíram ensino superior e, mesmo assim, preferem não abandonar antigas funções na lida com a terra, tirando dela tudo que precisam para suprir suas necessidades. É intrigante a ligação criada entre agricultura familiar e território, essa junção que define noção de pertencimento, identidade e modo de viver em processo de ressignificação pelo lugar, enfrentamento cotidiano do contexto, suas relações nele e dele estabelecidas.
A agricultura, de uma forma geral, não conta com mesmo prestígio que outros setores produtivos na sociedade de consumo, cada vez mais urbanizada e alienada de sistemas sociais e ambientais fundamentais à vida humana associada e sua qualidade. Mas, no mínimo enquanto alimento significar energia e mão de obra do capital acredita-se que a agricultura manterá sua importância neste contexto.
Famílias rurais, regidas patriarcalmente, não geram sua renda a partir de mão de obra assalariada. Há relação entre necessidades de consumo da família e trabalho desenvolvido para que consiga atingir uma meta, aquela que define um equilíbrio em torno das necessidades do grupo e sua existência com dignidade.
Através deste artigo procura-se caracterizar aspectos territoriais determinantes no surgimento, permanência e transformações entre gerações de rizicultores do bairro Arraial, cidade de Gaspar, estado de Santa Catarina, sul do Brasil. Toma-se a determinancia, embora não exclusiva ou absoluta, do fator econômico na explicação da permanência e continuação da mesma cultura agrícola. É, porém necessário aprofundar-se na direção, organização e execução do trabalho agrícola para se obter novos estudos e explicações sobre cada uma das realidades em questão.
Uma das questões foi identificar razões do povoamento daquele espaço e por que optaram pela rizicultura. Trata-se de quarenta anos de produção. Da mesma produção de arroz independente de qualquer fator climático e novas opções surgidas no decorrer das décadas. Procurou-se discutir a permanência do mesmo cultivo na região, levando em consideração a percepção inter e intra geracional.
Os anos da década de 1970 são expressivos na formação de novo paradigma, no qual o Estado criou políticas públicas onde agricultura familiar incorporou inovações tecnológicas que resultaram em maior produtividade. Com isso a agricultura familiar desempenha papel fundamental no desenvolvimento do mundo capitalista.
A relevância tanto acadêmica quanto social desta investigação sobre relações agrícolas familiares e seu modo de vida é ponderável se for considerado tanto o êxodo rural, quanto à falta de perspectivas que o campo muitas vezes oferece no presente. Durante levantamento bibliográfico exploratório sobre estudos análogos a este, que merecerá aprofundamentos futuros, foram encontradas poucas teses ou trabalhos realizados que abordassem ou se aproximassem do tema "Agricultura e Territorialidade" e os mais próximos se distanciavam muito desta proposta. Por isso a importância dessa linha de estudo.
Problematizar a agricultura familiar, seus modos de vida e importância que o próprio território traduz, abre brechas para futuros estudos, de outras comunidades e de outros tipos de cultivos agrícolas que muitas vezes não condiz com posição geográfica ou com clima existente, mas cria laços que explicam a própria identidade do grupo enquanto relações sociais e territoriais.
Pode-se descrever território de muitas maneiras. Essa enorme amplitude é descrita pelas ciências da Geografia, Antropologia, Sociologia, Ciência Política e História. Para Santos (2007), território é lugar onde desemboca ações, paixões, poderes, forças e fraquezas. Não é possível caracteriza-lo como conjunto de sistemas naturais ou de coisas sobrepostas. É preciso entende-lo como território usado, não território em si. E território usado é chão mais identidade que, por sua vez, é sentimento de pertencer a aquilo que nos pertence. Território, portanto, é fundamento do trabalho, lugar da residência, trocas materiais, espirituais e exercício da vida.
