Espacios. Vol. 33 (3) 2012. Pág. 16


Paisagem cultural de São Thomé das Letras, Minas Gerais

Cultural Landscape of São Thomé das Letras, Minas Gerais, Brasil

Stefânia de Araújo Perna 1; Karina Machado de Castro Simão 2; Renata Maria Batista de Carvalho 3 y Staël de Alvarenga Pereira Costa 4

Recibido: 03-07-2011 - Aprobado: 12-10-2011


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RESUMO:
O conceito de paisagem cultural desenvolvido por vários autores contemporâneos vem sendo utilizado em trabalhos acadêmicos e possui ampla discussão entre os pesquisadores da área. Devido à sua consolidação como base teórica para o desenvolvimento de novas análises sobre os sítios urbanos, este trabalho discorre sobre sua aplicação na pesquisa da cidade de São Thomé das Letras - MG. De acordo com a UNESCO (1999) "o termo paisagem cultural engloba uma diversidade de manifestações da interação entre o homem e seu ambiente natural" e é classificada em três categorias: claramente definida, essencialmente evolutiva e cultural associativa. O ambiente natural do município de São Thomé das Letras foi transformado através da ação antrópica e a sua paisagem pode ser considerada uma paisagem cultural. O trabalho visa à análise e classificação (dentre as categorias definidas pelo UNESCO) dessa paisagem cultural como um complexo artefato, a partir da qual é possível aprender sobre o passado e o presente do município. Busca-se o conhecimento, interpretação e percepção da paisagem cultural contemporânea de São Thomé das Letras através da descrição de três áreas consideradas como sendo de especial destaque para o observador devido à suas características marcantes e distintas do restante cidade.
Palavras chave: Paisagem cultural. São Thomé das Letras. Impacto Ambiental

 

ABSTRACT:
Concepts of cultural landscape which have been in development by several contemporary authors have been applied in academic papers and brought a wide discussion among researcher, as a sound theoretical basis for the development of different analysis of urban sites. This paper discusses the use of such concepts in a case study on a town named São Thomé das Letras – MG, as a recognition of this theoretical basis. According to UNESCO (1999), "the concept cultural landscape encompasses a diversity of manifestations of interaction between man and his natural environment" and it can be classified into three distinguished categories: clearly defined, essentially evolutionary and cultural associations. The natural environment of the town of São Thomé das Letras has been transformed by human action on its landscape that can be considered as a cultural landscape. This work presents the analysis of that town's cultural landscape employing UNESCO's categories as a complex artifact, from which one's can learn about the past and of the present of that city. The main purpose of the project was to acquire knowledge, by using the interpretation and perception of contemporary cultural landscape of São Thomé das Letras town due to the descriptions of three areas considered of particular prominence to the observer due to theirs striking features and distinction from the rest of the city.
Keywords: Cultural Landscape; São Thomé das Letras; Environmental Impact.


Introdução

Conceituação de paisagem cultural

“Tudo o que é cultural tem como fundamento o natural. E tudo o que é natural somente pode ser percebido e reconhecido pelo homem, por meio do que é cultural.” (Delphim, 2008)

O conceito de paisagem cultural foi instituído pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972, cujo objetivo é o reconhecimento de porções singulares dos territórios, onde a inter-relação entre a cultura humana e o ambiente natural confere à paisagem uma identidade singular. De acordo com a instituição, “o termo paisagem cultural engloba uma diversidade de manifestações da interação entre o homem e seu ambiente natural” e é classificada em três categorias: claramente definida, essencialmente evolutiva e cultural associativa.

Segundo a Carta de Bagé (2007) a definição de paisagem cultural brasileira fundamenta-se na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo a qual:

“o patrimônio cultural é formado por bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” 

A paisagem cultural é o meio natural ao qual o ser humano imprimiu as marcas de suas ações e formas de expressão, resultando em uma soma de todos os testemunhos resultantes da interação do homem com a natureza e, reciprocamente, da natureza com homem, passíveis de leituras espaciais e temporais. Essa paisagem é então o resultado de múltiplas e diferentes formas de apropriação, uso e transformação do homem sobre o meio natural. Carta de Bagé (2007)

De acordo com Delphim (2008), a paisagem cultural pode ser uma área mística, um vale cultivado, um ambiente preparado para reverências ou mesmo alguma transformação da natureza que o ser humano fez para anunciar suas conquistas e marcar sua passagem. O arquiteto e paisagista reitera:

“tudo o que é natural é também cultural. Um sítio onde o homem nunca tenha pisado, somente o saber humano, a cultura, poderá organizar, compreender e dele fazer uso. Apenas o homem pode conferir valores a um recurso natural, a uma paisagem.”

