Espacios. Vol. 36 (Nº 20) Año 2015. Pág. 16
David Neves de OLIVEIRA 1; Julianne Alvim MILWARD-DE-AZEVEDO 2
Recibido: 27/06/15 • Aprobado: 18/08/2015
RESUMO: O trabalho visa delinear os impactos ambientais e a vulnerabilidade social frente ao processo de expansão urbano-industrial do município de Três Rios, situado no estado do Rio de Janeiro, Brasil, resultantes da ocupação desordenada do solo e das atividades industriais nos limites urbanos. O estudo é realizado a partir do viés da teoria marxista em relacionar a acumulação capitalista e a transformação das estruturas espaciais. Conclui-se que o comportamento e as necessidades da população têm de ser a base para o planejamento urbano integrado as questões ecológicas, físicas e sociais administrativas, de modo racional, eficiente e econômico. |
ABSTRACT: This paper aims to delineate the environmental impacts and the social vulnerability across urban-industrial expansion process at Três Rios city, in Rio de Janeiro state, Brazil country. This process resulted in a disorganized land use and industrial activities in the urban edges. The Marxist theory bias conducts this study to relate capitalist accumulation and spatial structures transformation. This exam conclude that the behavior and population needs must be the foundation for urban planning integrated an ecological, physical and administrative social issues with a rational, efficient and economical ways. |
O processo de urbanização é uma realidade mundial e, isso tem ocorrido de forma intensa trazendo consigo mudanças de grande envergadura na dinâmica das cidades. No Brasil, segundo Abiko e Moraes (2009, p.6), o processo de urbanização iniciou-se em "meados do século XX sob a influência de diversos fatores, como a migração rural-urbana e a explosão da industrialização nas grandes cidades". A questão urbana brasileira se transformou no principal problema socioambiental do país, refletindo o modelo de desenvolvimento adotado, conforme análise efetivada por Rudek e Muzzillo (BECKER, 1995, p.13).
Segundo esses pesquisadores, o atual modelo de desenvolvimento nacional teve início na década de 60, especificamente no período de 1956 a 1960, do século passado, quando o Brasil possuía 60 milhões de habitantes. Sendo que 46% dessa população viviam nas cidades, significando cerca de 28 milhões de habitantes urbanos. Na década de 90 tem-se a inversão desse quadro, a população urbana atingiu cerca de 115 milhões de habitantes, de um total de 148 milhões de brasileiros. Em um período de trinta anos, a população total cresceu 2,5 vezes ao passo que o contingente urbano aumentou em 400%. Nesse contexto de expansão urbana, a preocupação do Estado se restringiu aos investimentos em infraestrutura de transporte, comunicações e energia, enquanto os investimentos em saneamento básico e habitação ficaram em segundo plano. É nesse cenário que Rudek e Muzzillo (2007, p.13) observam que "os mais diversos problemas sociais surgem, concomitantes aos problemas ambientais, associados à falta de infraestrutura sanitária adequada para a população urbana, principalmente para os habitantes das periferias das cidades brasileiras" ao estudar a questão ambiental nos planos de desenvolvimento urbano no país.
É importante observar que o processo de urbanização se dá com a substituição do ecossistema natural por outro totalmente desfavorável, que o homem estabelece conforme suas necessidades e poder. O uso excessivo do solo, sem planejamento conforme destaca Falcão e outros pesquisadores (BARROS et al., 2003) termina por gerar intensa degradação dos recursos naturais e problemas ambientais, atingindo, de modo diferenciado, a população de baixa renda, que, sem acesso à moradia, passa a ocupar áreas inadequadas, como por exemplo, as Áreas de Preservação Permanente – APP. A utilização dos espaços sob a perspectiva da produção de mercadorias também se dá conforme as necessidades e ao poder: necessidades de redução de custos das matérias primas, oferta de mão de obra, demanda do mercado em relação à indústria, além dos aspectos relacionados a logística dos insumos e produtos acabados e; por outro lado, o poder do capital com vista a tendência inerente a aglomeração e a concentração urbana da parte do próprio capital. Exposição dada por Harvey (2005, p.55) ao tratar da racionalização geográfica do processo produtivo no sistema capitalista, segundo a teoria da localização de Marx, que "relaciona a acumulação capitalista e a transformação das estruturas espaciais [...] com o intento de entender os relacionamentos recíprocos entre geografia e história".
