Espacios. Vol. 33 (3) 2012. Pág. 2 |
Tecnologia e inovação: novos desafios para o BrasilTechnology and innovation: new challenges for BrazilDiego Bonaldo Coelho 1 y Paulo Roberto Feldmann 2 Recibido: 03-07-2011 - Aprobado: 09-09-2011 |
Contenido
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RESUMO: |
ABSTRACT: |
IntroduçãoCom acepções e relevâncias distintas ao longo do tempo, tecnologia e inovação vêm sendo largamente utilizadas nos debates econômicos e organizacionais desde o século XIX. A importância dos termos reside na centralidade teórica dada por autores seminais, como Schumpeter, Penrose, Nelson, Freeman, Prahalad e Christensen, como sendo estes os fatores determinantes tanto de questões macroeconômicas, como mudanças estruturais e desenvolvimento econômico, quanto microeconômicas e organizacionais, como crescimento das firmas e maximização de seus lucros. Dessa forma, não há economista e/ou administrador que não considere a tecnologia e a inovação como fundamentais nas dinâmicas e performances econômicas e organizacionais. Contudo, essa relevância teórico-analítica tem seu custo mercadológico. Dados os seus poderes explicativos, atualmente se nota que ambas têm se assumido de certos modismos e banalizações, tornando-se buzzwords que são levadas a cabo nos mais diversos discursos, padecendo de rigor. No que diz respeito à reflexão acerca de suas complexidades frente aos desafios contemporâneos, ainda que a inovação seja histórica e periodicamente redescoberta nas pautas empresariais como o grande motor do crescimento nos momentos de crise, seu furor sempre é seguido de uma execução medíocre e de resultados anêmicos (Kanter, 2006). Como argumenta Kanter (2006), desde meados do século XX ondas de desafios de competitividade são colocadas, gerando discursos, consultorias e buscas generalizadas pela inovação, que acabam por reascender o papel da tecnologia nas empresas. Entretanto, na maioria dos casos seus resultados não são satisfatórios, culminado em desempenhos pífios. Por mais que se sensibilize e se dissemine no mercado a importância da tecnologia e da inovação, as dificuldades em realizá-las parecem não estar superadas e os seus entraves ainda persistem, destacadamente nos países latino-americanos. Colocado o Brasil na discussão, a situação é proeminente. Nas últimas décadas, registram-se nos discursos governamentais e privados a defesa irrestrita da necessidade de se evoluir tecnologicamente a indústria brasileira, bem como (e conseqüentemente) sua capacidade inovativa. O objetivo é o de se atingir maior solidez de sua estrutura e imprimir intensa dinâmica de ciclos de crescimento, almejando, com isso, constituir empresas competitivas com melhores posições nos mercados internacionais, impactando positivamente toda a economia nacional e o bem-estar da população. Não obstante, apesar dos resultados empíricos consignarem alguns avanços, fica-se muito aquém do que se poderia atingir a partir do potencial brasileiro e dos esforços empenhados e constantes defesas discursivas do tema no país. Quando analisada a indústria brasileira, por exemplo, o que se observa é que, a despeito de seus grandes avanços históricos – com boa diversificação e articulação, sua participação relativa no PIB ainda é muito baixa quando comparada aos países asiáticos (IPEA, 2010). Sua competitividade também se apresenta relativamente baixa, com o Brasil perdendo mercados internacionais em setores considerados como mais dinâmicos e intensivos em tecnologia, estando sua pauta de exportação concentrada em indústrias de baixo conteúdo tecnológico (Xavier et. al. 2008). Pela ótica da inovação a situação não se altera muito. No último ranking mundial de inovação publicado pela INSEAD (2010), o Brasil se posicionou em 68° dentre 132 países, atrás do Chile, Costa Rica e Uruguai, não sendo também muito bem colocado no ranking de patentes, com o 24° lugar (OMPI, 2010). Inevitavelmente, questiona-se: por que se avança com tanta dificuldade em tecnologia e inovação no Brasil, uma vez que são temas reconhecida e disseminadamente centrais para a competitividade das empresas e do desenvolvimento econômico? A presente reflexão se propõe a adentrar pelos meandros desse debate, sugerindo que seu caminho seja dado primeiramente pela retomada do entendimento da tecnologia e da inovação, suas peculiaridades e interações, por ótica que