São Thomé das Letras

A cidade de São Thomé das Letras localiza-se ao sul do estado de Minas Gerais e é eqüidistante das três maiores cidades brasileiras - Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. A sua área total é de aproximadamente 370Km² e a população é de 6617 habitantes. (IBGE, 2007).

Este núcleo urbano começou a se formar na segunda metade do século XVII, quando, segundo D’Auria (2000), o padre Francisco Alves Torres recebeu a provisão para a construção da capela em homenagem ao santo São Thomé. Segundo a tradição, inscrições avermelhadas nas paredes da gruta São Thomé são evidencias da passagem do Santo pela região, o que provavelmente, originou a designação “das Letras” ao nome da cidade.

A peculiar formação rochosa da região permitiu a presença das edificações com a técnica de construção em pedra são tomé, e posteriormente, a instalação de mineradoras com dimensão industrial, que configuram-se como a principal atividade geradora de renda para a população.

Á área urbana possui leve declividade. À leste, localiza-se a área de preservação ambiental Parque Municipal Antônio Rosa, em cota altimétrica mais elevada que a cidade. No outro lado da cidade, a atividade mineradora explora o solo, expondo a cor clara da pedra são tomé e formando pilhas de rejeito de pedras, não aproveitadas pelas indústrias extrativas.

No momento em que a atividade mineradora se consolidava, novos moradores foram atraídos para a cidade pelas possibilidades de emprego e renda. A utilização da técnica com a pedra são tomé nas primeiras construções representa o esforço de adaptação do homem ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que representa a aplicação de técnicas construtivas que compunham o saber dos estrangeiros que ocuparam aquele local. Estas edificações tornaram-se grande parte do patrimônio arquitetônico, tombado como patrimônio histórico do Estado de Minas Gerais, na segunda metade do século XX.

Na década de 1970, o turismo uniu-se à agropecuária e à mineração dos quartzitos, como atividade econômica. Novos moradores continuaram a chegar à cidade, o que determinou o rápido crescimento urbano e o processo de descaracterização do acervo cultural.

Os turistas são atraídos pelas belezas naturais, misticismo e pela arquitetura característica. Portanto, a mesma paisagem que atrai turistas, também é responsável pela fixação da predatória atividade mineradora.

A expansão da malha urbana de São Thomé, embora reduzida, aconteceu de maneira não-planejada, e a exploração também aleatória do sítio natural no entorno da cidade continua descaracterizando aspectos paisagísticos naturais. (Zolini, 2007)

 Contudo, apesar de toda a descaracterização, São Thomé das Letras ainda possui patrimônio ambiental e cultural, reconhecido pela população como parte de sua história e da sua identidade cultural.

Pode-se afirmar que São Thomé das Letras só existe por causa da pedra, e por ela perecerá. Esta frase, que mais parece um augúrio, sintetiza uma antítese existente na alma dos moradores de São Thomé, principalmente da população consciente da importância do patrimônio arquitetônico e ambiental para o fortalecimento da memória coletiva da cidade. (Zolini, 2007)

2. A paisagem cultural de são thomé das letras

O aspecto mais importante da paisagem cultural é o tempo da atividade humana e, acima de tudo, a presença do passado humano (Fairclough, 2001). Cada paisagem é distinta da outra através do seu caráter, definido por elementos como o físico, histórico, ocupação, transformação e valores agregados. Esses elementos revelam o passado e o presente e permitem o conhecimento da relação do homem e a natureza em cada paisagem cultural.

As ações antrópicas devem ser vistas como o fator mais significante no desenho da paisagem de São Thomé das Letras ao longo de séculos e milênios. Até as primeiras décadas do século XVIII, a paisagem natural havia sofrido pouco impacto da ação humana. Entretanto, a valoração econômica da pedra são tomé, a partir de meados do século XX, provocou uma ampla transformação na relação entre o homem e a natureza. 