A noção de território tem base nas relações entre sociedade e natureza. Há uma apropriação do espaço, onde a perspectiva política e cultural auxilia para desenvolvimento de relações de poder e valor cultural que esse espaço traduz ao indivíduo, esse ambiente social, esse espaço pessoal de vida e de seus hábitos, pode ser visto como um "território" (Haesbaert, 2004). Essa região geográfica ou porção de terra delimitada transforma-se em Estado, Município, propriedade. Haesbaert (2004) citando sua obra de 1995, 1997 e 1999 em co-autoria com Limonad, refere-se a três vertentes básicas sobre noção de território:
Independente da localização geográfica e classes sociais que habitam determinados territórios, essa porção de terra cria laços de afetividade, exploração de recursos e direito de acesso. Chama a atenção, através do recorte feito dessa pesquisa, onde os jovens rizicultores do bairro Arraial em Gaspar (SC), Santa Catarina, sul do Brasil procedem inversamente, continuando com mesmo cultivo de seus pais, em algumas famílias, até a terceira geração. Partindo desse pressuposto, a particularidade que chama a atenção é o próprio território, relações que envolvem essa teia social e modo de vida representado na rizicultura daquele contexto.
O debate em relação ao Desenvolvimento Territorial no meio rural, intensifica-se não apenas como mais uma questão de corte setorial, mas como assunto que interessa a toda sociedade. O meio rural passa a ser visto como palco para criação de dinâmicas inovadoras de desenvolvimento. Isso ocorreu, principalmente nas últimas décadas, quando a maioria da população brasileira observa crescimento de uma urbanização caótica e excessiva que se torna cada vez mais problemática em função do agravamento do êxodo rural, sobretudo da população jovem (Andion, 2010).
O processo de urbanização sempre estará presente nas discussões relacionadas ao desenvolvimento no meio rural. Martini (1993) destaca que a redistribuição da população sobre o espaço obedece à evolução da localização e reestruturação da atividade econômica. Ou seja, como a concentração espacial da grande maioria das atividades econômicas localiza-se nos grandes centros, é lá que se concentra também maior parte da população.
Para tentar entender este contexto, o da urbanização, é importante entender a trajetória da agricultura no Brasil e principalmente as principais fases de sua modernização [4] . Martini (1991) lembra que no Brasil constantes super safras contribuíram nos últimos anos para fortalecer imagem de agricultura moderna, autossuficiente e de consequências sociais inevitavelmente benéficas.
Não por acaso, ao analisar as principais fases da modernização da agricultura no país, observou-se que políticas públicas beneficiavam grandes produtores rurais através de subsídios ou políticas específicas para determinados setores e renegavam a segundo plano pequenos produtores. Entendia-se que importante era beneficiar a produção de grande escala e destinada à exportação.
Em nome do progresso, agroecossistemas foram transformados, culturas tradicionais foram distorcidas e estruturas sociais tiveram bases modificadas. Agricultores que não tinham suficiente acesso à terra e outros recursos produtivos não se ajustaram às condições ecológicas e sócio ambientais da agricultura convencional e permaneceram fora da dinâmica do desenvolvimento rural (Moreira e Carmo, 2004).
Entretanto, a pequena produção faz uso mais intensivo de todos os fatores à sua disposição, aproveita parcela maior de sua terra, emprega mais mão de obra e tem produção por hectare muito maior do que conglomerados e latifúndios. É perfeitamente possível conceber arranjos de estrutura produtiva que aproveitem vantagens da propriedade familiar pelo lado da oferta de trabalho, para aumentar a produtividade (Martini, 1991). O pequeno produtor rural também possui importância significativa na agricultura. É necessário incentivar sua permanência nas áreas rurais evitando êxodo rural que provoca processos de urbanização descontroladas nas grandes cidades, ou processos de litoralização como é o caso do estado de Santa Catarina, sul do Brasil.
Além disso, em razão das vantagens comparativas do pequeno produtor em determinadas culturas e regiões bem como potencialidades inexploradas (formas associativas) faz todo o sentido o governo investir recursos governamentais explorando estas alternativas e fortalecendo com isso a agricultura familiar. Um bom exemplo de política pública que caminha nesta direção é o PRONAF (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar) que financia projetos para pequena propriedade rural.