seja capaz de abarcar toda a complexidade dos fenômenos, livrando-se das armadilhas de fórmulas prontas e discursos simplistas e motivadores proferidos pelas toadas consultivas, com valor positivo que se encerram nelas mesmas. A partir dessa reflexão, analisam-se os gargalos e entraves brasileiros quanto ao tema, com vistas a propor uma nova agenda para o Brasil, que seja capaz de focar suas ações no correto tratamento dos termos, levando em consideração as características econômicas, sociais e empresariais brasileiras. Para que, então, seja possível, no médio e longo prazo, o país atingir resultados satisfatoriamente condizentes com a sua potencialidade. Tecnologia e inovação: considerações teóricasO debate acerca do crescimento econômico tem movimentado a Economia desde o final do século XVIII, particularmente interessado em analisar quais as suas fontes e dinâmicas. Dentre seus resultados históricos mais expressivos está a ideia de que a base impulsionadora do crescimento é a produtividade (Castells, 1999). Na esteira desse raciocínio, pesquisas teóricas e empíricas têm se guiado pela busca dos determinantes da produtividade dos fatores na economia, na qual se destaca o clássico modelo de Solow. Nesses trabalhos, e particularmente no modelo de Solow, observa-se que incrementos de produtividade são em grande parte explicados por fatores tecnológicos relacionados a mudanças e transformações técnicas, ou seja, alterações e revoluções no “uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reprodutível” (Brooks, Bell apud Castells, 1999, p.49) – ação que passa a ser entendida economicamente como tecnologia. Nesse sentido, a transformação tecnológica adquire papel central no crescimento da produtividade (Nelson, 2006), sendo a economia da tecnologia a estrutura explicativa para análise das fontes do crescimento econômico (Castells, 1999). Pode-se afirmar que esses desdobramentos teóricos que buscam encetar uma economia da tecnologia para entendimento do crescimento econômico também encontram respaldo em Schumpeter (1961), para qual a recombinação de conhecimento e recursos voltados à criação de valor (processos, mercados, fornecimento e organizacional) e de novos produtos para mercados, entendidos como inovação, constituem o fenômeno econômico mais relevante. Inaugura-se, dessa forma, a clássica abordagem schumpeteriana, pela qual se entende as transformações tecnológicas como o veículo das inovações, as quais, ao emergirem nas empresas a partir da busca incessante de novas oportunidades de lucro no mercado, acabam por impulsionar a economia ao crescimento e seu desenvolvimento. A centralidade da tecnologia e da inovação nessa abordagem ocorre pelo fato destas promoverem incrementos na produtividade - tanto nas transformações tecnológicas contínuas na função de produção, quanto nas rupturas e descontinuidades com a situação e bases presentes, num processo amplamente conhecido como destruição criadora. Logo, tal abordagem do processo de crescimento é entendida como evolucionária, por ser histórica e caracterizada por desequilíbrios, e cujos saltos qualitativos (transformadores) são dados justamente pelas mudanças tecnológicas e inovativas. Com isso, se são a tecnologia e as inovações, pelos seus impactos nos processos produtivos e fluxos econômicos, as principais determinantes do crescimento econômico, torna-se fundamental entender as dinâmicas de ambas, isto é, como e por quem são providas e como se inserem nos ambientes econômicos, a fim de se explorar possibilidades de maximização do seu provimento. Principais questões da tecnologia e inovação para o crescimento: conhecimento, empresários e empresasNa perspectiva schumpeteriana, as inovações e mudanças tecnológicas possuem sua origem na capacidade dos empresários em articular as necessidades e vontades dos consumidores e potenciais oportunidades de mercado com os conhecimentos existentes, aplicando-os, por meio de novas combinações, no desenvolvimento de novos produtos, métodos, processos, mercados e fontes de fornecimento, bem como no desenho de uma nova organização. Nesses termos, a dinâmica inovativa e tecnológica está totalmente sustentada e associada a três questões-chave: conhecimento, empresários e empresas. A dimensão conhecimento é fundamental de ser suscitada, pois é por meio de sua produção que se acumula e se potencializa a capacidade de