A crise econômica nas décadas de 80 e 90, do século XX, no Brasil impôs a busca de alternativas e soluções por parte das empresas que permaneceram no mercado. Uma delas foi a desconcentração industrial (FRESCA In: AZZONI, 1985; LENCIONE, 1994; DINIZ, 1995; PACHECO, 1999), "isto é, a transferência das plantas industriais para outros estados que garantissem custos produtivos mais baixos – terra, salários, isenções fiscais, dentre outros – e acesso facilitado a infraestrutura, serviços diversos e mercado consumidor" (FRESCA, 2009, p. 6) . Contudo, mesmo após a estabilização econômica do país na segunda metade da década de 90, as empresas não pararam com o movimento de deslocamento para outras localidades, devido ao saturamento das grandes metrópoles e a expansão da concorrência. Observa-se que o debate acerca da deterioração do meio ambiente, em especial, por conta dos efeitos da expansão dos setores produtivos encontra-se centrado fortemente nas grandes cidades do país. Problemas de planejamento municipal não são exclusivas das grandes metrópoles, situações críticas também são vislumbradas em municípios de pequeno e médio porte (SOARES et al., 2006). Nesse sentido, o município de Três Rios, situado no estado do Rio de Janeiro foco do exame não é uma exceção.
É nesse contexto de expansão urbana e industrial que o propósito desse estudo se coloca em delinear os impactos ambientais e as vulnerabilidades sociais decorrentes da ocupação desordenada do solo e das atividades industriais nos limites urbanos do município de Três Rios. A investigação é dada a partir do viés da teoria marxista em relacionar a acumulação capitalista e a transformação das estruturas espaciais com vista a compreender os relacionamentos recíprocos entre e evolução histórica da localidade estudada e a sua geografia (física, econômica, política e comercial).
A pesquisa realizada caracteriza-se pelo seu caráter exploratório e analítico-descritivo. Quanto aos processos utilizados para a sua investigação, a pesquisa é bibliográfica e constitui-se em um estudo de caso. Bibliográfica, por lançar mão de um conjunto de livros, periódicos, artigos, teses e dissertações, além de documentos oficiais e matérias publicadas na imprensa no período recente sobre o tema abordado, de modo a fornecer material analítico para o exame a ser efetivado; e, é um estudo de caso, em virtude do tema abordado apresentar-se restrito a um município do estado do Rio de Janeiro.
Esse trabalho encontra-se dividido em três seções, sendo a primeira dada pela introdução e última pelas considerações finais. A segunda seção trata do município de Três Rios, subdividindo-se em três partes com o intento de abarcar as suas especificidades.
O município de Três Rios encontra-se localizado a uma altitude de 269 metros, possuindo uma área de 324,496 km2, como demonstrado pela figura 1. Esse município encontra-se situado na região Centro-Sul Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, corresponde àquela área do Vale do Paraíba fronteiriça ao estado de Minas Gerais, subdividida nas microrregiões de Vassouras e de Três Rios ambas cortadas de Oeste para Leste pelo rio Paraíba do Sul.
Figura 1: Localização do Município de Três Rios
Fonte: IBGE, elaboração própria.
O município de Três Rios possui essa denominação devido ao encontro de três rios: Piabanha, Paraibuna e Paraíba do Sul que acontece dentro de seu território, considerado seu principal ponto turístico. O encontro desses três rios forma o único delta triplo da América Latina, por sua beleza natural, ele é considerado o principal ponto turístico da cidade.