O quadro político e sócio econômico na Itália do século XIX foi responsável pelo êxodo de milhares ítalo-trentino-tiroleses ao Brasil, muitos dos quais se estabelecendo na parte sul do atual município de Gaspar, estado de Santa Catarina, sul do Brasil. Em 17 de junho de 1874, foi assinado um contrato, autorizando Joaquim Caetano Pinto a importar para o Brasil cem mil imigrantes europeus. Em atendimento e esse contrato chegaram, a partir de 1875, muitos italianos a vários pontos de Santa Catarina, entre eles, às terras devolutas dos vales dos Rios Itajaí-Açu e Mirim. Essas terras, imediatamente medidas e demarcadas, foram destinadas a esses imigrantes (Baptista, 1998).
Imigrantes alemães que habitavam o Vale do Itajaí ainda em 1883, já estavam habituados a plantar arroz em terrenos não irrigados, por desconhecerem o processo do plantio irrigado. Já na Itália, no Vale do Rio do Pó plantavam-se extensas áreas de arroz irrigado. Transformavam-se terrenos planos em pequenas áreas de terras bem niveladas, em forma de tabuleiros, com diques em derredor, de modo a ficarem submersas por água, para onde se transplantavam mudas de arroz. Esse método era muito usado na Lombardia, norte da Itália (Berri, 1993).
No ano de 1900, colonos adotaram método do plantio irrigado no município de Gaspar (SC). Mais especificamente no bairro Arraial em 1920, o agricultor Martinho Nifa de Oliveira iniciou plantação de arroz irrigado. O bairro Arraial na década de 1930 já estava ocupado por alemães, mas inúmeros descendentes de italianos, vindos da região do Ribeirão do Ouro (Botuverá - SC), instalaram-se nessa região, atraídos pela exploração do ouro. Ali terrenos baixos eram inóspitos devido à umidade excessiva e pouca drenagem.
Para agricultores que preparavam terreno para cultivo do arroz irrigado, era necessário observar três pontos de suma importância: o terreno não deveria oferecer declividade acentuada para se evitar grande movimentação de barro no seu nivelamento; a propriedade necessitava possuir ribeirão de água que proviesse da parte mais alta do terreno; devia existir possibilidade de se escoar água usada na irrigação para um local mais baixo, de preferência ribeirão.
O bairro Arraial se enquadrava nesses itens, em função das várzeas naturais de seu relevo, clima e fertilidade de seu solo, o que facilitou a rizicultura. Em 1940, a semeação deu-se por lanço à mão, técnica bem mais eficaz que transplantar mudas, e no ano de 1960 começou-se a usar máquinas agrícolas para a colheita do arroz.
O estudo que fundamenta este artigo caracteriza-se como descritivo, analítico, exploratório e valeu-se de abordagem qualitativa sobre o tema. Realizou-se pesquisa de campo com uso de entrevistas abertas e não estruturadas, observação, com uso de gravador, máquina fotográfica e diário de campo para coleta, análise, descrição e sistematização das informações levantadas sobre cotidiano dos agricultores, desde a perspectiva cultural até econômica e política. A observação foi de grande importância para aquisição de dados, onde muitas vezes os agricultores não conseguiam expressar com palavras o que sabiam, ou simplesmente não conseguiam descrever. Buscou-se identificar fatores determinantes à continuação do cultivo do arroz no bairro Arraial, analisando a percepção dos idosos e jovens agricultores.
A pesquisa de campo teve duração de cinco meses, de junho a novembro de 2008, contemplando nova observação em agosto de 2013. O suporte teórico vem principalmente de Haesbaert (2004), Santos (2000), Arendt (1983) e Romanelli (2003). Nesta comunidade há dez famílias produtoras de arroz, das quais quatro famílias foram entrevistadas e analisadas em amostra intencional determinada pelas potencialidades e disponibilidade reveladas em campo.
O estudo resgatou conjunto de percepções reveladas pelos entrevistados e pelas observações, algumas das quais destacadas em depoimentos informais recortados em campo. Aspectos que atravessaram todas as gerações, outros distintos entre as mesmas, e elementos de sociabilidade nas mesmas gerações semelhantes e distintos, capazes de revelar nexos territoriais oriundos do modo de viver, se relacionar e extrair a sobrevivência e produção do presente e futuro naquele espaço.