abstração, raciocínio e percepção da realidade em seus mais vários âmbitos (biológico, social, político, físico-químico etc.), possibilitando aos seres humanos vislumbrar racionalmente seu meio com maior complexidade, como também se promove as condições técnicas para nele intervir ao seu favor (bem-estar). Nessa visão, a ciência se torna a sistematização do processo de conhecimento, responsável tanto pelo seu desenvolvimento (acumulação) quanto pela sua aplicação (instrumentalidade). Desse modo, a relação entre conhecimento, consubstanciado na ciência, com tecnologia e inovação releva-se indissociável, podendo sê-la imediatamente analisada a partir de dois fatores. Primeiramente, pela equação de que quanto maior o desenvolvimento e a acumulação do conhecimento maior a capacidade de abstração, raciocínio e percepção dos indivíduos da realidade, permitindo-os estabelecer com maior potencial possíveis relações de causalidade capazes de explicar e inferir fenômenos, assim como propor novas combinações, sejam elas tecnológicas e/ou inovativas. E, secundariamente, pelo desenvolvimento de técnicas, cujo papel é crucial na capacidade de materialização dessas propostas combinativas. Nesses termos, o conhecimento é condição sine quo non para o desencadeamento do processo tecnológico e de inovação. Para maior dinâmica e intensificação do processo tecnológico e inovativo, personagem fundamental é eleita pela abordagem schumpeteriana: o empresário. Para Schumpeter, o empresário é protagonista da inovação, tendo em vista ser ele o indivíduo estimulado à empreitada de realizar novas combinações para consecução dos anseios de sua ascensão. Motivado por ambições sociais realizadas por meio do lucro, é dele a responsabilidade constante e incessante de desencadear a inovação e transformações tecnológicas, até ser superado por ele mesmo ou por outro indivíduo. Nesse sentido, tecnologia e inovação são suas atividades-meio, sendo-as o combustível do que Keynes chamara de espírito animal empresarial. Essa consideração acaba, em certa medida, não apenas por determinar o ator principal do processo tecnológico/inovativo, mas inferir, também, em suas necessidades (meios) de realização. Pois se a tecnologia e a inovação são os motores do crescimento econômico e estas estão sob responsabilidade dos empresários, torna-se fundamental que estes tenham acesso ao conhecimento e às bases materiais que os permitam desencadeá-las. É por essa lógica que Schumpeter (1961) atribui à empresa o status de lócus primordial da inovação e mudança tecnológica, dado que são estas estruturas organizacionais que possibilitarão materializar as empreitadas dos empresários na realização de suas ações inovativas, trazendo resultados econômicos que satisfaçam sua voracidade. Inclusive, tal questão passar a ser organizacionalmente incorporada às empresas, as quais, além de criar mecanismo de busca por financiamento e capital para seus projetos, iniciam a elaboração de nova função organizacional responsável por incorporar o processo de conhecimento aplicado: pesquisa e desenvolvimento (P&D), que passa a ser entendida como o “trabalho criativo sistêmico para aumentar o estoque de conhecimento, incluindo do homem, da cultura e da sociedade, e o uso desse estoque para criar novas aplicações” (OCDE, 2002, p.30). Como o próprio Schumpeter (1961) enfatizou, a primeira coisa que uma empresa moderna fará é estabelecer um departamento de pesquisas, sabendo que a sua sobrevivência dependerá do seu sucesso em inventar aperfeiçoamentos. A análise schumpeteriana sobre o papel das empresas no provimento de tecnologia e inovação encontrou forte respaldo empírico, suscitando, inclusive, grande debate quanto à possibilidade destas conseguirem incorporar a função de pesquisa e desenvolvimento. Schumpeter tentou resolver a questão ressaltando a essencialidade de se conceder crédito aos empresários, com objetivo de permitir que estes tenham condições de constituir adequadamente suas empresas, bem como promover suas inovações e transformações tecnológicas. Todavia, grande parte dos economistas alertou que, pelas condições modernas de mercado, tal dinâmica só seria possível em grandes empresas, ou, ainda, quanto maior a empresa, melhor seria. Galbraith (1978) foi enfático nessa questão, argumentando que as grandes empresas estariam sempre aumentando sua supremacia e poderio sobre