Segundo os dados extraídos da página eletrônica da cultura brasileira – 'Associart Brasil', tem-se que a vegetação característica do município de Três Rios é rasteira, Mata Atlântica e Capoeira, topografia de morro arredondado. O clima predominante desse município é mesotérmico com verão quente e chuvoso e o inverno frio e seco, apresentando uma temperatura máxima de 37.4ºC e mínima de 14.4ºC. O tipo de solo encontrado na região é o argiloso sendo que, abaixo de 5 m de profundidade, a predominância é rochosa.
Para compreender o crescimento urbano-industrial do município de Três Rios, localizado na região do Vale Paraíba, é importante considerar o processo de evolução histórico da região, que no início do século XIX, Antônio Barroso Pereira fundou cinco fazendas: Cantagalo, Piracema, Rua-Direita, Boa União e Cachoeira, nas terras que recebera de sesmarias; e, que posteriormente, algumas dessas fazendas foram consideradas grandes produtoras de café. Foi ao longo do Vale, que o café, considerado um artigo de sobremesa, se tornou o principal produto na pauta de exportação brasileira, devido às condições favoráveis para o seu cultivo em larga escala.
Porém, com o aumento da produção, fez-se necessário reduzir as distâncias e os custos dos meios de transporte. Daí a necessidade da construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, com o propósito de escoar a produção dos produtos agrícolas destinados à exportação e ao abastecimento interno. Essa estrada construída em 1858 foi a primeira estrada de ferro construída no país. Tem-se com isso, a questão do deslocamento das mercadorias com vista a expansão e acumulação do capital permeando o processo de construção espacial local e definindo a divisão do trabalho na região, como destacado por Marx (HARVEY, 2005).
De acordo com as informações da página eletrônica da Prefeitura de Três Rios, em 1861, foi inaugurada a rodovia União e Indústria que passava pelas terras da fazenda Cantagalo. Com a inauguração da rodovia, a cidade até então chamada de Entre-Rios passou a ser beneficiada por vários melhoramentos, convertendo-se em grande centro comercial. Em 1867, os trilhos da Estrada de Ferro D. Pedro II chegaram à região e, com o cruzamento da estrada de rodagem, essa localidade se tornou importante entroncamento rodoferroviário. O movimento da rodovia e da ferrovia e a oportunidade do aforamento trouxeram um relativo progresso para o local.
Em agosto de 1890, o povoado de Entre-Rios foi elevado a 2°distrito de Paraíba do Sul, mas havia uma superioridade frente ao distrito sede que logo fez com que a sua população reivindicasse sua emancipação político-administrativa que foi alcançada em dezembro de 1938. Foi em 1943 que o município passou a ser chamado de Três Rios. Durante décadas, o município de Três Rios respirou desenvolvimento seguindo o caminho das linhas férreas. A cidade praticamente nasceu e cresceu a partir do entroncamento ferroviário, principalmente após a instalação da Companhia Industrial Santa Matilde. Com as privatizações das empresas atuantes no segmento e a paralisação da Santa Matilde na década de 1980, a atividade foi extinta do município (ARAÚJO, 2011). Isso levou a estagnação econômica e social por mais de 20 anos.
Por conta dessa conjuntura de estagnação econômica e social em Três Rios e em outros municípios, a governadora Rosinha Garotinho sancionou a Lei n°4.533, de 04/04/2005, que dispõe sobre a política de recuperação econômica de municípios fluminenses e dá outras providências. Essa Lei cita alguns municípios do estado do Rio de Janeiro onde os estabelecimentos industriais passam a ser beneficiados com a redução do ICMS de 19% para 2%. O início da recuperação industrial da cidade de Três Rios passou a ser vislumbrado entre os anos de 2002 e 2003, antes mesmo da implementação da Lei n°4.533. Cabe observar que nesse período não havia iniciativa dos municipal e estadual para o restabelecimento da vocação natural da cidade – os setores ferroviários e metal-mecânico. Isso foi dado por meio do interesse de grupos de empresários, que durante dois anos realizaram reuniões de modo a convergir seus interesses dentro do município. A exemplo do que existe no setor automotivo em Resende e do naval em Angra dos Reis, foi criado em Três Rios, o programa 'Rio Ferroviário', que dá incentivo fiscal ao Estado do Rio de Janeiro para toda a cadeia produtiva do setor (NOGUEIRA & MORAES, 2012).