Essa transformação do município se expressa claramente na paisagem urbana, cujo crescimento é limitado por barreiras físicas como a área de preservação ambiental do Parque Municipal Antônio Rosa ou por barreiras antrópicas como as áreas ocupadas pelas mineradoras.

 

FIGURA 1: Imagem da cidade em 2007
Fonte: Associação das Empresas Mineradoras, Beneficiadoras e de Comércio deQuartzitos da Região de São Thomé das Letras (AMIST).

FIGURA 2: Vista área. Encontro da área de mineração com a área urbana. 2007.
Fonte: Cedida pela AMIST

O trabalho visa à análise e classificação (dentre as categorias definidas pelo UNESCO) dessa paisagem cultural como um complexo artefato, a partir da qual é possível aprender sobre o passado e o presente do município. Busca-se também o conhecimento, interpretação e percepção da paisagem cultural contemporânea de São Thomé das Letras.

Critério de análise da paisagem cultural

Considerando que a paisagem cultural de São Thomé das Letras foi feita em uma cultura passada, que gerou as atitudes culturais atuais, ela deve ser analisada a partir dos seguintes aspectos:

  • histórico e cultural: o processo e a mudança do passado são definidos pela interação no tempo entre as pessoas e seu ambiente, produzindo a paisagem cultural atual.
  • percepção e o entendimento: a paisagem só existe através dos olhos de quem a  visualiza e a conceitualiza. Para o entendimento da paisagem e do seu passado devem-se considerar as características distintas dos lugares, apreciação estética, senso de pertencimento, valores ecológicos e amor à natureza, memória pessoal e social.
  • elementos materiais, como construções, que podem ser danificadas ou destruídas e que precisam de cuidados.

A partir do trabalho intitulado “Pedra São Tomé: Valoração regional por meio da revitalização da paisagem e da identidade cultural”, que analisa a paisagem cultural do município de São Thomé das Letras, é possível classificar a paisagem cultural na sede municipal, considerando principalmente a percepção e o entendimento da mesma.

Classificação da paisagem cultural

O Comitê do Patrimônio Mundial classifica a paisagem cultural em três categorias:

  • paisagem claramente definida (planejada) : intencionalmente concebida e criada pelo homem, e que engloba as paisagens de jardins e parques criadas por razões estéticas que estão muitas vezes (mas não sempre) associadas a construções ou conjuntos religiosos. É considerada a mais fácil de identificação.
  • paisagem essencialmente evolutiva (desenvolvida organicamente): resulta de uma exigência de origem social, econômica, administrativa e/ou religiosa, que atingiu a sua forma atual por associação e em resposta ao seu ambiente natural. Estas paisagens refletem esse processo evolutivo na sua forma e na sua composição. Subdividem-se em duas categorias:
    • uma paisagem relíquia (ou fóssil) é uma paisagem que sofreu um processo evolutivo que foi interrompido, brutalmente ou por algum tempo, num dado momento do passado. Porém, as suas características essenciais mantêm-se materialmente visíveis;
    • uma paisagem viva é uma paisagem que conserva um papel social ativo na sociedade contemporânea, intimamente associado ao modo de vida tradicional e na qual o processo evolutivo continua. Ao mesmo tempo, mostra provas manifestas da sua evolução ao longo do tempo.
  • paisagem cultural associativa: a inscrição destas paisagens na Lista do Património Mundial justifica-se pela força da associação a fenómenos religiosos, artísticos ou culturais do elemento natural, mais do que por sinais culturais materiais, que podem ser insignificantes ou mesmo inexistentes.

São Thomé das Letras é um município que acolhe duas marcantes relações entre o homem e o espaço ocupado e transformado. A primeira diz respeito à sua origem pacata e quase isolada do mundo, onde as únicas atividades eram a agricultura e pecuária, quase de subsistência, e a outra é a extração artesanal da pedra. (Zolini, 2007). A primeira forma de ocupação causou menos impacto na paisagem em relação à segunda. Porém, a agricultura proporcionou a ocupação e evolução urbana, que deu suporte para o desenvolvimento da extração artesanal da pedra e consequente transformação do ambiente, predominante na paisagem contemporânea.