Sob ponto de vista inter geracional, famílias da primeira geração eram mais numerosas. Isso explicava o significado da instituição família e seu papel naquele contexto sob ponto de vista econômico. Era positivo que famílias fossem numerosas. Um modo de viver assim se depreendia naquela época, e que fazia sentido, tudo indica, desde a vinda dos imigrantes para o Brasil. Quanto mais pessoas para ajudar na lavoura, menos tarefas eram designadas para cada um, menos cansativa e alienante eram as mesmas e mais significativos eram os resultados desta produção.
O espaço produtivo detinha como que um elo que aproximava o homem e sua família da terra, tornando-a um lugar: seu lugar de produção e pertencimento. O resultado final de uma colheita era o de conseguir adquirir mais terras e aumentar a produtividade, para que cada um dos filhos também obtivesse uma determinada área. A possibilidade da dignidade no presente se projetando em projetos de vida e de futuro ali emergia. Está em curso uma dimensão do econômico não produtivista, mas de provimento.
Nas palavras dos entrevistados, havia sempre a esperança de que "o amanhã será melhor". Se em um ano contavam com muito sucesso na colheita, no ano seguinte tudo poderia mudar. E suas vidas se representavam na labuta diária, expressão de suas convicções, fé e conhecimentos, e uma institucionalidade derivava desde a escola, a igreja, a paternidade, a vizinhança. Na primeira geração os filhos estudavam somente três ou quatro anos do ensino básico e após esse período, dedicavam-se somente à agricultura, junto aos pais. Sempre que surgiam possibilidades, o patriarca da família adquiria terrenos próximos ao seu, aumentando produtividade e laços dessa agricultura familiar. Tudo era administrado pelo pai, para bem de toda família.
O principal elemento que determina questões políticas e econômicas é a dimensão cultural, em suas percepções expressas pelo senso de pertencimento àquele espaço familiar contextualizado com vida dedicada à rizicultura. De maneira geral, os pais da segunda geração entrevistada sentem-se felizes ao ver os filhos com o mesmo cultivo. Este envolvimento significa para estes, continuação daquilo que também aprenderam com seus pais (da primeira geração). Este aprendizado, este saber que os permitem se reconhecer como pertencentes e compartilhantes de um mesmo ethos territorial, enquanto conjunto de premissas pelas quais problematizam seu agir localizado, seria algo que consolida ainda mais as relações comuns.
Uma cultura que reafirma suas identidades trás à tona a noção de pertencimento. Aqui se identifica a relação indissociável entre cultural e econômico. Esse "guarda-chuva" cultural passado de geração a geração inclui um rito de comando, amor, cuidado, obediência, esperança e coletividade. A criança, desde muito cedo é, ali, educada no trabalho e para o trabalho. Tão logo adquiria autonomia de andar, realizava pequenas tarefas, na agricultura e em casa. Dessa maneira, aprendia a compartilhar obrigações cotidianas e, além do mais, incorporava o trabalho como atividade e valor primordial (Gomes, 1987).
Nas relações inter geracionais desencadeadas nesse território pode-se, com nitidez verificar o processo de transmissão. Assim como recebem "as regras" de como viver as repetem para as próximas gerações. Porém nessa perspectiva, a família é vista como algo sagrado, onde o genitor e até o Padre da localidade era quem determinavam ações e hábitos dos outros membros da família. Os filhos não tinham escolhas, eram educados à base de imposições de regras e, ainda que vivessem situações constrangedoras, sob tais determinantes, obedeciam.
Neste contexto culturalmente determinado, a mobilidade social mostrava-se baixa e se estabelecia dentro de diretrizes com alguma precisão, onde os mais jovens aprendiam a importância do trabalho, da obediência, e que a família unia-se com alianças de dependência simbólica, econômica e de poder.