a economia, pois seriam somente elas aquelas com condições de sustentar as despesas das funções de pesquisa e desenvolvimento necessárias à inovação. Por outro lado, a despeito de não haver evidências empíricas robustas de uma relação direta entre porte e inovação, constata-se atualmente que são as grandes empresas que têm assumido o pioneirismo das fronteiras tecnológicas e inovadoras, proporcionando os principais saltos de crescimento de suas economias. Não é ocioso lembrar que a consolidação de grandes corporações foi muito defendida em países que hoje são desenvolvidos, como Estados Unidos, nações da Europa e inclusive aqueles de rápido crescimento, como os tigres asiáticos e recentemente a China, com grande correlação entre as maiores empresas do mundo e crescimento dos países de sua origem. Pode-se concluir, então, que, se teoricamente a tecnologia e inovação são observadas como motores do crescimento para grande parte da literatura econômica, questões fundamentais quanto à possibilidade de maximizar essas interações surgem, as quais estão diretamente associadas aos desafios colocados aos seus pilares – conhecimento, empresário e empresas. Novos desafios contemporâneos para tecnologia e inovaçãoOs novos desafios contemporâneos colocados à tecnologia e inovação estão diretamente associados ao estímulo à produção de conhecimentos aplicados, os quais, imbricados e parceiros dos setores produtivos, devem ser utilizados por empresários qualificados e sensibilizados com o empenho inovador e tecnológico, com condições de constituir empresas que se tornem epicentros de pesquisa e desenvolvimento na promoção de aplicações para elaboração de novos mercados, processos, produtos e negócios, desencadeando forte dinâmica produtiva e competitiva. Observa-se, com isso, que o grande desafio encontra-se na constituição de um ambiente que seja propício para que este círculo virtuoso ganhe passo. A questão primordial evidenciada é a de como constitui-lo. Tal pergunta não se trata de inocente, uma vez que, como analisado, nos mais diversos discursos atuais, sejam das empresas ou dos governos, as relações entre inovação, tecnologia, conhecimento, empresários e empresas é relativamente disseminada e conhecida, não se tratando de elucubração teórica recente; embora seu desfecho, para grande parte dos casos, seja insuficiente. Dessa maneira, centraliza-se o debate nas formas que esse ambiente deve possuir e, principalmente, quais os esforços e empenhos prioritários que devem ser realizados para que ele consiga atingir eficiente e eficazmente seus propósitos. Propõem-se, então, as variáveis que deveriam ser prioritariamente consideradas quando da reflexão de ambiente potencializador da poderosa cadeia inovativa e tecnológica nas empresas, resultando em crescimento econômico. Se observadas as características dos processos inovativos e tecnológicos, fatores-críticos além do crédito e financiamento a novos negócios devem ser analisados com objetivo de se constituir instituições políticas, econômicas e sociais capazes de garantir ambiente inovador e tecnológico, sendo estes totalmente vinculados: i) à produção de conhecimentos necessários, tanto para potencializar os insights de novas combinações (tecnológicas e inovativas) pelos empresários, quanto para subsidiá-los e possibilitá-los a materializá-los; ii) à preparação de empresários com espírito animal de transformação tecnológica e inovativa; e iii) às condições de se estabelecer empresas capazes de exercer as funções de pesquisa e desenvolvimento. Primeiramente, quando se trata de inovação e tecnologia é imprescindível o debate em torno da produção científica, dado que é ela a responsável por potencializar e realizar as inovações e as transformações tecnológicas. Nesse sentido, é fundamental que o conhecimento seja desenvolvimento em três frentes de pesquisas: básica, básica-orientada e aplicada (OCDE, 2002). A pesquisa básica é aquela vinculada principalmente às universidades, isto é, ao trabalho teórico e experimental realizado com objetivo principal de adquirir novo entendimento dos fundamentos de um fenômeno, sem ter qualquer uso particular ou comercial apriorístico. Já a básica-orientada, concentra-se nos centros tecnológicos, focada na produção de amplo conjunto de conhecimento capaz de formar uma base aplicada para solucionar problemas dos mais diversos - nesse