Outro fator que influenciou além das isenções fiscais o crescimento industrial do município foi à localização estratégica da cidade que tem fácil acesso a três das maiores capitas do país: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Três Rios se liga ao Rio de Janeiro, a Juiz de Fora e a Belo Horizonte pela BR-040 e a São Paulo e ao Vale do Paraíba pela BR-393. As duas rodovias passam próximas do centro do município. A cidade é cortada ainda pelas ferrovias Centro-Leste (com uma malha de 7 mil quilômetros entre as regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste) e MRS (com uma extensão de 1,6 mil quilômetros nos estados do Rio, São Paulo e Minas Gerais) (MILWARD-DE-AZEVEDO, 2012).
O município já foi considerado o maior entroncamento rodoferroviário da América Latina. "Aqui, há saída para qualquer parte do Brasil: São Paulo,Volta Redonda, Rio de Janeiro, Juiz de Fora", diz o presidente da Companhia de Desenvolvimento de Três Rios (Codetri), Landirso Ramos Jacob. "Essa proximidade facilita muito. As empresas que estão aqui podem importar e exportar mercadorias sem problemas, usando o Porto do Rio de Janeiro [...]" (ABDALA In: MILWARD-DE-AZEVEDO. 2012).
Sendo assim a conjunção desses fatores resultou na forte expansão da cidade de Três Rios nos últimos anos, seguindo a mesma trajetória de muitas cidades brasileiras em crescimento, sendo considerado um dos polos industriais que mais cresce no Estado do Rio de Janeiro, resultando em um maior crescimento urbano. Isso é constatado no gráfico 1, o município de Três Rios no ano de 2000 tinha 71.976 habitantes, já no ano de 2010 eram 77.432, segundo IBGE. Contudo, entre os anos 2000 e 2007 verificou-se que o crescimento não foi tão significativo, já que em 2007 a população do município era de 72.848 habitantes. Após esse período, o crescimento começou a ganhar força, devido provavelmente, a consolidação das empresas que foram atraídas pelas isenções fiscais do município.
Gráfico 1:Crescimento Populacional do município de Três Rios
Fonte: IBGE, elaboração própria.
O movimento de expansão das cidades não se dá sem desdobramentos, em especial, no que se refere aos aspectos ambientais e sociais, refletindo na qualidade de vida da população. Falcão et al. (BERGAMO, 2006, p.2), observa que a "frequente deterioração do ambiente das cidades, decorrente do processo urbano, influi na qualidade de vida da população, uma vez que gera vários problemas ambientais, incluindo a alteração do sistema da bacia hidrográfica". Esses pesquisadores destacam que esse processo de deterioração do ambiente independe da dimensão das cidades, o que torna patente a ausência de planejamento ambiental. A consequência disso resulta em prejuízos à população e aos órgãos públicos, que, às vezes, usam medidas paliativas que não promovem a resolução efetiva dos problemas.
De acordo com Abiko e Moaes (2009, p.6), a concentração da população nas áreas urbanas interfere no meio-ambiente natural. Isso se dá principalmente de três formas: "a) pela utilização do solo natural como solo urbano, b) pela utilização, extração e esgotamento dos recursos naturais e c) pela disposição dos resíduos urbanos". Porém, a concentração populacional não se dá de modo homogêneo, bem como os impactos ambientais e sociais.