Tais premissas de vida não deixavam de contar com consequências de ordem política, que também apareceram nos depoimentos colhidos, sob os quais destacou-se, na terceira geração o leque de possibilidades que o presente vem revelando. Ao lado destas perspectivas de maior mobilidade social, de ressignificação das relações sociais e do espaço de vida e produção. As opções por trabalho se ampliam. Se de um lado as tecnologias disponíveis para exploração do espaço produtivo parecem se ampliar, o mesmo se dá com as alternativas aos que ali permanecem. E a pesquisa, ao se deparar com tal contexto parece oferecer, sob a perspectiva inter geracional, um elemento de grande significação enquanto resultante territorial.
No passado crianças cresciam acompanhando o pai. No presente entende-se que, se de um lado o desdobramento das novas gerações em número de integrantes familiares e novas famílias, face aos constrangimentos do mesmo módulo produtivo, não conseguir oferecer perspectivas de futuro e autonomia a todos, de outro chama a atenção o desejo da permanência dos entrevistados pela presença paterna e pelo poder da tradição.
Além da ligação com a terra, foi possível compreender que, naquele bairro as segundas gerações de rizicultores, que já não são tão jovens, permaneceram fiéis aos ensinamentos de seus antepassados pela representação da autoridade e legitimidade do chefe de família. Essa supremacia masculina era considerada natural, porque na constituição e na reprodução da família nuclear, um homem solteiro torna-se marido e pai, deste modo, chefe de uma família específica, onde exerce controle sobre todos os componentes da mesma, de acordo com gênero e idade. Consequentemente, quase todos os irmãos da mesma família desse meio rural, continuam com mesmo cultivo, um aprendizado de muitas décadas, chamaria de arte a maneira pela qual exercem suas funções.
Segundo rizicultores que pertencem a terceira e quarta geração, há preocupações futuras quanto à continuação da rizicultura. Isso se dá pelas mudanças ocorridas no âmbito familiar, mais precisamente, no número de integrantes por família. Hoje esse núcleo familiar tem somente dois ou três filhos, além destas crianças possuírem todo aparato legal de direitos que as protegem em relação ao trabalho, e a própria educação recebida de hoje é diferente das gerações passadas. A relação de poder patriarcal também sofreu grandes mudanças, onde mulheres dessa geração alcançaram o mercado de trabalho, contribuindo economicamente para manutenção da própria família, e com isso, divisão de poder.
Os olhares desses agricultores se perdem no verde de suas plantações. Quando questionados sobre essas mudanças, eles não possuem respostas para essas questões, como se a continuação de conhecimentos culturais estivesse em fase terminal.
Do ponto de vista econômico, os entrevistados deixaram claro que cultivar arroz nos anos 70 (1970) era um negócio muito lucrativo apesar das dificuldades enfrentadas pela falta de tecnologia da época. Por isso jovens foram influenciados pelos pais a continuarem com mesmo cultivo. A opinião do pai, naquele contexto, conforme relatou-se anteriormente, era importante. Sobremaneira se amparada por um nexo causal tão consistente, qual seja, a lucratividade, em um cálculo custo-benefício ainda gerava conclusões positivas face aos limites tecnológicos com os quais lidavam.
Naquele contexto acreditava-se que incorporando novas técnicas de produção e com ajuda de novos equipamentos, lucros dobrariam. Passados 40 anos os rizicultores de hoje, em suas afirmações, percebem que, apesar do aumento da produtividade, não conseguiram alcançar sucesso desejado. E isso ganha concretude quando afirmam que não há reconhecimento do seu trabalho por parte do governo e do mercado.
Durante as observações de campo, no diálogo com este grupo uma atitude difusa chamou a atenção. O olhar daquele que faz parte da terceira e quarta geração fica perdido, tentando encontrar algo em que possa fixar quando se trata do futuro. "[...] esse ninguém sabe", dizem alguns, "... o futuro não promete muito para o jovem, porque precisa ter muita força de vontade", conclui outro agricultor. A continuidade desse mesmo cultivo desperta preocupação.