Portanto, a paisagem de São Thomé das Letras é resultado do processo evolutivo da sociedade, que aconteceu de forma natural como resposta desta às suas necessidades, e se estende até a atualidade. Desta forma a paisagem de São Thomé das Letras deve ser classificada como essencialmente evolutiva.

Percepção da paisagem cultural: uma paisagem, múltiplas visões

A análise dos padrões de ocupação das edificações nos lotes, a relação dos lotes com o quarteirão, destes com as ruas, e todo este conjunto relacionado com o sítio natural onde estão implantados, possibilita uma compreensão da evolução da forma urbana. Este progresso mostra como política, cultura e economia se revelam em diferentes paisagens ao longo do tempo (MACK, 2004).

De acordo com a autora, a paisagem tem múltiplos significados dependendo da perspectiva de quem a experiencia. O estudo feito na cidade de São Thomé das Letras possibilitou aos arquitetos e turismólogos um amplo entendimento de quão variados são o modo de ver, de perceber e até de viver uma mesma paisagem. O levantamento e análise da evolução da morfologia urbana da cidade, baseada na metodologia de Conzen (1981), foram de grande importância na medida em que proporcionaram não só o estudo da cidade em si, mas possibilitaram o contato dos técnicos com os moradores, os turistas e os comerciantes locais.

O trabalho realizado em campo contou com uma série de métodos, como o da apreensão da realidade local efetuada pelo caminhamento ao longo da cidade com o mapa em mãos, anotações, fotos, reuniões com a comunidade, e posteriores análises. O fato de as técnicas que realizaram o trabalho estarem hospedadas na cidade, como visitantes, também proporcionou horas de lazer em lanchonetes, restaurantes e passeios pelos espaços públicos da cidade.

Neste sentido, mesmo que a visita à cidade tenha sido como pesquisadoras do aspecto urbano, foi possível também se ter a visão de um turista, que passa um período de tempo na cidade. Visto que os olhares dos técnicos são de certa forma “treinados”, e que objetivo era avaliar aquela paisagem, adotou-se o comportamento de técnicos, logo à primeira vista. E já no caminho, antes mesmo de se entrar na cidade, a visão da paisagem causou repulsa devido à degradação gerada pelas mineradoras que circundam a pequena urbe localizada na face da serra. A imagem que se observa é a de amontoados de rejeitos de pedra mineira que impressionam quem se aproxima da cidade. Neste aspecto, é possível que mesmo o mais desavisado visitante tenha esta mesma “primeira impressão” da cidade. Mesmo que a princípio pareça algo irreconhecível, após uma maior aproximação, a serra perfurada pelas técnicas de mineração e o monte de rejeitos e pilhas da pedra são Thomé se revelam ao visitante.

FIGURA 3: Chegada à cidade
FONTE: Lab. Paisagem, Janeiro de 2010.

FIGURA 4: Imagem das minas de exploração de pedra São Tomé, nos arredores da cidade de São Thomé, MG.Destruição da paisagem e perfis topográficos naturais
FONTE: Relatório final projeto: “Pedra São Tomé: valoração regional por meio da revitalização da paisagem e da identidade cultural, 2010

É claramente perceptível que a principal atividade existente ali é a exploração da pedra, e que ela impregna a cidade com seus restos, seu sons, seu cheiro, e, principalmente, seu impacto visual. Ao caminhar pela cidade foi possível perceber as nuances existentes em sua paisagem global. A periferia urbana, desde o primeiro contato, se revelou claramente, devido à sua forma de ocupação, diferenciada da área central.

Devido a estas nuances existentes na paisagem urbana de São Thomé, três áreas em especial se destacam pelas diferentes percepções que proporcionam ao observador.

A periferia, como citada anteriormente, devido às tipologias edilícias características deste espaço, será abordada como uma destas áreas. Além da periferia, a Praça Barão de Alfenas se destaca na paisagem urbana como um espaço no qual a vivência é distinta da que se tem em outras áreas da cidade. A percepção que o observador tem neste espaço é única dentro do contexto urbano, devido ao bem-estar proporcionado por sua qualidade ambiental. Qualidade esta proporcionada pela presença da Igreja Matriz, a gruta de São Thomé, e as edificações do entorno, que ainda se encontram em bom estado de preservação.

