Espacios. Vol. 36 (Nº 21) Año 2015. Pág. 4
Jacinta SIDEGUM 1, Denise Quaresma da SILVAO 2; Rafael Cristiano ANDRADE 3; Cláudia Rafaela BASSO 4
Recibido: 05/07/15 • Aprobado: 12/08/2015
2 Metodologia
3 Análise dos resultados e discussão
4 Organização no trabalho
5 Resultado quanto à segurança no trabalho
6 Aspectos sociais do trabalho
7 Conclusão
Referências Bibliográficas
RESUMO: Este estudo objetiva compreender a percepção dos catadores de materiais recicláveis quanto ao significado e centralidade do trabalho na sua vida, promovendo uma discussão sobre quem são estes trabalhadores que realizam um trabalho social e ambiental relevante, mas que, no entanto, tendem a passar despercebidos como atores sociais. A pesquisa se caracterizou como estudo observacional descritivo, com análise de dados sob o paradigma qualitativo e apoio de dados quantitativos. Fizeram parte do estudo 25 catadores de três cidades do Rio Grande do Sul, Brasil. Os resultados apontam que o catador tem consciência da relevância do seu trabalho para a sociedade e para o meio ambiente, mas a desvalorização da atividade pela sociedade os torna inseguros em relação a sua valia social, pois sentem que são vistos como se fossem marginais, desempregados, lixos humanos. |
ABSTRACT: This study aims to understand the perception of waste pickers as to the meaning and centrality of work in your life, promoting a discussion about who are these workers who perform a significant social and environmental work, but which, however, they tend to pass unnoticed as social actors. The research was characterized as descriptive observational study, with data analysis from a qualitative paradigm and quantitative data support. Participants were 25 collectors of three cities of Rio Grande do Sul, Brazil. The results show that the collector is aware of the relevance of their work to society and the environment, but the devaluation of the activity by society makes them insecure about their social value because they feel they are seen as if they were marginal, unemployed, human waste. Keywords: Work; Collectors of waste; Social insertion. |
Ao introduzir a temática do trabalho dos catadores de materiais recicláveis ou da "profissão" de "catador de lixo", há que se mencionar relevante pesquisa realizada por Rios (2008) com os catadores da cidade de Divinópolis (MG), com objetivo de averiguar a percepção destes na sua relação enquanto indivíduo e ser social na sociedade. Este autor aponta que a visão social negativa dos catadores em relação ao seu trabalho tende a ter relação com o material com o qual trabalha - o lixo, além dos preconceitos e rótulos que a sociedade lhes atribui, restringindo sua condição de cidadãos. O presente estudo vem a complementar estes achados, objetivando abordar algumas características do trabalho do catador de lixo, assim como, a compreensão da significação e centralidade do trabalho para estes trabalhadores.
Em relação ao aspecto social do trabalho do catador, há que se considerar que esta atividade acaba sendo um subemprego, com condições precárias tanto na a execução da atividade em si, quanto em relação ao esvaziamento da representação individual e social deste trabalho.
Neste sentido, Legaspe (1998) expõe que a atividade do catador assenta-se em grande parte na exploração de uma massa de trabalhadores miseráveis, que são obrigados, pelos mais diferentes instrumentos coercitivos, econômicos e sociais, a buscar no trabalho realizado com o lixo, formas de sobrevivência, que tendem a marginalizar ainda mais essas pessoas. Esta situação faz com que parte desta população procure alternativas para auxiliar no orçamento familiar. Uma alternativa utilizada em grandes centros urbanos é a coleta de materiais recicláveis. Essa atividade tornou-se interessante tanto do ponto de vista ecológico, como do ponto de vista econômico e da sustentabilidade de diversas famílias de periferia com baixa renda.
Tendo em vista os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e publicadas somente em 2010, eram produzidos diariamente no Brasil 90 milhões de toneladas de lixo por ano sendo que, em média, cada brasileiro gera em média cerca de 190 kg. Levantamos a suposição que atualmente este número esteja superior a estes dados (IBGE, 2008).