Alguns rizicultores num determinado tempo decidiram trabalhar nas indústrias como operários, mas continuaram morando no campo. Em poucos meses estavam de volta envolvidos com agricultura. Uma constatação repleta de sentido econômico e político e que, porém, só faz sentido por meio do olhar com que a sua cultura lhe apresenta a vida. Segundo alguns agricultores, a fábrica é uma verdadeira prisão, há regras para tudo. O contrário da vida no campo, onde decidem; há autonomia na escolha entre trabalhar agora ou descansar, dizem usufruir uma liberdade de ir e vir, algo que na indústria não há.
Uma diferença observada hoje nas famílias desses agricultores é o número de pessoas que as compõe. Nas primeiras gerações, os filhos somavam no mínimo cinco até catorze por família. Hoje houve diminuição considerável. No máximo cada lar tem de quatro a cinco filhos, e no mínimo dois.
Através de Santos, (2007), conseguiu-se perceber que território não deve ser entendido como algo só. Não é porção de terra em si, e sim território usado. É chão mais identidade. A identidade é sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. É fundamento do trabalho, lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida, conforme observado com os rizicultores do Bairro Arraial.
Nas famílias produtoras daquele bairro prepondera o gênero masculino. As mulheres desempenham várias funções, entre elas, todas as tarefas do lar, além de auxiliar na lavoura, cuidar do jardim, horta e animais. São responsáveis pela formação dos filhos e transmissoras de carinho e afeto. Todos esses fatores contribuem para que a maioria das mulheres (filhas), não anseie mesmo destino das mães. Continuar no campo é tarefa muito árdua. Esta é percepção declarada, pelo menos, por aquelas que buscam divisão de poder, e uma quebra deste elemento que consideram repressivo, na tradição transmitida entre gerações.
Não é incomum depoimentos que demonstrem que mulheres da terceira e quarta geração buscam, no presente, outras formas econômicas de suprir suas necessidades, longe da lavoura. As mulheres que fazem parte da terceira e quarta geração entraram para o mercado do trabalho, onde houve enorme mudança nas relações internas. Antes todo trabalho era realizado exclusivamente pela mulher na propriedade rural, hoje é divido por todos os integrantes da família.
A percepção dos entrevistados sugere novos padrões de convívio familiar, onde a autoridade patriarcal perde força e surgem novos papéis entre a família. Esse também é um dos fatores que explicam diminuição do número de filhos por família, essa "ascensão" feminina trouxe profundas mudanças neste convívio determinado, o que parece refletir principalmente na vida dos filhos.
Se no passado a prole frequentava somente quatro anos do ensino básico, e passavam a maior parte de suas vidas com o pai na agricultura, hoje as crianças passam pelo menos nove anos numa instituição educacional, podendo variar para doze ou dezesseis anos.
O contexto que vem se desenhando para as novas gerações de agricultores no Arraial, alinha-se com análises tecidas por Romanelli (2003) sobre a família contemporânea. É preciso considerar as leis que protegem crianças do trabalho infantil, onde as crianças veem de forma diferente o trabalho. Paralelamente a esse enfrentamento, nas famílias de camadas médias, a autoridade parental sofre outros abalos nos esteios de sua legitimidade. Cada vez mais o chefe de família deixa de ser o principal provedor financeiro do consumo doméstico devido à participação crescente dasesposas – e numa segunda etapa, dos filhos – no mercado de trabalho.
Ao mesmo tempo, o saber paterno perde sua eficácia, pois as experiências que ele continua a traduzir estão situadas em um passado que não é mais congruente com um presente marcado por mudanças intensas e rápidas. Além disso, a hierarquia existente na família tende a ser substituída, gradativamente, por vínculos de relativa igualdade entre marido e esposa, o que mina substancialmente a autoridade do marido e pai (Romanelli, 2003).
Conduzido por determinações culturais em franco processo de transformação, e por implicações econômicas, identificou-se no Arraial que enquanto o pai continua vivendo de forma bastante espelhada em seus antepassados, a transformação parece estar em curso a partir de outros membros da família. Não que os pais não sejam influenciados, mas é perceptiva a luta para manter vivo aquilo que aprendeu no decorrer de sua vida. Aspecto que, por si mereceriam novos estudos.