Atualmente, o que se constata no centro do município de Três Rios é a utilização do solo em sua capacidade máxima, por meio de construções, que ocupam grande parcela dos loteamentos, figura 2, com isso tem-se um processo de impermeabilização do solo por meio dos telhados e da pavimentação das ruas, calçadas e pátios. Dessa forma, a parcela da água que antes infiltrava pelo solo passa a escoar pelos condutos, aumentando o escoamento superficial. O volume que escoava lentamente pela superfície do solo e ficava retido pelas plantas, com a urbanização, passa a escoar no canal, exigindo maior capacidade de escoamento das seções. O hidrograma típico de uma bacia natural e aquele resultante da urbanização são apresentados no gráfico 2. Os efeitos principais da urbanização são dados pelo aumento da vazão máxima, da antecipação do pico e o aumento do volume do escoamento superficial (TUCCI, 1979).
Figura 2: Urbanização do centro de Três Rios
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Gráfico 2: Hidrograma de área urbanizada e área não urbanizada
Fonte: TUCCI (1979)
Exemplo das consequências da impermeabilização do solo pode ser dada na tarde do domingo do dia 1º de Janeiro de 2012, quando houve uma forte chuva na cidade de Três Rios, trazendo consigo grandes prejuízos a sua população (Figuras 3 e 4). A Praça São Sebastião e algumas ruas do Centro, como a 14 de Dezembro e a Barão do Rio Branco, ficaram alagadas.
Figura 3 e 4: Inundação nas ruas do centro de Três Rios
Fonte: http://riosulnet.globo.com/conteudo/Imagens/tres%20rios385.jpg
Fonte:http://miracemarj.blogspot.com.br/2012/01/centro-de-tres-rios-com-enchente.html
Diferentemente do centro do município que abriga às melhores condições de infraestruturas e menores riscos ambientais, em algumas das periferias a pobreza da população interfere de forma aguda nas condições ambientais locais. Os pobres urbanos não tendo alternativas, muitas vezes estabelecem-se em assentamentos precários em áreas ecologicamente frágeis (Figura 5 e 6). Abiko e Moraes (2009) explanam que na maioria das vezes esse tipo de assentamento precário não são atendidos de forma adequada por coleta de esgotos, por sistemas de drenagem ou coleta de lixo e em consequência, os resíduos líquidos e sólidos se acumulam e degradam o solo, causando sérios problemas socioambientais, como doenças, contaminação do solo e da água, dentre outros. Essa realidade, infelizmente, é verificada em Três Rios.
Figura 5 e 6: Áreas ecologicamente frágeis e com ausência de saneamento básico
A expansão da cidade de Três Rios tem atingido níveis cada vez maiores, isso pode ser exemplificado com a criação de um novo bairro (Figura 7), o segundo maior do município, ocupando uma área de 1.000.000 m², ficando atrás somente do bairro Vila Isabel. Porém, o local no qual se situará o novo bairro observa-se diversas irregularidades como loteamentos em topo de morro, loteamentos próximos ou em cima de nascentes, áreas estas que são consideradas por Lei Áreas de Preservação Permanente – APP. É importante destacar que a topografia do município possibilita os assentamentos de moradias em topo de morro, já que apresenta uma conformação mais plana, arredondada.
Figura7: Parte dos loteamentos do novo bairro de Três Rios
Com mais de 85% da população brasileira vivendo em áreas urbanas, as águas de superfície sofrem contaminação devido às atividades antrópicas crescentes, sobretudo, quanto à descarga de resíduos industriais e domésticos e da consequente modificação do uso do solo pelos processos de urbanização, contaminação do ar, industrialização e agricultura intensiva (PITRAT In: GOMES et al., 2010). Ainda segundo esse autor, muitas das vezes o impacto proveniente do processo de urbanização pode ser identificado através de concentrações anômalas de metais dissolvidos na água superficial.