tipo de pesquisa, busca-se aplicar conhecimentos para resolver questões particular e especificamente colocadas. E, finalmente, a pesquisa aplicada, idealmente realizada nas empresas ou instituições a elas conveniadas, com intuito de instrumentalizar novo conhecimento direcionado ao objetivo prático de inovar. Logo, é fundamental que a produção de conhecimento para inovação e tecnologia seja articulada entre universidades, centros tecnológicos e empresas, as quais, por meio das pesquisas básicas, básica-orientadas e aplicadas, desenvolvam ambiente institucional capaz de acumular conhecimento desde o entendimento dos fenômenos e das possíveis relações de causalidade, passando pela sua instrumentalização técnica, até a sua aplicação na forma de inovações e tecnologia. Em um segundo momento, a capacitação empresarial é essencial e deve ser estimulada, dada que é ela a responsável por dotar o empresário de imaginação, criatividade e técnica, não apenas na gestão de seus ativos, mas no vislumbramento de possibilidades de mercado. Um empresariado bem capacitado é aquele que consegue analisar o mercado antevendo suas oportunidades e, aguçado no estabelecimento de relações de causalidade e munido de apoio científico-tecnológico, é capaz de inovar, bem como conduzir com eficiência e eficácia seu empreendimento. E, por fim, deve-se munir o mercado de condições institucionais para o estabelecimento de empresas que sejam capazes de prover suas pesquisas e desenvolvimento. A questão aqui se abre em duas frentes. A primeira, o incentivo à criação de grandes empresas, capazes de obter escalas e serem altamente competitivas, dadas as suas propícias condições de constituir ativos departamentos de pesquisa e desenvolvimento, tornando-se inovadoras. Secundariamente, mas não menos importante, a criação de redes institucionais de apoio à pesquisa e desenvolvimento na pequena e média empresa, uma vez que sua participação e impactos econômicos são muito importantes, não obstante seu acesso ao conhecimento e gestão serem precários, com barreiras consideráveis à inovação. Dessa forma, tem-se que o caminho para superar os novos desafios da tecnologia e inovação não somente passa pela ciência aplicada e atividade plena do setor empresarial, mas também pela capacitação de seus empresários e pela materialização de suas ideias. Resta-se, agora, analisar a situação brasileira, com vistas a entender como ela se encontra frente a esses desafios, para proposição de nova agenda capaz de colocar o país no trilho do desenvolvimento tecnológico e inovativo. Tecnologia e inovação no BrasilA tecnologia e inovação no Brasil podem ser analisadas pela perspectiva que envolve seu desenho institucional atual, sua forma e seus resultados. Pode-se chamar esse desenho institucional de Sistema de Inovação Brasileiro, que engloba as instituições responsáveis pelo conhecimento e condições de formação de empresários e empresas, tais como universidades, laboratórios, institutos, agências de financiamento e instalações de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do setor empresarial (Cruz, 2007). Quanto aos seus resultados, investigam-se sua demografia, padrão de investimento e número de patentes e inovações atingidas. Ao se iniciar a análise pelo primeiro pilar de sustentação da relação entre tecnologia e inovação - conhecimento/ciência, verifica-se, conforme dados do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT, 2010), que o Brasil possui atualmente 366 instituições voltadas à produção de conhecimento, ciência e tecnologia, distribuídos entre 253 universidades e 113 centros de ciência e P&D, que empregam 85.000 doutores, aproximadamente. Esse sistema vem aumentando consideravelmente o número de mestres e doutores formados por ano, atingindo, em 2009, por volta de 38.800 mestres e 11.400 doutores, que estão impulsionando a produção de publicações científicas brasileiras à média anual de crescimento três vezes acima da mundial, permitindo o país atingir 2,9% da produção total do mundo em 2009 (MCT, 2010). Esses resultados vêm sendo analisados internacionalmente com otimismo, interpretando o Brasil como “uma economia excitante e baseada na pesquisa inovadora”, cuja pesquisa está “expandindo rápida e fortemente”, sendo-o chamado de “the natural knowledge economy”, conforme enfatiza o Global Research Report – Brazil (Adams, King, 2009). Por