Magera (2008) afirma que o catador faz parte da solução deste problema, e que é ele o agente capaz de capturar para o processo produtivo o que foi jogado fora, e fazer com que este recurso volte a ter valor. Mesmo seu aparecimento tendo ocorrido por questões socioeconômicas, isso não diminui sua importância de se relacionar dentro do processo sustentável.
O trabalho de catador de lixo, embora seja realizado predominantemente de modo informal, foi classificado e reconhecido pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE que o caracterizou na CBO – Classificação Brasileira de Ocupações (2002), como um trabalho em que o catador "Cata, seleciona e vende materiais recicláveis como papel, papelão e vidro, bem como materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais recicláveis". Para Magera (2008), a sociedade também necessita reconhecer o catador de materiais recicláveis como um trabalhador que tem um papel importante, do ponto de vista social, econômico e ambiental.
A partir destes pressupostos e da condição do subemprego principalmente nos grandes centros urbanos, uma das maiores preocupações da primeira década deste século foi verificada nas economias subdesenvolvidas, especialmente nas classes mais pobres. Como não encontram empregos condignos, com salários razoáveis, as pessoas acabam por disfarçar o seu desemprego com atividades precárias, do ponto de vista da economia do país, ou de baixíssima remuneração (RIOS, 2008).
Neste contexto, fica evidente que é de fundamental importância que o catador seja visto como um profissional, mas principalmente, que seja beneficiado com condições de trabalho dignas, pois é uma peça relevante no processo de desenvolvimento sustentável, no que se refere a resíduos sólidos (LUCIO, 2004).
O aumento da população e o desenvolvimento da tecnologia, não foram seguidos pela preocupação com o aumento da formação de resíduo indesejável, de maneira que a natureza é incapaz de absorver e processar (STREB e BARBOSA, 2004).
O trabalho como forma de inclusão social também tem papel de destaque neste processo. Em termos de conceituação, Passerino e Montardo (2007) definem inclusão como o processo estabelecido dentro de uma sociedade mais ampla que busca satisfazer necessidades relacionadas com qualidade de vida, desenvolvimento humano, autonomia de renda e equidade de oportunidades e direitos para os indivíduos e grupos sociais que em alguma etapa da sua vida encontram-se em situação de desvantagem com relação a outros membros da sociedade.
Baseado nestes pressupostos expõe-se os objetivos gerais da pesquisa que originou este artigo, que estiveram focados em verificar as condições e caraterísticas do trabalho dos catadores de lixo e compreender qual a percepção destes sobre a centralidade e significado do seu trabalho para si e para a sociedade.
A pesquisa que originou este artigo se caracterizou como um estudo observacional descritivo, com análise de dados sob o paradigma qualitativo e apoio de dados quantitativo. O campo do estudo foram as vias públicas de três cidades do Vale do Sinos (RS, Brasil), mais especificamente da grande Porto Alegre (RS, Brasil).
A amostra foi escolhida de forma aleatória, sendo que a escolha se deu quando os pesquisadores saíram a transitar pelas principais vias urbanas das três cidades em questão. Isto ocorreu em dias nos quais havia recolhimento de lixo oficializado em cada município. Ao transitar nas vias públicas os pesquisadores quando encontravam catadores, questionavam se estes se disponibilizariam a fazer parte da pesquisa, expunham os objetivos e qual o impacto social que possivelmente seria gerado a partir da pesquisa. Por fim, tendo em vista a dificuldade de abordagem e o tempo disponibilizado para convidar de forma aleatória as pessoas que compuseram o grupo amostral, obteve-se a colaboração do total de 25 catadores de materiais recicláveis.
Em termos de procedimentos metodológicos foi utilizada a ferramenta do Design Macroergonômico (DM) proposta por Fogliatto e Guimarães (1999), que se propõe a investigar os problemas e necessidades de soluções a partir da visão dos usuários. Primeiramente, foram realizadas entrevistas abertas, onde foram abordados 05 usuários, independente de sexo, idade, escolaridade e ou local/cidade em que realizavam seu trabalho, com a finalidade de investigar e configurar o problema de pesquisa. As respostas das entrevistas abertas foram agrupadas de acordo com a afinidade, resultando na elaboração de um questionário com os seguintes constructos: Organização do Trabalho, Segurança no Trabalho e Aspectos Sociais do Trabalho. Estes construtos serviram de base para a construção dos questionários que foram aplicados em todos os 25 catadores.