[...] entre os metais traços é possível separar os elementos biologicamente essenciais (como zinco, cobre, cobalto, manganês, selênio), daqueles que não apresentam nenhuma utilidade biológica, ou seja, os metais não essenciais (como mercúrio, chumbo, cádmio, arsênio, estanho). Vale ressaltar ainda que cada metal traço (essencial ou não essencial) apresenta um caráter tóxico para os seres vivos a partir de uma determinada concentração (PITRAT In: GOMES et al., 2010) .
Gomes e outros pesquisadores (2010) realizaram a avaliação da qualidade das águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (BHMPS) através da concentração de metais-traço, nos arredores da cidade de Três Rios. Foram selecionados 4 (quatro) pontos de amostragem de água superficial para análise da carga dissolvida nos principais rios da cidade de Três Rios. Conforme a figura 8 tem-se: (i) ponto 01 – Rio Paraíba do Sul antes de passar pela área urbana do município de Três Rios (RJ); (ii) ponto 02 - Rio Piabanha, no encontro dos 3 Rios; (iii) ponto 03 - Rio Paraíba do Sul após o mesmo passar pela cidade, no encontro de 3 Rios; (iv) ponto 04 - Rio Paraibuna, na cidade vizinha de Chiador (MG).
Figura 8: Localização dos pontos amostrados nas imediações de Três Rios – RJ.
Fonte: Gomes et al. (2010, p.2)
As concentrações encontradas em agosto de 2010 pelos pesquisadores para os metais dissolvidos nos rios que passam por Três Rios estão apresentadas na Tabela 1. Algumas dessas concentrações encontram-se acima dos Valores Máximos Permitidos (VMP) recomendados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente para águas superficiais de Classe (CONAMA 357/2005).
Tabela 1. Elementos-traços dissolvidos nos rios Paraiba do SUl, Piabanha e Paraibuna
Fonte: GOMES et al. 2010.
No Ponto 03, quatro elementos sofreram incremento considerável, cerca de 51% para o antimônio, 88% para o cobre, 144% para o chumbo e 264% para o zinco. O aumento abrupto desses metais após o Rio Paraíba do Sul atravessar a área urbana sugere um enriquecimento de elementos-traço na carga dissolvida que pode estar associado à descarga inadequada de efluentes na cidade de Três Rios (GOMES et al., 2010).
Quanto aos aspectos dos riscos, a intoxicação crônica por chumbo pode promover sinais de fadiga, insônia, irritabilidade, cefaleias, dor articular, disfunções reprodutivas e sintomas gastrintestinais (BARBOSA & ARAÚJO In: GOMES et al., 2010). Nos peixes, as absorções de valores anômalos de chumbo dificultam as trocas respiratórias. No organismo humano o antimônio pode ser útil, mas em pequenas doses diárias e mesmo dosagens mínimas podem causar efeitos adversos como fraqueza, depressão e dores de cabeça e a ingestão em altas doses pode provocar o óbito (GOMES et al., 2010).
O zinco pode se acumular em animais aquáticos e apresentar de 51 a 1130 vezes a concentração presente na água, estudos indicam que o zinco não se bioacumula na cadeia alimentar. Uma vez ingerido o zinco pode ser absorvido pelo sistema gastrointestinal. Se ingerido em altas doses por curto período de tempo o zinco pode causar dores estomacais, náuseas e vômitos (AZEVEDO & CHASIN In: GOMES, 2010).
Não há no município de Três Rios estimativas quanto a incidências de problemas de saúde apresentadas pela sua população relacionada com as substâncias apresentadas nos rios que passam pela cidade. Entretanto, há um consenso entre os seus habitantes de que a água para beber é imprópria, bem como há limitação de consumo de peixes dos rios que banham a cidade por parte de seus habitantes, sobretudo os ligados ao comércio.