outro lado, se os atuais resultados em ciência e tecnologia parecem colocar o Brasil nos trilhos, na verdade o que se constata é um viés analítico mais próximo ao otimismo do que à realidade. Pois, a despeito do forte crescimento da publicação científica no Brasil, e de certa expansão das universidades e centros de tecnologia, verifica-se que se se trata de processo ainda insulado, com entraves consideráveis ao desenvolvimento da tecnologia e inovação no país: o Brasil ocupa colocações pouco confortáveis nos principais rankings mundiais, tanto em inovação como tecnologia. Isto é, embora a tecnologia e a inovação tenham sido historicamente incorporadas às agendas governamentais e empresariais há tempos, suas realizações práticas e o desenvolvimento de ambiente propício a elas ainda são deveras incipientes, com seus incrementos mais robustos iniciados recentemente e ainda cheio de entraves e percalços. As respostas para os naturais porquês que surgem desse contexto situam-se, basicamente, na demografia, desenho institucional e padrão de investimento em tecnologia e inovação no Brasil. Como observa Cruz (2007), as dificuldades já se encontram na própria tentativa de se realizar estudos sobre o tema no país, tendo em vista a inexistências de dados sobre tecnologia e inovação, ou, quando existentes, a precariedade em sua organização, entendimento e acesso confiável, o que prejudica, inclusive, a construção de indicadores. Seu principal problema está nas bases trabalhadas e articuladas entre conhecimento, empresário e empresas no país, que têm dificultado, apesar dos esforços, uma relação sinérgica favorável à tecnologia e inovação. Tais problemas encontram-se principalmente em três pontos: i) a expansão e formação científica no país; ii) a capacitação empresarial; iii) e a possibilidade das pequenas e médias empresas em potencializar inovação e tecnologia. A questão relacionada à formação científica reside no perfil que a expansão brasileira vem apresentando, conquanto dados positivamente interessantes. Ou seja, o país está crescendo, mas sua forma e peso relativo ainda são muito questionáveis. O acesso ao sistema de ensino superior no Brasil ainda é relativamente difícil, com uma taxa de matrícula de indivíduos em idade adequada muito abaixo dos países em desenvolvimento e de alguns países latino-americanos, como o Chile; destaca-se que o Brasil possui, apesar de seu tamanho, uma das menores populações universitárias da América Latina. Ademais, o crescimento na formação de pós-graduados (mestrado e doutorado), mesmo crescente, vem se dando em áreas predominantemente das ciências humanas em detrimento das ciências exatas e engenharias. O Brasil, à medida que cresce sua área científica, diminui o peso das áreas diretamente responsáveis, em grande parte, pela pesquisa atrelada à tecnologia e inovação. De acordo com dados da CAPES (2011), em 2000, 11,3% dos cursos de pós-graduações eram das engenharias. Entretanto, apesar de um crescimento de 88,75% no número de cursos em 2009, a participação das engenharias se manteve em 11,3%; com redução verificada para áreas de exatas, biológicas e de saúde, frente ao forte crescimento das artes e humanas. Tal movimento já pode ser sentido na sociedade, no âmbito da graduação. Enquanto o Brasil possui aproximadamente 2 engenheiros por 10 mil habitantes, países desenvolvidos e altamente inovadores e com sólida base tecnológica chegam a possuir 17, como é o caso da Coreia do Sul (IEDI, 2010). Essa expansão de certa maneira desbalanceada nos objetivos de se consolidar um país altamente inovador e competitivo pode ser explicada pela própria formação escolar fundamental e média. Mesmo com taxas de crescimento consideráveis, o Brasil ainda registra resultados não satisfatórios em conhecimentos de leitura, matemática e ciências de seus adolescentes. Conforme dados da OCDE (2010), o Brasil assume a 53° posição na PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos de 2009, atrás de países como China, Chile, Uruguai e Trinidad e Tobago. Sem considerar que possui, atualmente, uma das maiores taxas de analfabetismo da América Latina (11,2%). Com relação ao empresariado a questão não se torna tão diferente. Dados do Global Entrepreneurship Monitor 2008 (Bosma et. al. 2008) revelam que no Brasil apenas 9,4% da população entre 18 e 64 anos recebeu algum tipo de treinamento