Foi utilizada no questionário uma escala análogo visual de 15 cm, onde consta em suas extremidades valores opostos, sendo que o positivo será representado pelo termo satisfeito, sendo a este atribuído o valor 15, e o negativo foi representado pelo termo insatisfeito, sendo atribuído o valor 0. Nesta escala é quantificada a percepção dada pelo usuário a cada item por ele demandado. Os resultados dos questionários foram expressos em gráficos, sendo considerado o valor 7,5 (escala de 0 a 15 cm), como o ponto de intersecção entre os valores positivos e negativos. Os resultados das entrevistas abertas também serão apresentados a partir das expressões literais dos catadores sobre a sua percepção e sentimento em relação ao seu trabalho.
Atendendo os critérios éticos da pesquisa, os trabalhadores que foram abordados receberam a orientação de que não era necessário fornecer seu nome, preservando a sua identidade e assinaram um Termo de Consentimento Livre e esclarecido, aceitando participar da pesquisa. As questões direcionadas para a identificação do perfil dos usuários foram preenchidas pelos pesquisadores, segundo solicitação do próprio usuário, uma vez que a maioria tinha dificuldades em função de serem semianalfabetos. As questões que continham a escala análogo visual foram respondidas pelos usuários com a orientação dos pesquisadores, já que a metodologia empregada no questionário exige apenas a marcação na escala análogo visual.
Após a aplicação dos questionários foram somados todos os valores correspondentes a cada resposta para a obtenção de uma média aritmética. Estes resultados foram agrupados por afinidade em forma de construtos gerando resultados em gráficos. Além disso, os resultados qualitativos que foram obtidos através de entrevista aberta, as observações diretas dos pesquisadores em campo, estão expostas nos resultados dos constructos as expressões dos entrevistados transcritas de forma literal.
Na análise e discussão de resultados são apresentados o perfil dos entrevistados e os dados obtidos na pesquisa. Os dados qualitativos pertinentes à opinião dos entrevistados sobre o significado do seu trabalho e a representação social deste, serão expostos no decorrer de todo o processo de análise e discussão, conforme pertinência e afinidade com os demais resultados dos constructos.
Para identificar o perfil dos entrevistados foram questionados aspectos relacionados a idade, sexo, escolaridade, profissão anterior a esta atividade, tempo que desempenha esta atividade, motivação para a escolha desta atividade, e renda média mensal da atividade.
A faixa etária de 31 a 60 anos predominou, corresponde a 88% de los entrevistados, sendo que destes, 8% dos trabalhadores encontravam-se na faixa etária com mais de 60 anos e 4% tinha menos de 31 anos.
Gráfico 1 – Faixa etária dos entrevistados
Fonte: Produzido pelos autores, 2015.
Em relação ao sexo ocorreu predominância masculina, totalizando 84% homens e 16% mulheres.
Gráfico 2 – Gênero
Fonte: Produzido pelos autores, 2015.
Os resultados quanto ao nível de escolaridade concentrou seu maior número entre os catadores que cursaram o 1º e o 5º ano do ensino fundamental, correspondendo a 92% entrevistados. É importante comentar que 8% dos entrevistados eram totalmente analfabetos, sendo que estes expressaram que haviam aprendido apenas a "desenhar o nome", mas não sabiam ler nem escrever.
Gráfico 3 – Escolaridade
Fonte: Produzido pelos autores, 2015.
Quando questionados em relação à sua profissão, salienta-se que nenhum entrevistado mencionou a atividade de catador como sendo sua profissão, sendo que todos relataram a profissão que anteriormente praticavam. Foi contatada grande diversidade de atividades praticadas antes do início do desenvolvimento do seu trabalho como catadores, sendo estas oriundas de diversos ramos industriais assim como de empresas de serviços.