Sob o ponto de vista político, as relações da agricultura familiar desencadeadas sobre determinado território rural, determinam de maneira muito clara o poder usado de certos indivíduos sobre outros também em perspectiva intra geracional.
Como a mulher das gerações contemporâneas também está contribuindo financeiramente para suprir necessidades da família, ela adquire poder, mas não de forma igualitária ao esposo, no território familiar. A vida doméstica se torna mais igualitária a partir de determinações econômicas sobre a politicidade da vida entre homens e mulheres de mesma geração. O que influencia também filhos, que tomam novos posicionamentos, não como meros ouvintes prontos a obedecer, mas como sujeitos que também têm direitos e participam da ação coletiva.
Foi possível a identificação, nos filhos de rizicultores que fazem parte da quarta geração, e alguns da terceira geração, do valor do território em que foram criados e educados. Haesbaert (1997) esclarece porque esse "enraizamento" cria contexto de afeto e significação em que territorialidade é componente do poder, não apenas para criar e manter ordem, mas uma estratégia para criar e manter grande parte do contexto geográfico através do qual se experimenta o mundo e o dota de significado. Por esses motivos muitos jovens, após concluírem seus estudos, preferem continuar no campo a entrar no mercado externo de trabalho.
O estudo que fundamenta este artigo permitiu um conjunto de aproximações significativo, ainda que preliminar, mas não menos significativo, a respeito da realidade, e das transformações da comunidade estudada.
A pesquisa tentou buscar respostas para uma grande questão: caracterizar aspectos territoriais determinantes no surgimento, permanência e transformações entre gerações de rizicultores do bairro Arraial na cidade de Gaspar (SC), Santa Catarina, sul do Brasil. A intenção do estudo da agricultura e territorialidade foi em termos específicos: a) identificar as razões do povoamento daquele espaço; b) contextualizar as opções pela rizicultura; c) discutir a permanência do mesmo cultivo na região, levando em consideração a percepção inter e intra geracional.
Todos esses questionamentos remetem para outras problemáticas, abordadas exploratoriamente neste trabalho, com incursões sobre gênero e família, inevitavelmente decorrentes ainda que sem aprofundamentos teóricos específicos, porém em destaque na medida em que dela emergem. Em relação aos objetivos deste estudo pode-se afirma:
a) A posição geográfica dos terrenos no bairro Arraial é com certeza um fator determinante na escolha do cultivo e na permanência. Os terrenos são baixos, possuem umidade excessiva e pouca drenagem, além das várzeas naturais de seu relevo, clima e fertilidade de seu solo.
b) Como o local é propício para esse tipo de cultivo, gerações mais jovens não veem motivos para tentar outro tipo de cultivo, o que fortalece a continuação, ou permanência. Segundo eles, tudo foi preparado com muito trabalho por seus antepassados, quando a tecnologia ainda não estava presente. Para eles, haveria uma falta de consideração para com os mais idosos, na ruptura desse modelo de vida, pois com as mudanças ocorridas com passar dos anos facilitou bastante o plantio até a colheita, pela inserção das máquinas agrícolas.
c) Outro fator observado é que famílias estudadas constituem-se majoritariamente pelo sexo masculino. As quatro gerações de rizicultores no bairro Arraial que continuam com mesmo cultivo, são em sua maioria filhos homens. Percebe-se que se fosse o contrário, essa tradição já teria se desfeito. Entende-se que essa autoridade vem das experiências comuns vividas no passado, e a continuidade dessa contribui para preservar posições hierárquicas já estabelecidas e que fazem parte da tradição de comandar um determinado grupo.
d) O quarto item é o modelo patriarcal nas famílias, isso se dá principalmente nas primeiras gerações. Tanto as crianças quanto esposa, acompanhavam diariamente o pai até a lavoura. Nessa cultura, a base familiar patriarcal define regras a serem cumpridas num determinado território. Tudo é administrado pelo pai, mas para o bem comum de toda família. Além da ligação com a terra, entendeu-se que rizicultores permaneceram fiéis aos ensinamentos de seus antepassados pela representação da autoridade e legitimidade do chefe de família. Essa supremacia masculina é considerada natural, porque na constituição e reprodução da família nuclear, um homem solteiro torna-se marido e pai, deste modo, chefe de uma família específica, onde exerce controle sobre todos os componentes da mesma, de acordo com o gênero e idade.