empreendedor durante ou após a escola – um dos menores níveis do mundo; países inovadores possuem média de 23,3%. Ao se colocar, ainda, as condições burocráticas nas quais esses empresários atuam, os entraves brasileiros são alarmantes: trata-se do 128° país em número de dias para se começar um negócio; 89° para obtenção de crédito; e 122° para registro de propriedade (FMI, Banco Mundial, 2011). Fatores críticos quando se trata de uma economia pautada majoritariamente por micro, pequenas e médias empresas, as quais, para sobreviverem e, principalmente, inovarem e encetarem transformações tecnológicas precisam de propício ambiente de negócios, livres de entraves burocráticos e creditícios. Este panorama repercute claramente no padrão de investimento em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Ao passo que nos países desenvolvidos 70% dos investimentos em inovação e tecnologia são de empresas, no Brasil quem mais dispende é o governo, com 54% (MCT, 2010). Em relação ao volume total a situação se torna mais discrepante, dado que o Brasil investe, em média, 1% de seu PIB, enquanto países como Coréia, Japão e Israel registram mais de 3%. A participação do governo brasileiro de maneira direta e predominante frente ao setor privado tem resultado observado pelo número de patentes e suas origens no país, cujas maiores depositantes são as universidades federais. As empresas brasileiras vêm perdendo posição no ranking de depósito de patentes nos Estados Unidos, atingindo, em 2007, a 28° posição, atrás dos países asiáticos e emergentes. Não por acaso, quando analisados os dados de pesquisadores empregados em atividades de pesquisa no Brasil, historicamente registram-se 74% em dedicação integral nas universidades versus apenas 16% na função de pesquisa e desenvolvimento do setor empresarial (Cruz, 2007). O cenário apresentado evidencia duas análises. A primeira é a de que o Brasil parece buscar seu norte em tecnologia e inovação, buscando consolidar suas instituições científicas, o que se revela correto e positivo. Assim como o país também vem dando saltos consideráveis em sua orientação política de inovação, que, destacadamente a partir dos anos de 1990, vem criando mecanismos de fomentos relevantes e importantes. Entretanto, em segunda análise, seus resultados ainda não consubstanciam uma base robusta. Pela produção de conhecimento, sua dinâmica de expansão é questionável, vez que vem reduzindo as áreas tecnológicas principais, como engenharias. A própria capacitação do empresariado brasileiro, para dotá-lo de condições de colocar seu espírito animal em prática, sofre com entraves, dada sua baixa formação em negócios. O ambiente de negócios também não se apresenta como favorável, tendo em vista as sérias restrições burocráticas, principalmente para pequenas e médias empresas, predominantes na economia brasileira. O que acaba por constituir padrão e perfil de investimentos que, além de baixo, estão concentrados no setor público, o qual, praticamente empenhado nas universidades, produzem patentes que nem sempre chegam às empresas. Considerações finais: por uma nova agenda brasileiraTendo o exposto, conclui-se que já é consenso na literatura econômica o forte vínculo da relação entre tecnologia e inovação com o crescimento econômico. Todavia, não basta apenas compreender a relevância destas para uma dinâmica econômica mais pujante, mas, indubitavelmente, entender como elas se caracterizam para que sejam passíveis de serem empreitadas com eficiência e eficácia. Eis que reside o maior desafio contemporâneo dos países: como potencializar a relação dessas variáveis em sua economia? Tentou-se demonstrar que esse debate passa, necessariamente, pelo entendimento de como a tecnologia e a inovação são providas, concluindo que estas ocorrem por uma relação indissociável entre conhecimento, empresários e empresas. Não é possível se pensar em inovar e prover mudanças tecnológicas sem a produção de conhecimento e de ambientes propícios, bem como de indivíduos dispostos a levá-las a cabo no mercado por meio de suas empresas. Nesse sentido, o desafio dos países se encontra primordialmente na constituição de um sistema institucional econômico, político e social que potencialize essas questões, que consolidem as bases catalisadoras de processos tecnológicos e inovadores. Dessa maneira, pautada pela análise do Brasil com relação