Gráfico 4 – Motivos para trabalhar como catador
Fonte: Produzido pelos autores, 2015.
Em relação à justificativa para o início do trabalho como catador, os resultados indicaram que os problemas de saúde apresentaram-se como principal motivo, contemplando 36% dos trabalhadores entrevistados. Ou seja, na medida que não conseguem mais pela enfermidade trabalho formal nas empresas, resta a estas pessoas o trabalho de catadores. Dentre os motivos, a idade avançada também foi apresentada como motivo por 28% , seguida da baixa escolaridade que foi mencionada por 24% e o fator desemprego foi relatado como motivo por 12% dos entrevistados. Configurando esta realidade, foi expresso de forma literal por alguns entrevistados que: "por causa da idade, não consegui mais emprego com carteira assinada" e, ainda "quando procurava emprego e me pediam até onde eu estudei, já sabia que não ia dar, sei apenas escrever meu nome" (Wajnman et al., 2004), embora se refiram ao trabalho formal, corroboram com estes achados quando expõe que os trabalhadores idosos que tem melhores chance de permanecerem ativos são aqueles com melhor escolaridade, mais bem qualificados e que não estão envolvidos em atividades manuais.
De acordo com Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1997), a significância do trabalho situa-se na própria gênese da sociabilidade humana e não pode ser tratada apenas como questão de sobrevivência.
Percebe-se que os motivos que levaram as pessoas à condição do trabalho de catador são os mesmos que, de modo geral, deixam as pessoas à margem da sociedade. Segundo Medeiros e Macedo (2006), os catadores são colocados na chamada "inclusão social perversa", uma maneira de mascarar a exclusão social de que eles são vítimas. Isso acontece porque muitas pessoas associam a exclusão social ao desemprego. O catador de lixo, no entanto, trabalha sem ter um emprego e assim é visto como alguém inserido na sociedade, quando, na verdade, ele pertence a uma categoria que está bem longe de gozar dos direitos e até dos tratamentos dispensados a qualquer trabalhador.
Com relação à renda destes trabalhadores, observou-se que 76% deles têm um rendimento de até um salário mínimo nacional.
Os resultados desta pesquisa indicam as dificuldades enfrentadas pelos catadores de materiais recicláveis em realizar sua atividade, principalmente na forma como os resíduos vêm separados, no trabalho realizado durante o turno da noite e em relação às intempéries do tempo, assim como os locais de destino dos materiais coletados.
Gráfico 4 – Organização no Trabalho
Fonte: Produzido pelos autores, 2015.
Neste constructo, a forma como os resíduos estão separados resultou em alto índice de insatisfação, indicando 1,54 na escala onde zero é insatisfeito e 15 satisfeito. Segundo a maioria dos usuários, se ocorresse a separação do lixo orgânico e do lixo seco nas residências, o trabalho de catação implicaria em menor esforço e auxiliaria na organização por tipos de materiais. Desta forma, se evitaria a abertura de sacolas e sacos plásticos, reduzindo assim a chance de danificá-las. Alguns usuários, afirmaram durante a entrevista, que carregavam consigo sacos e sacolas plásticas sobressalentes para substituir alguma que estivesse danificada. De acordo com Bosi (2008), os programas de coleta seletiva no Brasil, apesar de terem surgido na década de 80, só foram generalizados em meados da década de 90. Outra característica foi mencionada por Rios (2008) quando expõe como resultados da sua pesquisa que alguns catadores comentaram que a coleta seletiva despertou o interesse financeiro de muitas pessoas que anteriormente doavam resíduos e que agora os vendem. Este fato implica em perda financeira que pode ser significativa para os catadores.
O trabalho noturno também foi identificado como uma condição que desagrada a maioria dos trabalhadores, ficando com um índice de 2,06 pontos na escala. Segundo Fisher (apud Rotemberg, 2001) as consequências do trabalho à noite incluem a presença de sintomas e sensações como insônia, irritabilidade, sonolência de dia, sensação de "ressaca" e mau funcionamento do aparelho digestivo, que levam em longo prazo a doenças relacionadas ao sistema gastrointestinal e nervoso. Ainda, com relação ao trabalho noturno todos os trabalhadores mencionaram o sentimento de insegurança e pressão em terminar rapidamente o trabalho devido ao medo de assalto e agressões.