e) Um quinto fator que sustenta a continuação do mesmo cultivo é a esperança que o amanhã será melhor. Como espaço familiar e o imenso valor revelado pela instituição familiar, ainda que em bases patriarcais, é na família que a esperança e a solidariedade primeira e os compromissos com o presente e o futuro, a partir da solidez dos vínculos simbólicos e culturais com o passado se apresentam. Portanto merecem ser defendidos e objeto de resistência cotidiana por meio do elemento da esperança e das possibilidades que se abrem e se projetam. Isso se determina a partir do espaço, da própria terra e da valorização de seu patrimônio fundiário: se no presente não obteve a produção desejada, será possível no futuro. O que se abstrai, por fim, dos depoimentos colhidos é aposta de que agricultura, sobretudo familiar, nunca será efetivamente uma indústria, uma vez que é a natureza quem determina o tempo e quantidade.
Se existe algo que enaltece o agricultor, é sua liberdade. Dentro de seu território, ele próprio determina como, onde e quando fazer determinada tarefa, além da diferença crucial que jamais permitirá que o campo seja uma indústria, pelo fato da produção ser determinada pela própria natureza.
Consequentemente, observaram-se neste estudo mudanças ocorridas no âmbito da família rural. A instituição família vem perdendo funções e importância social, onde põem em risco a estrutura familiar, e preservação das alianças mantidas. Nota-se que gerações mais jovens estão ante uma nova territorialidade em curso; estão despindo-se das velhas regras seguidas até então e incorporando novos hábitos, percebem-se distintamente onde a base econômica, política e cultural adquirem novos significados.
Segundo os rizicultores que pertencem à terceira geração, há preocupações futuras quanto à continuação da rizicultura, pelo fato de terem somente dois ou três filhos. Os olhares destes agricultores se perdem no verde de suas plantações. Quando questionados sobre todas estas transformações em curso e o que elas representam em seu modo de vida, eles não possuem respostas. A cena observada e depoimentos colhidos apresentam apreensão e insegurança como se a continuação de conhecimentos culturais estivesse em fase terminal.
No fechamento das análises realizadas destacam-se duas afirmações. Em primeiro lugar, não existe uma vertente que defina o território que tenha maior valor do que outra. Todas são importantes para que a história tenha um significado e uma identidade. Em segundo, o resultado obtido neste estudo, apenas constitui-se numa aproximação provisória da realidade estudada. É evidente que dados obtidos não são suficientes para análise totalizante do objeto, e sim uma aproximação. Portanto, embora o trabalho não venha exaurir o assunto, levanta questões sobre o tema e contribui com estudos futuros deixando marcos exploratórios para, naquele contexto melhor compreender aquele modo de vida, com suas relações de gênero e processos de reestruturação do núcleo familiar, agricultura e meio ambiente, agricultura familiar e políticas públicas, ruralidades e lazer.
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SANTOS. M. (2007). Território e sociedade. Entrevista com Milton Santos. Entrevistadores Odete Seabra, Mônica de Carvalho e José Corrêa Leite. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo.
1.Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau – PPGDR/FURB. Pesquisadora do Núcleo de Políticas Públicas – NPP/PPGDR. Bolsista Capes. E-mail: slindair@yahoo.com.br
2. Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas. Doutor em Sociologia pela UNESP. E-mail: oklinger@furb.br.
3. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da FURB. Pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas do PPGDR/FURB. Bolsista Capes. E-mail: prof.pellin@tpa.com.br.
4. Martini (1991) destaca pelo menos três fases importantes da modernização agrícola: a modernização conservadora (1965 – 1979); a crise e retração (1980 – 1984) e a recuperação e super safras (1985 – 1989). Em todas estas fases o Estado teve um papel decisivo.