Outro local que possui expressivas características e se destaca aos olhos de quem a percebe é a Praça do Rosário. Nesta área é possível se ter percepções que perpassam entre a visão da periferia e a da Praça Matriz. No local é possível perceber as ações de modificação e descaracterização das tipologias edilícias, e ao mesmo tempo sentir o bem-estar proporcionado pelo conjunto formado pela capela do Rosário e seu adro.

Neste sentido, faz-se uma descrição destas três diversas áreas da paisagem urbana da cidade de São Thomé percebidas aos olhos de “observadores-pesquisadores”.

Primeira percepção: a periferia e seu tipo construtivo

Como a cidade possui a tradição da construção em pedra são tomé, e as possui em abundância, não era compreensível o fato das casas da periferia serem quase em sua totalidade feitas de tijolo cozido, muitas vezes sem reboco e pintura. Também a forma de implantação no lote é significativo devido ao fato de as edificações serem extremamente adensadas, quase sem afastamento entre si, a tal medida que, em muitos casos, não era possível se distinguir os limites dos lotes.

Tudo isto leva a constatação de que a área se expande, e o faz sem controle, em desacordo com as normas urbanas. Essa expansão desordenada se dá principalmente na área de preservação municipal, composta pelo Parque Municipal Antônio Rosa.

FIGURA 5: Vista da periferia, próximo ao Parque Municipal Antonio Rosa
Fonte: Lab. Paisagem, Janeiro de 2010

Segunda percepção: a praça matriz

No centro da cidade, encontra-se a igreja matriz, com sua praça e largo, circundados por casario do século XVIII, além da gruta de São Thomé. A percepção que se tem é de uma cidade organizada. É neste espaço que, de fato, ocorre a vida pública da cidade, no qual as pessoas se encontram e a maior parte do comércio e dos serviços locais se concentram. Neste espaço, as edificações são quase todas com acabamento externo em pedra são tomé e ainda se mantêm conservadas. O conjunto formado pela igreja matriz e pela gruta dá ao local um ar de imponência.

Além disso, deste local não se avista tão claramente o entorno, marcado pela degradação gerada pelas mineradoras. É como se o usuário deste espaço estivesse inserido em uma paisagem diversa daquela vivenciada na periferia, que, diferentemente desta, possui boa ambiência e passa a sensação de bem estar. Essa paisagem pode ser considerada o centro histórico da cidade, sendo de maior importância para os turistas e também para a comunidade local. É importante ressaltar que o centro histórico e seu entorno encontram-se inseridos no perímetro tombado pelo IEPHA (IEPHA, 1996).

FIGURA 6: Praça Igreja Matriz
Fonte: Lab. Paisagem, Janeiro de 2010.

Terceira percepção: a praça do Rosário

A nordeste da praça matriz encontra-se a capela de Nossa Senhora do Rosário. A igreja traz como particularidade, o material e a técnica aplicada em sua construção. Suas paredes foram erguidas com pedra são tomé, justapostas, umas sobre as outras, dando aparência à fachada de filetes de pedras encaixadas, técnica conhecida na região como “cavaco”, criando uma aparência muito diferente das tradicionais igrejas brasileiras , que são rebocadas em argamassa de cal. (Zolini, 2007). Seu entorno, contudo, é marcado pelo contraste. As edificações que circundam a igreja possuem, em média, três pavimentos, diversos tipos de acabamentos e criam um contraste com a edificação, em pedra. Além disso, a existência de um posto de gasolina impacta a área com a presença de caminhões, barulho e trânsito intenso.

Apesar do conjunto formado pela igreja e seu adro formarem uma boa ambientação, e uma paisagem de qualidade cênica, o entorno não cria condições apropriadas para a permanência e uso das pessoas deste local como espaço público de estar e lazer. A capela de Nossa Senhora do Rosário e seu entorno também estão inseridos perímetro tombado pelo estado de Minas Gerais (IEPHA, 1996). Entretanto, a política de preservação do IEPHA, não consegue impedir reformas nas edificações tombadas do entorno desta igreja que descaracterizam a área tombada.