Foi identificado alto índice de insatisfação em relação ao trabalho realizado sob as intempéries do tempo, registrando 2,06 na escala. Nessa assertiva, os trabalhadores que estão amparados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tem no Art. 203 do Decreto-lei nº 229, de 28 de Fevereiro de 1967 um resguardo: "Nos trabalhos realizados a céu aberto, serão exigidas precauções especiais que protejam os empregados contra a insolação, o calor, o frio, a umidade ou os ventos [...]". Este aspecto legal falta aos catadores, por serem trabalhadores informais e desamparados pela CLT. Ainda em relação à exposição ao tempo, os pesquisadores perceberam durante a observação das atividades, que nenhum dos carrinhos dos catadores entrevistados possuía algum tipo de dispositivo que os protegesse contra sol, chuva, ou em relação a qualquer outra condição climática.
Os resultados quanto aos locais onde são vendidos os materiais coletados, evidenciam bom nível de satisfação dos catadores, com 13,66 pontos na escala. Conforme relato dos entrevistados, muitos dos comerciantes que compram os materiais recicláveis possuem um veículo que busca os materiais nas residências dos catadores, o que favorece sobremaneira o trabalho do catador.
Os aspectos abordados neste constructo foram: roupas que usam para desenvolver a atividade, uso de EPIs (Equipamento de Proteção Individual), como se sente em relação aos motoristas no trânsito da cidade, estabilidade da carga sobre o carrinho, e riscos de acidentes no trabalho.
Gráfico 5 – Segurança no Trabalho
Fonte: Produzido pelos autores, 2015.
Foi observado pelos pesquisadores que nenhum dos entrevistados fazia uso de EPIs ou de roupas específicas conforme necessidade da atividade. Esta questão nos reporta novamente à realidade do trabalhador informal, que diferentemente do formal não tem o amparo legal e nem as condições econômicas para aquisição de equipamentos de proteção para o seu trabalho. O resultado de 1,65 em relação as roupas indica o alto grau de insatisfação dos trabalhadores em relação a esta questão.
Os entrevistados mostraram-se insatisfeitos quanto ao sentimento em relação ao comportamento dos motoristas que trafegam nas cidades, resultando em 1,33 pontos na escala, o menor escore pontuado, rrelatando da seguinte forma: "os motoristas não tem paciência nenhuma com os nossos carrinhos" e ainda, "parece que sempre estamos atrapalhando alguém". Alguns entrevistados mencionam que "os motoristas vivem buzinando, como se a rua fosse só deles", outros comentam que "muitas vezes já fui xingado...xingam a gente de tudo". Além das questões relacionadas à segurança, parece emergir neste contexto o fator discriminação social, de certo modo característico da sociedade contemporânea. Neste caso, parece haver certa influencia da sociedade de consumo, onde se separam as pessoas quase que em "castas", distinguindo as que podem e as que não podem consumir. Desta forma, tende a se fazer um tratamento diferenciado para essas pessoas conforme a "casta" que representam. Bauman (1999) corrobora com esta colocação quando expõe que a divisão da sociedade por categorias econômicas é amplamente influenciada pelo estilo de vida norte-americano, na qual o consumo se transformou em compulsão e vício, estimulados pelas forças do mercado, da moda e da propaganda. Assim, a sociedade de consumo produz carências e desejos (materiais e simbólicos) incessantemente. Os indivíduos passam a ser reconhecidos, avaliados e julgados por aquilo que consomem, por aquilo que vestem ou calçam, pelos carros e pelo celular que exibem em público.