a esses fatores, observaram-se entraves consideráveis, que têm minado essas relações. Propõe-se, então, a título de debate, uma nova agenda brasileira, que abarque essas questões, buscando nortear a discussão sobre o tema em tópicos nos quais o Brasil se apresenta deficitário, ou, ainda, pouco articulado. Tal agenda pressupõe exaltar o que se tem feito (e o que deve ser feito) no caminho de se fortalecer o conhecimento, o empresariado e suas empresas, sem deixar as questões críticas dessas relações. Como analisado, o conhecimento é fundamental para o provimento de uma economia inovadora e tecnológica. Ressalta-se que todos os países que rapidamente cresceram, como os tigres asiáticos, por exemplo, fizeram consideráveis reformas em sua educação. Nesse ponto, o Brasil precisa avançar, e muito. Não apenas com relação à fundamental inserção no ensino e redução do analfabetismo, mas, em se tratando de tecnologia e inovação, maior foco às áreas de exatas, destacadamente as engenharias. Esta sensibilização deve ocorrer desde o ensino fundamental, com maior aprofundamento na qualidade e importância da leitura, ciências e matemática nas salas de aula, vez que são esses os fatores que potencializam consideravelmente o raciocínio e o estabelecimento de relações de causalidade, essenciais à habilidade e capacitação de inovar. Defende-se, com isso, revisão dos conteúdos e aumento das cargas horárias nessas disciplinas, ao contrário do que se observa. No ensino superior a questão também se faz presente. A expansão da pós-graduação deve ser levada a cabo, mas com maior foco na formação de cientistas e engenheiros altamente qualificados, ao invés da retração dessas áreas, como se verifica no Brasil. A capacitação e formação de empresários também é ponto que deve ser incorporado à agenda. Embora país altamente empreendedor, o Brasil apresenta grande taxa de mortalidade empresarial, devido a problemas de gestão oriundos de falta de qualificação do empreendedor. É necessário expor mais os brasileiros à formação em negócios, seja qual for sua área de atuação, como países desenvolvidos vêm fazendo. Identificar quais são as competências básicas de empreendedor inovador e articulá-las por meio de conteúdos educacionais a serem disseminados país afora se torna uma prioridade de agenda. E, por fim, com relação às empresas, o Sistema Brasileiro de Inovação deve focar duas medidas. A primeira, a constituição de grandes empresas nacionais com alta capacidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, dado que são as grandes empresas as maiores investidoras do mundo. Esse processo deverá ser capitaneado principalmente pelo sistema BNDES, fomentando tal consolidação. Em segundo lugar, deve-se, necessariamente, observar o perfil da economia brasileira, que é dado por empresas pequenas e médias. Com isso, os órgãos de fomento brasileiros devem desburocratizar seus mecanismos e, principalmente, iniciar financiamentos de risco – característica do processo inovador - para estas empresas. Deve-se, também, criar e melhorar as relações institucionais entre empresas e universidades, que no Brasil são tão precárias, quando não boicotadas por fruto de natureza ideológica. Em suma, a agenda proposta não pretende dar respostas, tampouco soluções. Pelo contrário, lista questões que devem ser profundamente incorporadas ao debate nacional, com objetivo de qualificá-lo e melhor articular os setores privados e públicos na incessante busca por um país inovador e tecnologicamente mais forte. Referências bibliográficasAdams, J; King, C. (2009); “Global Research Report – Brazil”, Global Research Report, Leeds, Thomson Reuters. Bosma, N. et. al. Global entrepreneurship monitor 2008 – executive report. Atualizado: 2008. [Data de consulta: 20 março 2011]. Disponível em: http://www.gemconsortium.org/download/1301967708725/GEM_Global_08.pdf. CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Geocapes. Atualizado: 2011. [Data de consulta: 28 março 2011]. Disponível em: geocapes.capes.gov.br/geocapesds/. Castells, M. (1999); A sociedade em rede; Rio de Janeiro, Paz e Terra, 617 p. Cruz, C. H. B. (2007); “Ciência e tecnologia no Brasil”, Revista USP, n. 73, 58-90. FMI – Fundo Monetário Internacional; Banco Mundial. 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1 Universidade de São Paulo, Brasil. dcoelho@usp.br |
Vol. 33 (3) 2012 [Índice] |