O crescimento econômico de Três Rios por conta de seu entroncamento rodoferroviário e isenções fiscais são bem-vindos a população da cidade e aos que migram para ela com vista a uma melhor qualidade de vida. Entretanto, qualidade de vida não é dada somente pelo acesso aos empregos prometidos com esse crescimento econômico; mas, pela qualidade da utilização dos espaços construídos e naturais. O planejamento urbano se coloca como desafio atual, dado que até a algumas décadas atrás era considerado apenas os aspectos sociais, culturais e econômicos, admitindo que o ambiente físico deveria se adequar às atividades do homem. Hoje, como exposto por Rudek e Muzzillo (2007, p.14), os processos naturais devem ser levados em conta no planejamento de uma área urbana e o meio físico, biótico e antrópico devem ser considerados de forma integrada. Isso significa que o planejamento urbano tem que ser trabalhado como um sistema aberto, onde os seus componentes dependem uns dos outros (MOTA In: RUDEK & MUZZILO, 2007).
A cidade pode ser entendida como um Ecossistema Urbano, cujas necessidades biológicas (ar, água, energia, etc) estão diretamente relacionadas às suas necessidades culturais (organização política, sistema econômico, tecnologia, transporte, etc). Ao mesmo tempo, as transformações ambientais provocadas pelo homem são rápidas, contínuas e degradantes, não permitindo uma recuperação adequada do meio natural. Portanto, a cidade é um local de constante mutação (RUDEK & MUZZILLO, 2007, p.14).
Dado que as cidades estão em contínuo processo de transformações, devido às mudanças do próprio sistema capitalista em busca de sua expansão e acumulação de capital (MARX In: HARVEY, 2005), as ações corretivas no dia a dia são mais constatadas do que as diretivas em relação à produção dos espaços. Isso é testemunhado pelas ações da prefeitura quando do período de chuvas no município de Três Rios. A ausência de um planejamento consistente com o ambiente natural também é observada, com a criação de um novo bairro, que por suas características resultará em efeitos negativos em sua população, com vista a queda de sua qualidade de vida, dados pela degradação do meio ambiente, ainda mais em uma área que deveria se manter preservada. Esse cenário, infelizmente, é consistente com o processo inadequado de crescimento urbano que se reflete "na ausência de condições sanitárias, ocupação de áreas irregulares, ocupação de áreas de risco ou de proteção ambiental, contaminação das nascentes, lençóis freáticos e rios" (RUDEK & MUZZILLO, 2007, p.14), visualizado nas imagens extraídas de diversas localidades da cidade estudada.
Como bem exposto por Mendonça (RUDEK & MUZZILLO, 2007, p.14), a "degradação do ambiente e a queda da qualidade de vida da população se acentuam em espaços onde o homem se aglomera". Ainda segundo esse autor isso pode ser verificado nos centros urbano-industriais, em cujos fundos de vales ou até mesmo bairros residenciais se misturam o lixo e a miséria. Temos aí a vulnerabilidade social entranhada com a vulnerabilidade ambiental.
Conclui-se que o comportamento e as necessidades da população têm de ser a base para o planejamento urbano. Esse planejamento tem de ser desenvolvido com vista a integrar as questões ecológicas, físicas e sociais administrativas, de modo racional, eficiente e econômico. Sendo assim, "planejar o urbano é [...] pensar em todas as variáveis que integram a sociedade ao seu ambiente físico" (RUDEK & MUZZILLO, 2007, p.15), com vista a reduzir os impactos ambientais e a vulnerabilidade social.
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1. Mestrando em Geociências, Universidade Federal Fluminense/ Brasil. Bacharel em Gestão Ambiental, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Paraíba do Sul. (davidnevesoliveira@hotmail.com)
2. Professora Adjunta do Curso de Gestão Ambiental, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/ Brasil. Doutora em Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Administração Pública, Fundação Getulio Vargas. Bacharel em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal Fluminense. (juliannemilward.ufrrj@gmail.com)