Com relação ao item estabilidade da carga sobre o carrinho, a pontuação de 3,35 na escala indica insatisfação. Os trabalhadores relatam que o acondicionamento dos materiais é prejudicado pelas características diferentes dos materiais, como peso, volume e dimensões, desta forma, implicando em dificuldades para acomodar, fixar e transportar com segurança. Neste sentido, ainda encontrou-se outro elemento que corrobora com a insegurança no transporte. Quando questionados quanto aos riscos de acidentes de trabalho, os catadores comentaram que se encontram mais sujeitos a acidentes durante a retirada dos recicláveis das lixeiras e a falta de visibilidade durante o deslocamento com o carrinho, muitas vezes causada pelo tamanho da carga.
Neste constructo, os aspectos relacionados às características sociais do trabalho, tiveram o enfoque para as seguintes questões: o sentimento em relação ao modo como os outros veem o seu trabalho, que obteve resultado negativo de 1,68 na escala, a maneira como se relaciona com pessoas que fazem a mesma atividade, a importância do seu trabalho para as outras pessoas e a importância do seu trabalho para a cidade, que obtiveram cada um dos aspectos um resultado positivo na escala, com quase 14 dos 15 pontos da escala.
Gráfico 6 – Aspectos Social do Trabalho
Fonte: Produzido pelos autores, 2015.
O sentimento com relação ao modo como os outros veem o trabalho do catador, obteve o menor resultado neste constructo, 1,68 na escala. Os usuários relataram sentirem-se discriminados por exercer a atividade de catador. Em um dado momento, durante a entrevista, um dos catadores insistia em manter o seu olhar no chão. Quando o pesquisador questionou o porquê não olha-lo nos olhos, este respondeu que estava habituado a não ser visto como uma pessoa honesta e trabalhadora. Expos isso da seguinte forma "as pessoas não me olham, vão logo embora...acho que tem medo que eu seja um ladrão ou faça mal". Este relato se repetiu, com algumas variáveis, em diversos momentos em contato com os catadores.
A mesma relação com o trabalho, ou melhor, com relação à forma como os outros veem o trabalho do catador, Rios (2008) encontrou na sua pesquisa que a realidade por eles vivenciada e sentida, provavelmente derivam da situação de clandestinidade a que a ocupação desses catadores está geralmente submetida. De acordo com Reynol (2008) são essas relações que as sociedades mantêm com os catadores de lixo: a sociologia do lixo é simples, o rico produz e o pobre trabalha com ele – o rico que o gera é considerado limpo e o pobre que o recolhe é considerado sujo. Entretanto, segundo Calderoni (1999), a percepção que o catador tem de sua atividade é de que se trata de um trabalho honesto e que a sociedade deveria vê-los com menos indiferença.
Quanto ao relacionamento com pessoas que fazem a mesma atividade, obteve-se um resultado positivo, 13,98 na escala. Os usuários afirmaram que "cruzam" por outros catadores nas ruas, e que seu relacionamento é amistoso. Alguns usuários comentaram que já tiveram alguns problemas com pessoas que utilizam carroças, com cavalos, mas que foram fatos isolados na atividade. Isso foi expresso da seguinte forma: "as vezes alguns colegas de trabalho fazem uma corrida para ver quem chega primeiro num lixo que é bom, mas só de vez em quando...quase sempre nos entendemos." Outro relata que quem chega primeiro é aquele que tem carroça ou cavalo". Aqui, vale ressaltar que "o lixo que é bom" na interpretação deles é aquele que tem "coisas boas" que, tanto podem ser relacionadas à comida que ainda está em condições de ser aproveitada ou, a algum objeto de valor que a família descartou, ou ainda, material reciclável como garrafas pet, latinhas ou vidros em certa quantidade. Esta última situação é mais comum em lixos de restaurantes e casas de comercio.
Com relação aos entrevistados acreditarem que seu trabalho é importante para outras pessoas, o resultado também é positivo, igualmente pontuando 13,98 na escala. De acordo com o entendimento dos usuários, com o seu trabalho evitam que grandes quantidades de materiais acumulem-se em frente às residências, mantendo a cidade limpa e evitando o aumento na quantidade de materiais nos aterros sanitários e "lixões". Corroborando com este posicionamento Campos et al. (2009, p. 10) afirmam que "o lixo, que precisa ser recolhido e reciclado para a sobrevivência do planeta, encontra no catador uma saída e o catador, que precisa de trabalho, encontra no lixo uma alternativa de sobrevivência". Neste sentido Bourahli et al (2011) destacam que a reciclagem de materiais apresenta-se como uma ação importante no sentido de minimizar os impactos ambientais e de gerar empregos e renda.