 

FIGURA 7: Panorâmico do entorno da igreja do Rosário
Fonte: Lab. Paisagem, Janeiro de 2010.

FIGURA 8: Panorâmico do entorno da igreja do Rosário
Fonte: Lab. Paisagem, Janeiro de 2010.

As múltiplas visões contidas na paisagem urbana de São Thomé revelam quão dinâmica pode ser uma paisagem. Neste estudo, foram contempladas as visões de profissionais que visitaram a cidade, mas esta é uma entre outras possíveis. Deve ser ratificado que foram analisadas as visões mais expressivas da paisagem urbana como um todo, as que chamaram mais à atenção dos profissionais. Ainda há a visão dos turistas que passeiam pela cidade e ainda aqueles que visitam a cidade e passam a habitar em São Thomé, que são também importantes agentes de transformação da paisagem da mesma. Os moradores e os nativos também possuem sua visão particular da paisagem cultural analisada.

FIGURA 9: Áreas das percepções mais expressivas.
Fonte: Laboratório da Paisagem, 2010

3. Conclusão

É possível existir diferentes percepções sobre a paisagem cultural, principalmente de uma cidade tão heterogênea como São Thomé das Letras. Alguns técnicos, arquitetos e urbanistas a compreendem como uma cidade não-planejada, descuidada, e que sofre com os danos gerados pela atividade da mineração, mas com grande potencial turístico e de revitalização. Entretanto, alguns turistas e moradores vêem uma paisagem cultural e histórica, formada por edificações em pedra são tomé, e um espaço pacato e tranqüilo para a moradia e passeio. Cabe lembrar que esses turistas e moradores também sentem o impacto negativo das mineradoras que circundam a sede municipal, como comprovado em pesquisas survey realizadas no trabalho intitulado “Pedra São Tomé: Valoração regional por meio da revitalização da paisagem e da identidade cultural”.

Portanto, se questiona qual será no futuro a paisagem cultural de São Thomé das Letras: como manter a paisagem, que é histórica e enraizada na cultura, e como deixar o suficiente para permitir às gerações futuras tomar suas próprias decisões sobre a paisagem com que eles desejam viver? Seria possível o “congelamento” dessa paisagem cultural histórica? Convém o resgate da técnica cultural de revestimento em pedra são tomé para a construção de um “cenário” condizente com os recursos e história do local? Cabe ressaltar que o contexto histórico, social, político e econômico contemporâneo é diferente de quando a técnica de revestimento em pedra era adotada, o que gera possíveis conflitos.

Um provável avanço no sentido de se preservar tal paisagem pode ser a gestão pública das transformações que ocorrem nesta, que envolva a comunidade. Essa gestão pode criar novas abordagens históricas, através da “releitura” e adaptação de técnicas construtivas e da cultura original.  Para isso, a comunidade local e a sua cultura, inclusive a técnica de construção em pedra devem ser conhecidos e percebidos por aqueles que atuam de alguma forma nesta paisagem. Esse movimento de atuação evidencia que a conservação não deve visar o “congelamento” da paisagem cultural. É necessária a participação ativa de diversos setores da sociedade, como a comunidade, o governo, a iniciativa privada e pesquisadores.

O entendimento e o gerenciamento da paisagem cultural São Thomé das Letras é um elemento essencial para se alcançar o desenvolvimento sustentável da cidade. Neste sentido, é importante que sejam abordadas as dimensões cultural e a social, tanto quanto a econômica. A comunidade deve ser tratada como o elemento chave da gestão pública, uma vez que a paisagem está carregada de valores e importância para o indivíduo, através da relação existente entre as pessoas e o lugar.

Referências

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1 UFMG. Departamento de Urbanismo-EAUFMG. Brasil. E-mail: steperna@hotmail.com
2. UFMG. Departamento de Urbanismo-EAUFMG. Brasil. E-mail: karinamdcs@yahoo.com.br
3. UFMG. Departamento de Urbanismo-EAUFMG. Brasil. E-mail: renatambc@gmail.com
4. UFMG. Departamento de Urbanismo-EAUFMG. Brasil. E-mail: spcosta@arq.ufmg.br


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