Ainda, com relação à forma em que a sociedade vê o trabalho dos catadores de lixo, Medeiros e Macedo (2006) expõe que os catadores são colocados na chamada "inclusão social perversa". O que ele entende ser uma maneira de mascarar a exclusão social de que eles são vítimas. Isso acontece porque muitas pessoas associam a exclusão social ao desemprego. O catador de lixo, no entanto, trabalha sem ter um emprego e assim é visto como alguém inserido na sociedade, quando, na verdade, ele pertence a uma categoria que está bem longe de gozar dos direitos e até dos tratamentos dispensados aos demais trabalhadores. Segundo Rios (2008), na percepção dos próprios catadores as ideias negativas relacionadas ao lixo como algo sujo, inútil e digno de descarte são estendidas também aos catadores para os olhos de boa parte da sociedade, o que alimenta seus preconceitos.
Tendo em vista a proposta de investigação desta pesquisa que esteve centrada em verificar as características e condições de trabalho dos catadores de materiais recicláveis e a sua percepção sobre o seu trabalho no âmbito individual e a representação deste para a sociedade, verificou-se que as condições de trabalho no que tange ao aspecto social, tende a marginalizar os catadores que acabam se aproximando em termos de identidade com a matéria prima com a qual lidam – o lixo.
Os catadores acreditam que seu trabalho é importante para a sociedade, pois com o seu trabalho mantém a cidade limpa, mas referem não serem vistos desta forma, pois sentem que são vistos como se fossem marginais, desempregados, fracassados no mundo do trabalho, lixos humanos. Nessa assertiva, o lixo é um conceito que está além da visão primária do senso comum, ele separada aquilo que é possível de estar entre a ordem e o que precisa ser rejeitado, excluído, eliminado e por fim, limpo da esfera social. Nossa sociedade tenta a todos os custos encontrar lugares para depositar o lixo, desde aterros para o lixo físico, até lugares próprios para aqueles que não servem mais para nada, como o sanatório, a prisão ou as favelas (Bauman, 2005).
Desta forma, excluímos os catadores na tentativa de manter o caos longe da ordem, em uma oposição binária entre os incluídos e os excluídos: o limpo longe do sujo, o belo longe do feio, o bem sucedido socialmente longe do supostamente fracassado.
Os resultados quanto à organização do trabalho revelam que o trabalho noturno, bem como o realizado sob intempéries são condições que desagradam a maioria. Com relação à segurança e ferramentas utilizadas, evidenciou-se que não são utilizados quaisquer EPIs - Equipamentos de Proteção Individual – e que a condição de maior insegurança é o comportamento dos motoristas no trânsito que implicam em atos inseguros de toda natureza, o que geralmente é resultado do desrespeito pelos que transitam nas vias publicas e que utilizam outros meios de transporte, como é o caso do catador.
Muito embora o catador de materiais recicláveis tenha consciência da relevância do seu trabalho para a sociedade e para o meio ambiente, a desvalorização da atividade pela sociedade como um todo os torna inseguros em relação a sua valia social. No decorrer das entrevistas ficou evidente que os catadores sentem-se discriminados socialmente, pois a dificuldade de se expressar livremente e sem restrições foi uma constante que permeou a pesquisa.
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1.Doutora em Engenharia da Produção com enfase em Ergonomia; Professora e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale (Novo Hamburgo- RS/Brasil). E-mail: jacinta@feevale.br
2. Pós Doutora em Estudos de Genero. Doutora en Educação. Professora e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale (Novo Hamburgo- RS/Brasil) e docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde do Unilasalle (Canoas-RS/Brasil). E-mail: denisequaresmadasilva@gmail.com
3. Graduação em Design. E-mail: rafaelc@dakota.com.br
4. Graduação em Design. E-mail: rafaelabasso@yahoo.com